Há um panorama mundial diante do qual temos que tomar uma posição. Senão seremos, progressivamente, conduzidos à inércia, à paralisia mental, à dormência social e política.
Em grandes traços, estamos convivendo com: 1)uma economia subordinada a estratégias financeiras - o que dá mais lucro é o que passa a ser considerado necessidade. A lógica que comanda é a da acumulação. É uma lógica bancária, competitiva e, portanto, concentradora de riquezas e poder;
2)um desenvolvimento tecnológico que empurra os trabalhadores para o desemprego, substitui profissões, quebra o ritmo de um desenvolvimento abrangente, privatiza os avanços, desconsidera a natureza;
3)uma crise do modelo político, dito democrático. Os âmbitos das grandes decisões estão fora do alcance do cidadão comum. A subordinação do político ao econômico faz com que o Estado se ajuste às recomendações dos interesses supranacionais a custos sociais altíssimos. E o que pode o voto e a pressão do cidadão comum? A produção de um consenso social através da mídia pode mais, convence mais. Para os inconformados, a lei;
4)paralelamente, ou mais claramente, em decorrência dessas escolhas, das quais não participamos, assistimos e participamos da expansão da pobreza e da violência, da profunda crise de valores. É como se em algum lugar do espaço sideral se tramasse contra a possibilidade da convivência e da paz; contra o direito e a liberdade de usufruir, construir e repor a vida, com a delicadeza que merecemos e que a natureza promete.
Diante de tudo isso, o que pode a educação e, em particular, a educação de jovens e adultos cujo público é, caracteristicamente, um recorte do universo dos excluídos? E, pelo que nos é dado avaliar, uma faixa em expansão.
Não temos muitas alternativas. Ou nos confessamos impotentes, e nos conformamos. Ou nos contentamos, isoladamente, a cumprir o melhor que pudermos a nossa tarefa, com esse gosto de gratuidade e amargura. Ou nos insurgimos. De uma insurgência como postura política, profissional, pedagógica e saímos da inércia, deixamos de estar simplesmente perplexos diante dos efeitos catastróficos desse modelo desumano. Escapamos desse determinismo, como se caminhássemos coletivamente inconformados para o desfecho infeliz de uma peça, com a qual não nos identificamos, apesar de estarmos convidados enquanto atores.
Se conseguirmos sair dessa baixa estima, teremos que começar a produzir uma outra peça, e muitos já começaram a escrevê-la. Não estamos sozinhos. E para nos emprestar clareza e ânimo, precisamos produzir sentido para o que fazemos.
Por exemplo, se considerarmos que o futuro é hoje, é agora, o "Fórum EJA 1" é uma demonstração de que essa insubordinação viva e produtiva existe. A vida está aqui presente, e se move. Nós somos uma prova de que não se conseguiu animalizar a todos, coisificar, mercadificar, desnaturar. Nós, concretamente, somos uma esperança.
O que temos pela frente, enquanto educadores de jovens e adultos do Rio de Janeiro, é uma missão globalizante - mesmo que a educação de jovens e adultos ainda permaneça como o fundo do quintal da casa da educação, mesmo que trabalhemos com candidatos ao desemprego ou ao "movimento". Tal como muitos outros lugares da África ou da América Latina, o que conseguirmos construir é passível de entrar em circulação mundial. Ou não? O momento é de globalização, de superação das fronteiras, usemos essa possibilidade para nos fortalecer. Os recursos já foram criados. Seu uso depende muito de nós mesmos.
Nós os educadores, somos artesãos privilegiados da construção do tecido social e temos, portanto, nessa linha da insurgência, uma batalha a travar:a)pela valorização e fortalecimento do nosso território de trabalho. A iniciativa do Fórum EJA (Fórum de Educadores de Jovens e Adultos)é, nesse sentido, um gesto muito significativo;
b)pela geração de nossas competências específicas: não é qualquer pedagogia que poderá ajudar na eficácia de nosso desempenho. Mas já temos pontos de partida - a vida de Dr. Paulo (Freire)não foi em vão -, acumulados e sensibilidades. Sem dúvida, precisamos exigir mais de nós mesmos enquanto profissionais porque a tarefa não é simples;
c)pela produção de uma outra democracia onde o poder não está divorciado do nosso cotidiano. Temos as salas de aula, os movimentos comunitários, as nossas organizações para exercitar outra qualidade de relações onde os que participam contem nas decisões a serem tomadas e a diferença seja desejada e não tolerada;
d)pela instauração ou resgate de valores que possam realizar a convivência humana de modo responsável, solidário, celebrante da vida, restabelecendo a humanidade;
e)pela construção de alianças porque mais do que nunca, a um desafio global não se pode responder de modo isolado, solitário. Não há uma cruzada contra o Estado: queremos é reivindicar mais e melhor de suas políticas, tanto quanto a sociedade que ele gerencia merece.
E toda essa luta, sabemos, será feita em condições adversas. É por isso que ela é insurgente.
mudança social, educação popular, educação
, Brasil, Rio de Janeiro
Estimular o registro e a sistematização de experiências pedagógicas
Texto elaborado por ocasião do primeiro aniversário do Fórum EJA (Educação de Jovens e Adultos do Rio de Janeiro). Aída faz parte da equipe do SAPÉ, integra os Coletivos de Educadores de Jovens e Adultos de Pernambuco e do Rio de Janeiro e também faz parte do GREPE-Grupo de Estudos e Pesquisas.
Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.
Texto original
SAPÉ (Serviços de Apoio à Pesquisa em Educaçào) - Rua Evaristo da Veiga, 16 SL 1601, CEP 20031-040 Rio de Janeiro/RJ, BRESIL - Tel 19 55 21 220 45 80 - Fax 55 21 220 16 16 - Brasil - sape (@) alternex.com.br