02 / 1993
João, Gilberto, Maria de Lourdes, Jovelina, Conceição, Maria são algumas das inúmeras pessoas que deixaram sua terra e seus familiares no interior do país a caiminho das grandes cidades em busca de melhores condições de vida.
Pensavam eles, ao saírem de seus locais de origem, no que a cidade grande poderia lhes oferecer para melhorarem suas vidas: emprego, alimentação, moradia e quem sabe, estudo.
No entanto, em suas expectativas não estava incluído o impacto cultural que uma mudança desse tipo acarreta. Um dos elementos desse choque é o olhar da sociedade urbana para essas pessoas, na maioria das vezes, discriminador, reforçando o preconceito ao usar nomes pejorativos como:o paraíba ou o baiano para identificar os nordestinos.
Outro aspecto que dificulta a transição de uma cultura para outra é o sentimento de negação vivido por essas pessoas. Seus conhecimentos e saberes não são valorizados e eles estão, de fato, despreparados para responder à exigência da cultura letrada predominante na cidade. A conseqüência é um processo de desvalorização, de baixa-estima, e a sua inserção no mercado de subempregos: faxineiros, empregadas domésticas, operários da construção civil. São justamente essas pessoas que procuram o curso de alfabetização, movidos por uma urgência em aprender, algumas vezes, não correspondida por uma série de condições necessárias à aprendizagem.
Essas observações, que resultam do nosso esforço em entender que aluno é esse, são reforçadas pelas possibilidades de mudança e de enriquecimento, sempre presentes em nossas vidas, que independem de idade. A concepçõ do homem como um ser inacabado, faz com que o aprendizado seja uma condição permanente na nossa existência. Isso nos ajudou a implementar uma proposta de alfabetização de adultos que entende a leitura e a escrita como uma forma entre outras de expressar pensamentos e sentimentos. Neste sentido, seu desenvolvimento acontece dentro do conjunto de possibilidades de expressão do ser humano.
Nossos alunos, experiências, saberes e riquezas acumuladas no decorrer de suas vidas. Essa cultura de origem é tomada na nossa proposta como matéria prima no processo de construção da identidade dessas pessoas. Ao sentirem sua cultura de origem reconhecida, valorizada, e também presente como recurso no processo de alfabetização, os alunos encontram aí um espaço de afirmação de sua individualidade e se fortalecem para enfrentar as situações desafiantes da cidade.
Expressar todo esse universo da sua cultura, nas múltiplas manifestações possibilitadas pelo uso das diversas linguagens expressivas - desenho, modelagem, dramatização, música, dança, poesia, etc - é mais um elemento de nossa proposta.
Trabalhar com o barro: usar pincéis e tintas para representar fatos significativos; desenhar seu auto-retrato; preparar cartazes e decorar o ambiente da festa junina; misturar realidade e fantasia ao manipular um fantoche; criar versos de amor; são maneiras de descobrir e exercitar a capacidade de ser autor.
Para nós esse exercício da autoria é fundamental na construção da leitura e escrita. É a partir dele que os alunos vão se tornando confiantes e descobrem que podem ser autores das suas frases, versos, textos e histórias.
A implementação de uma proposta fundada nesses elementos vai pouco a pouco revelando a existência de uma outra qualidade de relações no interior do grupo de alunos. Considerados e valorizados na sua individualidade, essas pessoas tendem a formar um coletivo mais consistente. A afetividade, opertencimento ao grupo, se constróem a partir de um movimento interno e não por uma determinação externa, disciplinar.
Tudo isso pode ser percebido na comemoração dos festejos juninos. Desde a preparação até a realização da festa, a turma se envolve nos mínimos detalhes: escolha do repertório musical, seleção e preparo dos pratos típicos, ensaios da quadrilha e do casamento, confecção e distribuição dos convites.
A realização dessa festa expressa sinteticamente, os princípios da nossa proposta, além de proporcionar aos alunos o prazer de compartilhar sua alegria com seus familiares e amigos.
educación popular, alfabetización, identidad cultural
, Brasil, Rio de Janeiro
Cleide é integrante da equipedo SAPÉ e dos Coletivos de Educadores do Rio e de Pernambuco.
Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.
Texto original
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