Para que um processo de alfabetização de adultos seja vivido com maior possibilidade de sucesso é preciso expor os alunos, o máximo possível, a textos e portadores de textos que lhes permitam interagir e formular alguns questionamentos sobre o seu sentido e o funcionamento.
A idéia de que letras e sílabas, isoladamente, contribuem para o processo de aprendizagem da língua, não funciona muito hoje, já que no dia-a-dia não existe nenhum tipo de texto escrito somente a partir de uma consoante e algumas vogais como, por exemplo, "Eva lava a lata e a leva lá". Este tipo de texto não possui muito significado para os alunos e não os ajuda no seu processo de construção da leitura e da escrita. Além disso, ler não é um simples decodificar das letras. Ao contrário, pensamos que o sentido de cada texto está, também, no seu portador e na própria situação de leitura. Desta forma, antecipamos o sentido de uma matéria escrita no jornal ao ver a foto que a ilustra e/ou associando-a a uma notícia que ouvimos no rádio ou vimos na TV. Quando recebemos uma carta, muitas vezes, podemos advinhar-lhe o conteúdo mesmo antes de ler, do mesmo modo que podemos prever de antemão o conteúdo do escrito de uma caixa de sabão em pó que estamos acostumados a usar. O importante é trabalhar o texto em relação ao seu uso e função e não como pretexto.
A subjetividade, a intenção, a interação, a comunicação, entre outras, transcendem o decodificar das letras para um outro nível de compreensão e descoberta.
Também está superada a idéia de que aprender a ler e a escrever tem um momento certo para começar: a classe de alfabetização. Esse processo começa desde que nascemos. Podemos dizer que é um processo sócio-histórico que entrelaça língua escrita e cultura, e que está diretamente ligado às práticas de leitura e escrita do grupo ao qual o indivíduo está inserido, bem como sua difusão e valor social. A alfabetização, que fazemos na escola, é apenas um momento desse processo.
Vivemos numa sociedade onde a palavra escrita é a referência; e a constante exposição a variados textos que somos submetidos no dia-a-dia faz com que cada um de nós, desde pequeno, comece a interagir com eles e, desta forma, tentar adivinhar-lhes o sentido e a função. No decorrer da vida, as interações são cada vez mais freqüêntes e necessárias, principalmente numa cidade grande. Assim sendo, o curso de alfabetização resgata, sistematiza e aprofunda essas experiências tornando-as conseqüentes na vida diária e possibilitando aos indivíduos maior competência enquanto leitores.
Para que o resultado seja ainda melhor é importante envolver o aluno, sempre que possível, no seu processo de construção desse conhecimento, mostrando-lhe, o tempo todo, que sua experiência anterior vai ser decisiva nesta etapa. Ou seja, quem já esteve exposto a textos e se interessou por descobrir seu funcionamento vai ter menos dificuldade do que aqueles que nunca tentaram reconhecer uma mensagem escrita, seja ela o letreiro de um ônibus, um cartaz de supermercado, uma lista de preços, cartas, receitas ou uma poesia.
Se o aluno até o momento em que entra para o curso de alfabetização não estava atento aos textos do cotidiano ou viveu um tipo de vida onde essa interação não era necessária, precisamos incentivá-lo a se interessar por eles.
É muito importante que o aluno se responsabilize por parte do seu desempenho, não só pela experiência anterior que pode trazer, mas por sua freqüência, interesse e participação nas aulas. Queremos que ele saiba que pode e deve contar com o professor, mas que depende dele, em grande parte, o seu sucesso. Daí, uma das razões porque trabalhamos no sentido de promover a autonomia, redimensionar a auto-estima e reconstruir a identidade de cada um e do grupo.
Para que nossa prática, enquanto alfabetizadores de adultos, seja realmente conseqüente, precisamos repensar o tipo de relação professor/aluno que tem vigorado até então nas escolas. Para que o poder, que por tradição, tem pertencido unicamente ao primeiro, passe a ser socializado pelo conjunto das pessoas envolvidas no processo educativo.
Um alfabetizador de adultos que tem em mente essas questões tem maior condição de tornar o processo de alfabetização um momento menos sofrido e mais coerente com a realidade daqueles que buscam construir sua história de leitor.
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, Brasil, Rio de Janeiro
Estimular o registro e a sistematização de experiências pedagógicas
Estou tratando a alfabetização de adultos neste texto, somente por um dos seus múltiplos lados: a aquisição da leitura relacionada ao alfabeto e à produção de sentidos.
Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.
Texto original
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