Extensão e Aprendizagem (PEAP) no Projeto Microbacias 2 de Santa Catarina.
07 / 2010
Este artigo objetiva valorizar a experiência com emergência da preocupação em reconhecer biodiversidade das sementes, de forma coletiva, pelos agricultores familiares de Guaraciaba (SC), a partir dos processos de Pesquisa-Extensão e Aprendizagem Participativa – PEAP presentes na implementação do Projeto Microbacia 2- MB2, desenvolvido pela Empresa de Pesquisa e Extensão Rural do Estado de Santa Catarina – EPAGRI (1) Reflexão do papel estratégico de construção do conhecimento sob abordagem da aprendizagem participativa exercitando diálogo entre saber científico e saber tradicional. Repercussões sociais e políticas destes iniciais desenhos experienciais de pesquisa participativa arquitetados entre técnicos de pesquisa, extensão e agricultores e, desencadeamento do fortalecimento de movimentos de emancipação e autonomia das comunidades rurais.
Pesquisa-Extensão e Aprendizagem Participativa desenvolvem experiências na realidade rural.
No meio rural catarinense o Governo de Estado por meio da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), incentiva um exemplo de estratégia de implementação de métodos participativos nas ações de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento através do Projeto Microbacias 2 (MB2), oficialmente denominado de “Projeto de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno Produtor Rural” (PRAPEM), que entre suas diretrizes contempla o Componente Pesquisa e Estudos o qual tem reforçado a necessidade da participação nas ações de desenvolvimento.
Este componente Pesquisa e Estudos / MB2 / EPAGRI se consolida no processo de Pesquisa-Extensão e Aprendizagem Participativa (PEAP) que envolve inicialmente a capacitação de equipes interinstitucionais e a implementação de 10 experiências-piloto (a). Cada experiência percorreu um caminho operacional próprio e envolveu de forma intrínseca a participação.
Métodos participativos tem sido sugeridos e implementados nas instituições de pesquisa científica a exemplo do Centro de Pesquisa Internacional de Agricultura Tropical (CIAT – Colômbia); Centro Internacional da Batata (CIP – Peru); Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMTY – México); Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz (IRRI – Filipinas); Instituições Nacionais e Estaduais de Pesquisa e Extensão como Embrapa e Epagri. Entretanto, verifica se baixa adoção entre os agricultores familiares, das tecnologias geradas nestes centros experimentais. Existe um vazio significativo de comunicação entre pesquisadores, extensionistas e agricultores.
Nos projetos de pesquisa tradicionais, os agricultores assumem poucas responsabilidades e tem uma participação mais passiva. Em outros projetos a participação tem evoluído para o tipo consultivo (ou “por demanda”), por incentivo ou funcional. Entretanto, estudos (Chambers et alli, 1989; Scoones & Thompson, 1994; Pinheiro, 1998; Ilson & Russell, 2000) indicam que estas experiências não tem apresentado diferenças significativas. Prevalecendo a visão de controle e as intervenções externas para alcançar objetivos pré-determinados.
O Projeto MB2 / PEAP propõe principalmente a participação interativa porque é a partir deste nível que se mudam (de forma significativa) tanto o paradigma quanto as relações de poder e responsabilidade entre técnicos e agricultores. Isto tem sido evidenciado por trabalhos como os de Reason & Heron (1986), Checkland (1989), Bawden (1992), Ison (1992), Pretty (1994); Maturana e Varela (1995), Maturana, (2001) e Vasconsellos (2002), os quais reforçam que a construção do conhecimento inclui tanto as dimensões objetivas quanto as subjetivas. Neste contexto, metodologias científicas de pesquisas participativas interativas e qualitativas baseadas no diálogo e na comunicação têm complementado pesquisas qualitativas no sentido de melhor entender as razões e as emoções que estimulam certas escolhas e preferências de diferentes contextos e categorias sociais. No processo produtivo agrícola a subjetividade é dimensão de influência nas tomadas de decisões (FARIAS, 1999). Estas experiências evidenciam que pesquisas qualitativas e quantitativas (GASKELL, 2003. 64-89 p.), embora diferentes, são complementares (não excludentes), esta complementaridade fortalece as capacidades locais de inovação e construção social de conhecimentos em articulações e interação com outros parceiros.
Um olhar sobre a experiência de Guaraciaba (SC) - Valorização de Biodiversidade - possibilidade a partir dos Processos de Pesquisa - Extensão e Aprendizagem (PEAP).
Os temas e produtos inicialmente investigados nas experiências-piloto foram apenas motivadores de cada processo, no sentido de fortalecer as comunidades rurais na construção social de conhecimento em parceria com outros atores. O desafio é oportunizar e desenvolver as capacidades locais de “aprender a aprender” (SENGE, 2007) e desta forma lidar com qualquer questão que possa limitar a possibilidade de desenvolvimento sustentável de um território.
Em Guaraciaba (SC), foram desenvolvidas várias experiências participativas de resgate do saber local envolvendo microbacias de Ouro Verde e Rio das flores sobre manejo de solos e produção de leite e alimentação para autoconsumo com base no saber local. Para pôr em prática esta proposta em 2005, a Associação de Desenvolvimento da Microbacia Rio das Flores promoveu ações através do “kit diversidade”. A razão do kit diversidade reside pelo fato do arroz formar junto com o feijão um prato típico e base da alimentação brasileira, além de se encontrar em franco desuso; motivos suficientes na comunidade rural para iniciar se trabalho de Pesquisa-Extensão e Aprendizagem Participativa sobre sementes de arroz sequeiro, milho, pipoca e feijão.
Na safra 2006/07 foi implantado ensaio avaliando 14 variedades de arroz, das quais 04 faziam parte do kit. Em 2007 abrangeu cinco microbacias (Rio das Flores, Lageado Ouro Verde, Lageado Ouro Verde II, Arroio Welter e São Vicente) totalizando um grupo de aproximadamente 440 famílias agricultoras trabalhadas com ação kit diversidade. Em 2008, mais variedades foram incorporadas, procedentes de outras microbacias da região e, em 2009, 19 variedades de arroz integravam os ensaios de pesquisa participativa. Mais recentemente em 2010, o desenvolvimento de ensaios com cerca de 80 variedades da cultura de mandioca (b).
As repercussões sociais e políticas destes desenhos experienciais de pesquisa participativa entre técnicos de pesquisa, extensão e agricultores, faculta e dinamiza o fortalecimento de emancipação e autonomia local. Manutenção da biodiversidade que se estabelece nas redes de relações sociais de troca, propagação e armazenamento das sementes, tornando se verdadeiros bancos “vivos” de sementes crioulas entre os agricultores na própria comunidade. O kit diversidade determina o fortalecimento dos processos de autonomia e não dependência diante de ameaças do capital e tecnologias globalizantes. Os agricultores tem em seu próprio paiol ou de seu vizinho, sem precisar comprar e, segurança alimentar para as pessoas e suas criações. Uma semente de cultivar que cresce adaptada ao ecossistema local, é mais resistente a pragas e doenças sem depender de insumos industriais sintéticos.
O papel estratégico de construção do conhecimento sob abordagem da aprendizagem participativa tem despertado o retorno do “olhar atento de observação” do próprio agricultor, o diálogo entre o saber local e saber científico a exemplo da experiência de Guaraciaba, aguça entre os agricultores sua competência de gerar e protagonizar conhecimento. Um desafio na importância de organizações de aprendizagem e inovação que ampliam os processos participativos. “Significa que os atores não têm a resposta doutrinariamente pronta e dependente apenas de força social e vontade política para levá-la adiante. Esta resposta é criada, caso a caso, como produto da interação social” (ABRAMOVAY, 2007. 13-14 p.).
Há um longo caminho a percorrer nas estratégias participativas para ampliarmos os horizontes de comunicação com a Sociedade Civil e, em especial com a realidade vivida pelos agricultores familiares excluídos dos processos do desenvolvimento rural.
biodiversity, research, apprenticeship, popular participation
, Brazil
Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil
Bibliografia
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