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Quando perco um aluno para o narcotráfico me seinto uma droga

Maria do Socorro Martins CALHÁU

07 / 1996

Atualmente, enquanto alfabetizadora de adultos, uma das piores sensações que tenho experimentado é a perda de alunos para tráfico de drogas. Será que nós professores estamos preparados para lidar com esta situação que a cada dia vai invadindo a nossa sala de aula? Eu não estou.

Começa, quase sempre igual. A queixa pelo emprego perdido, a espera do seguro desemprego, a esperança de tudo se ajeitar.

Passam-se um, dois, três meses, o desencanto vai tomando conta, o nervosismo, as dívidas a falta às aulas. Até que um belo dia, depois de uma ou duas semanas sumido da escola, ele aparece. Apesar das roupas novas e do tênis de marca ele se mostra tímido, um tanto envergonhado, meio gago: - Arranjei um trabalho na favela.

Estas justificativas soam como uma sinistra senha que significa que ele entrou para o narcotráfico. Alguns, mais corajosos, afirmam sem me olhar nos olhos: - Entrei pro movimento.

Estranha palavra, com tantos significados. É mesmo um movimento, no sentido perverso da palavra. Movimento contra a felicidade, contra a liberdade, contra a vida, enfim. Mais um movimento de extermínio.

É impressionante a transformação pela qual ele passa. Começa a faltar às aulas. Se comporta de forma estranha, não olha mais de frente, não se relaciona com o resto do grupo da mesma forma amiga que se relacionava antes. Fica fugidio, escorregadio, como se estivesse contaminado por alguma doença incurável e quisesse nos poupar, nos proteger.

Ao final de trinta ou quarenta dias, novo comunicado: - Vou ter que sair da escola porque os caras tão atrás de mim. Só vim me despedir. Sujou e os cara tão achando que dedurei eles.

O final é quase sempre o mesmo. Ele some e ficamos sem saber se conseguiu se salvar, se morreu, se voltou para o nordeste. A cada ano que passa esta história se repete e raros são os casos em que o aluno retorna.

Eu fico sempre tomada por sentimentos confusos. Um misto de impotência com revolta. Nestas ocasiões eu também fico me sentindo um pouco contaminada, também fico um pouco fugidia. Me sinto uma droga.

Palavras-chave

educação popular, educação


, Brasil, Rio de Janeiro

Notas

Socorro é alfabetizadora no curso noturno do Colégio Santo Inácio.

Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.

Fonte

Texto original

SAPÉ (Serviços de Apoio à Pesquisa em Educaçào) - Rua Evaristo da Veiga, 16 SL 1601, CEP 20031-040 Rio de Janeiro/RJ, BRESIL - Tel 19 55 21 220 45 80 - Fax 55 21 220 16 16 - Brasil - sape (@) alternex.com.br

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