Adriano Canci, Clístenes Antônio Guadagnin, Cristina Mayumi Ide Guadagnin, Antonio Moreira
07 / 2010
Antecedentes
A partir do desenvolvimento do projeto Microbacias 2 MB-2 com a elaboração dos Planos de Desenvolvimento das Microbacias Hidrográficas /PDMH. Em Guaraciaba foram realizados diagnósticos no ano de 2005, que revelaram dados alarmantes sobre o elevado percentual de famílias de agricultores(as) que não mais cultivavam em suas propriedades o alimento que consumiam Através de observações informais, resultados semelhantes foram verificados em outros municípios da região do Extremo Oeste Catarinense. Apesar disso, Canci et al. (2004) constataram que a diversidade genética existente entre as 34 principais espécies vegetais crioulas cultivadas para a alimentação pelas próprias famílias rurais em Anchieta-SC, incluía mais de 200 variedades locais diferentes, ainda mantidas pelos agricultores(as) familiares. Essas variedades são conservadas por apresentarem sabor especial, agradável ao paladar, por tradição mantida ao longo do tempo, por herança repassada através de gerações, para reduzir os custos de manutenção da propriedade. Por não serem transgênicas e serem saudáveis devido ao modo como são produzidas.
Kit Diversidade – o que é?
O kit diversidade representa um conjunto de idéias e práticas que promove o debate para tomadas de atitudes e decisões como o resgate, conservação, uso e manejo da agrobiodiversidade. Envolve agroecologia, autosuficiência na produção de alimentos pelos agricultores, soberania alimentar e inclusive o resgate da auto-estima dos agricultores.
É uma caixa com pacotes de sementes de diferentes espécies e variedades locais produzidas e distribuídas entre agricultores(as). Nesse sentido o kit é formado por sementes tradicionalmente mantidas pelas famílias em suas propriedades. Pode eventualmente conter variedades melhoradas não híbridas e não transgênicas. A caixa em si é algo concreto que pode ser tocado, um símbolo da produção de alimentos para autoconsumo.
Nesse sentido, um dos objetivos do kit diversidade é estimular a produção de alimentos para autoconsumo. Além disso, o kit serve como ferramenta para discutir a segurança e soberania alimentar, a valorização da região e o desenvolvimento sustentável.
A produção de alimentos livres de agrotóxicos contribui para a melhoria da saúde das pessoas e do ambiente. O cultivo de diferentes espécies vegetais e cultivares manejadas pelos agricultores é essencial para a conservação e ampliação da agrobiodiversidade e favorece a preservação do equilíbrio natural entre os inimigos naturais e os agentes causadores de danos às culturas.
Como o kit pode eventualmente conter espécies e variedades diferentes daquelas já cultivadas anteriormente, é importante estimular as famílias a permanecerem com seus cultivos preferidos e plantados há vários anos. A distribuição e troca de sementes entre as famílias serve também de estímulo à manutenção e ampliação das relações sociais existentes nas comunidades. Desse modo favorecendo a disseminação dos conhecimentos e saberes relacionados ao cultivo, conservação, época de plantio, cuidados e tratos culturais, conservação e aproveitamento desses produtos. O aspecto econômico também é importante, pois quando as famílias produzem o próprio alimento, proporciona uma melhoria da renda através da redução de custos da compra de alimentos, cuja origem e qualidade muitas vezes são desconhecidas. A aplicação do kit diversidade pode acontecer tanto no meio rural como no espaço urbano onde se destacam preferencialmente as hortaliças, as plantas frutíferas nativas.
A origem da idéia
A idéia do trabalho com o kit surgiu a partir da constituição da Associação de Desenvolvimento da Microbacia Hidrográfica /ADM Rio Flores, no ano de 2004, com 145 famílias associadas. A eleição da primeira Diretoria desta ADM também fez parte das etapas iniciais para o desenvolvimento das ações no projeto MB2, que iniciou com a identificação do Grupo de Animação das Microbacias /GAM, formado por lideranças das comunidades locais. Cada ADM é formada em média por 120 famílias de uma ou mais comunidades rurais. Ainda naquele ano houve a elaboração do Plano de Desenvolvimento da Microbacia Hidrográfica /PDMH. O plano teve a facilitação dos extensionistas da Epagri, que a partir deste período, tiveram o projeto MB2 como o principal agente fomentador das políticas públicas para o desenvolvimento das atividades de extensão e pesquisa em Santa Catarina. O PDMH foi desenvolvido através de metodologias participativas que diagnosticaram, entre outros elementos, as prioridades das famílias dos agricultores. O plano contemplou aspectos ambientais, sociais e econômicos objetivando a melhoria da qualidade de vida das famílias rurais. Os trabalhos envolveram inicialmente as famílias das comunidades Linha São Roque, Linha Tigre e Linha Perondi. As duas primeiras ações priorizadas pela microbacia Rio Flores foram: a) produção de alimentos para subsistência, sugerida pela agricultora Iracema do Carmo Weimann e que evoluiu para o conceito de alimentação para autoconsumo; b) redução do uso de agrotóxicos.
No ano de 2005, o técnico facilitador contratado pelo Projeto MB2, Adriano Canci, e os agricultores da ADM Rio Flores Leonildo Schmitz e ADM Lajeado Ouro Verde, Orlando Wildner participaram de um Curso de Agrobiodiversidade, promovido pelo Núcleo de Estudos em Agrobiodiversidade/NEABio da Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Neste evento o pesquisador Bhuwon Sthapit do Instituto Internacional de Recursos Genéticos Vegetais (IPGRI), situado no Nepal (Ásia), relatou uma estratégia de multiplicação de sementes desenvolvida naquele país. De maneira criativa, esta idéia foi adaptada às prioridades e ações propostas no PMDH e serviu de referência para a associação local implementar o kit diversidade. O relato do pesquisador estava em consonância com o planejamento elaborado anteriormente pelas famílias da ADM e o grupo decidiu utilizar o mesmo nome adotado no Nepal, kit diversidade. Este é um nome fantasia, um sinônimo de produção de alimento para autoconsumo.
Objetivos
O objetivo principal do trabalho kit diversidade é a produção de alimentos para autoconsumo. Essa ação foi definida como primeira prioridade do PDMH da ADM Rio Flores no tema melhoria da renda. Associaram-se as ações do kit a produção de alimentos sem o uso de agrotóxicos, a primeira prioridade eleita para ser trabalhada na área ambiental. Aliada a essas, se incorporou a necessidade da redução de custos, especialmente da cesta básica das famílias, também como uma prioridade definida no plano dessa microbacia.
O desenvolvimento e a implementação da idéia do kit diversidade nas comunidades incorporou a estes objetivos, outros elementos também de caráter subjetivo como o prazer das famílias em produzir o próprio alimento e serem mais felizes. A figura do pai e da mãe colhendo um alimento sem veneno para a família remete à valorização dos aspectos culturais mantidos pelas comunidades ao longo do tempo e reforça o capital social existente nas comunidades locais. A melhoria da dieta alimentar, das condições de saúde e de bem-estar das famílias associadas ao projeto MB2 está diretamente relacionada com a conscientização da necessidade de redução ou mesmo eliminação do uso de agrotóxicos na produção de alimentos. O direito das famílias de protegerem sua produção e cultura alimentar, com a garantia do consumo de alimentos saudáveis promovem a verdadeira segurança e soberania alimentar.
A facilidade de acesso a variedades locais pelos agricultores aumenta o número de espécies e variedades cultivadas e conserva as existentes. Possibilita a troca solidária de sementes entre as comunidades locais e contribui para a conservação da biodiversidade. As ações desenvolvidas no projeto MB2 permitiram aprimorar os estudos, a pesquisa, extensão e aprendizagem participativa conjuntamente entre as famílias de agricultores, técnicos, extensionistas, pesquisadores, professores, estudantes e entidades parceiras.
Entre as iniciativas da pesquisa participativa, destacou-se o trabalho desenvolvido com variedades locais de arroz sequeiro, espécie símbolo do kit em função da sua importância alimentar como prato principal, junto com o feijão e seu abandono, como foi mostrado na Tabela 1. Do mesmo modo, a proposta do kit diversidade em consonância com as demais ações realizadas nas microbacias possibilita avançar em busca da sustentabilidade através de processos de transição agroecológica e da independência dos agricultores(as).
consumação, biodiversidade, planificação, semente
, Brasil
Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil
Bibliografia
CANCI, A.; VOGT, G.A.; CANCI, I.J. A diversidade das espécies crioulas em Anchieta – SC. Diagnóstico, resultados de pesquisa e outros apontamentos para a conservação da agrobiodiversidade. São Miguel do Oeste, SC: McLee, 2004. 112p.