12 / 2005
Apresentação geral
Uma metrópole multipolar
Situada no Norte da França, a metrópole de Lille é a capital de uma das primeiras regiões do país. É uma metrópole multipolar que apresenta 1,66 milhões de habitantes, com uma parte do outro lado da fronteira com a Bélgica, em segunda posição em número de habitantes depois de Paris.
A história urbana dessa metrópole está ligada intimamente à expansão da indústria têxtil em 1950. Duas outras grandes cidades-centro, Roubaix e Tourcoing, e mais recentemente a nova cidade de Villeneuve d’Asq, se desenvolveram também sobre essa base.
Uma zona de emprego importante
O “arrondissement” de Lille (1) é uma zona em que se empregam muitos trabalhadores (470 mil empregos em 1999). Há três categorias sócio-profissionais entre 80% deles, assim divididas:
• 30% são empregados
• 25% têm uma profissão intermediária
• 25% são operários
O paradoxo é que as cidades-centro, que representam 50% dos empregos, concentram também um número expressivo de desempregados.
Uma metrópole européia dinâmica
A metrópole tem trunfos e fatores de desenvolvimento incontestáveis: a sua situação geográfica excepcional no Norte da Europa, modos de comunicação e de transporte eficientes, particularmente graças às suas redes rodoviária e ferroviária (TGV (2) / Eurostar (3)) e também as suas duas linhas de metrô.
A metrópole tem uma posição econômica forte em relação aos outros territórios da região, tanto no campo terciário quanto industrial, apoiado num setor universitário bem desenvolvido.
Reagrupa uma ampla parte dos setores dinâmicos e dos empregos qualificados da região. Essa situação global oculta realidades diferentes num território metropolitano que sofre com as crises sucessivas dos grandes setores industriais tradicionais (particularmente o têxtil, a mecânica e a construção).
Uma metrópole marcada pelas desigualdades sociais
Ao mesmo tempo, a metrópole é marcada por situações sociais críticas. Ao olhar o conjunto da região, verificamos as profundas desigualdades entre os territórios infra-comunitários e seus habitantes, apesar dos esforços que vem sendo realizados há vinte anos, por meio de diferentes políticas públicas de desenvolvimento social e urbano.
Os bairros sensíveis e as habitações relegadas
A metrópole de Lille apresenta fenômenos de segregação e de “elitização” bem visíveis.
Além do corte que aparece claramente com o advento da crise da indústria têxtil entre Roubaix–Tourcoing, chamada “vertente nordeste”, e a “vertente sul”, em torno de Lille e Villeneuve d’Asq, existem disparidades ainda mais importantes nestes setores.
Entre os bairros centrais, nas cidades, e os das periferias operárias, dos grandes conjuntos. As desigualdades estigmatizam certos setores, e esta imagem ruim incita as populações “abastadas” a partirem para os setores dinâmicos das periferias ou dos centros das cidades.
O processo de metropolização e de revitalização urbana baseado na lei dos mercados dinamiza a aglomeração.
Este desenvolvimento é louvável para o restabelecimento socioeconômico, mas também pode ser devastador, porque não deixa nenhum espaço para as famílias mais pobres.
Assim, o bairro histórico Vieux Lille foi esvaziado das populações de baixa renda e virou um setor cobiçado. O mesmo fenômeno começou em Wazemmes, no bairro de Moulins, desde a implementação da Faculdade de Direito, e mais recentemente no bairro de Fives.
A evolução dos preços dos imóveis nesse bairro oscilou entre + 30% e 40% nos dois últimos anos (4), isso tem uma conseqüência direta sobre a oferta privada de moradia social. Assim, 52% das famílias que procuram uma habitação e que participam da Oficina Moradia do bairro (atividade organizada pelo PACT) não têm moradia (45% alojadas, 7% moradores de rua) (5).
A leitura cartográfica das áreas do mercado das habitações antigas (6) e dos níveis de preço médios da casa individual de tipo 4 (de 70 a 90 m²) é particularmente significativa. Encontram-se:
Uma área do mercado de luxo no centro de Lille, La Madeleine, Marcq em Baroeul, Mouvaux, assim como o eixo da grande avenida até o setor do parque Barbieux em Roubaix, com um preço médio de 114 a 230 mil euros. Essa área passa pelo famoso triângulo de ouro “BMW” (Bondues, Marcq en Baroeul, Wasquehal), onde se concentram as mais importantes fortunas de França.
Uma área do setor muito atraente de um lado e do outro do eixo Lille-Roubaix-Tourcoing, que compreende as cidades do núcleo central como Lambersart, Bondues e Villeneuve d’Asq. Abrange a zona rural periférica até Bouvines e Baisieux de um lado e Bousbecque do outro, com um preço médio de 106 a 168 mil euros.
Em baixo da escada estão os setores em mutação incerta, excluídos da dinâmica. São os bairros de Roubaix e os bairros de Tourcoing ao Norte, e um crescente de Mons em Baroeul, Fives e o sul de Lille até o bairro do Pântano de Lomme, com um preço médio de 68 a 137 mil euros e de 61 a 137 mil euros.
A segregação social é impressionante, classes sociais vivem lado a lado mas cada uma em setores bem específicos.
As mazelas sociais estão concentradas no bairro Nouveau Mons, por exemplo, que forma um cinturão estigmatizado, que não é freqüentado pelos habitantes do Vieux Mons e os do setor elitizado, de Croisé Laroche. Esses dois mundos se ignoram completamente.
Os bairros sensíveis e as habitações relegadas
Nos bairros sensíveis estão concentradas as dificuldades.
A miséria social se exprime sob a forma de desemprego em massa, problemas de moradia, de educação, de saúde, de drogas, de violência, etc.
São bairros com grandes loteamentos, antigas ZUP (7) (as mais famosas são Lille Sul e o bairro Bourgogne em Tourcoing), e também os antigos bairros industriais.
Estas antigas periferias industriais carregam a herança do passado, apresentam alto nível de habitações degradadas, desconfortáveis (Alma e Guinguette em Roubaix – Wazemmes, Moulins e Fives em Lille) e concentram as populações em dificuldade.
Em face da pressão do mercado e da falta de moradia popular, proprietários sem escrúpulos, chamados de “mercadores do sono”, aproveitam-se da situação para arrendar verdadeiros pardieiros, por um preço muito alto, às famílias humildes.
A moradia popular típica é chamada de moradia de courée (8). Nas 36 cidades da Área Metropolitana de Lille (LMCU), foram recenseadas 1.482 courées, equivalentes a 12.194 habitações. Desde 1992, a metrópole de Lille desenvolve um programa para preservar as courées para melhorar as condições de vida dos moradores.
A exclusão urbana
A exclusão urbana produz modos de habitação de extrema precariedade.
Os campings do Sul da metrópole acolhem permanentemente famílias em dificuldade social e financeira, excluídas da metrópole e dos dispositivos clássicos de realocação.
O acolhimento dos ciganos se limita atualmente a duzentas vagas para o estacionamento dos trailers enquanto as necessidades são estimadas em 1.600 vagas no arrondissement de Lille.
Esta situação obriga os ciganos a ocupar ilegalmente terrenos e serem expulsos pelos policiais alguns dias depois (!), quando voltam a procurar um novo espaço para se estabelecerem.
A questão dos refugiados
Volta e meia a imprensa destaca a presença de grupos de refugiados em terrenos desocupados ou em favelas. São pessoas sem direitos, que não têm ocupação, que moram em condições de extrema precariedade. São refugiados nômades que erram no espaço Schengen, alguns virando verdadeiros apátridas.
A fratura social
A fratura social é um fato. O desenvolvimento urbano não beneficia a todos e a metropolização, com o jogo do mercado, reforça a exclusão dos mais pobres e estigmatiza certos bairros.
No campo da moradia, nas 87 cidades da Comunidade Urbana de Lille, 23 não dispõem hoje dos 20% de habitações sociais regulamentares, conforme a Lei de Solidariedade e de Revitalização urbana.
A maioria dessas cidades prefere pagar uma multa de 152 euros por cada habitação faltante: do total de 856 mil euros, a metrópole reverte às cidades uma indenização e com isso compensa o equivalente a 56% da penalidade, sob o pretexto de não incomodar as cidades.
A extensão das dificuldades sociais associada à pós-industrialização é catastrófica, todas as políticas da cidade foram testadas sem jamais conseguirem reverter esse desequilíbrio inaceitável.
A solução elaborada em Lille se chama “Cidade Renovada”. O seu objetivo político, inscrito no Plano Diretor de 1997, é “reverter a degradação econômica, social e urbana de vários grandes setores da metrópole”.
Iniciada no ano de 1994 em Roubaix e Tourcoing, a renovação urbana abrange hoje os bairros sensíveis de Lille. Na metrópole de Lille, um habitante em cada cinco (200 mil pessoas em cada milhão) mora nos vinte bairros de Hem, Lille, Roubaix, Tourcoing e Wattrelos escolhidos entre duzentos para o “ Grande Projeto de Cidade” (9) da França.
Esse projeto visa a re-inserção de certos bairros, através de uma política voluntária de luta contra as segregações, de reconquista do espaço urbano e de reestrutura urbana.
Por meio de uma intervenção publica massiva, o objetivo é recriar uma atratividade que permita recolocar esses territórios excluídos no mercado imobiliário. Assim, em Roubaix, o centro da cidade era abandonado e desqualificado. Ganhou uma imagem positiva e uma vitalidade econômica recuperando particularmente os 30 mil m2 quadrados de superfície comercial perdidos durante os últimos 25 anos.
Os projetos do “Grande Projeto de Cidade” acabam de ser reciclados na lógica da Lei de Orientação e de Programação para a Cidade e Revitalização Urbana. É uma mudança radical, em ruptura com a política da cidade, que não permitia um tratamento exclusivamente urbanístico e queria a participação dos seus habitantes. A revitalização urbana segundo essa nova lógica visa a reintegração permanente dos bairros no mercado normal da cidade e ignora a dimensão social.
A Cidade de Lille se comprometeu com um projeto de demolição-reconstrução de trezentas habitações sociais no sul do município.
Esse projeto não foi elaborado com a participação dos habitantes. Muitas famílias vão ser deslocadas para lugares “associados”, quer dizer, para bairros populares já enfraquecidos.
Esse projeto de revitalização urbana possui também uma item chamado “moradia antiga”, que prevê liberar uma nova oferta fundiária através da demolição das habitações relegadas, mas sem prever nada para as famílias que moram lá.
Esse importante programa vai de fato chegar a uma diminuição da oferta de moradia social acessível às famílias de baixa renda, pois as reconstruções privilegiam as Habitações de Aluguel Moderado de alto padrão, os programas residenciais privados e o acesso à propriedade para os mais ricos.
O número de pessoas que procuram uma moradia vai aumentar, enquanto hoje 35 mil demandas de HLM32 não são satisfeitas, 20 mil emanando de famílias pobres.
Do outro lado, o deslocamento e o tratamento social das famílias vai agravar a dependência social e provocar a perda de suas redes e de seus marcos espaciais.
Uma política participativa poderia, ao contrário, ser fator de uma transformação social.
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, Franca, Lille
O movimento social e a luta pela moradia popular na França e no Brasil
Exclusion et fragmentation urbaine
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