A condição juvenil na era da globalização
10 / 1998
Actualmente, é cada vez mais comum ouvir-se falar de globalização, das suas consequências e de como esta determinará uma "nova" condição humana. Luhman (1975)referiu-se à globalização como "uma realidade social que se estende, cada vez mais, às experiências quotidianas dos indivíduos", mas será que os indivíduos e, especialmente, alguns grupos sociais têm consciência da sua centralidade neste contexto?
De facto, a globalização tem-se constituído como processo de mudança em que os sujeitos se vêem ultrapassados, marginalizados, dominados por sentimentos de insegurança, desapropriação e desorientação. O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e o domínio das práticas económicas e políticas, fazem com que nos apercebamos que "o mundo está a mudar, mas que os acontecimentos que causam essa mudança nos ultrapassam e que esse processo está fora do nosso controlo".
Neste percurso de "hegemonia do sistema económico dominante na produção de símbolos culturais à escala mundial" (Lourenço ; 1994), vão crescendo as assimetrias, as desigualdades e a exclusão, sobretudo para alguns grupos sociais mais frágeis.
Um desses grupos é, sem dúvida, a juventude, a qual tem sido objecto de vários estudos e análises que permitem identificá-la como uma camada vulnerável aos impactos sucessivos das mudanças económicas.
A sua fragilidade tem-se revelado, principalmente, na transição para a idade adulta. Esta transição "é incerta, descontínua, flexível" e realiza-se "em contextos de constrangimentos variados", mas a marca preponderante é a "tendência para o alongamento da fase, consubstanciada no prolongamento das trajectórias escolares, no retardamento da entrada no mundo do trabalho e da idade de casamento".
O Estudo Nacional da Literacia em Portugal (Benavente ; 1996)revelou que 10
dos jovens entre os 15 e os 24 anos e 16
dos 25 aos 34 anos, têm insuficiências de competências de leitura, escrita e cálculo. Mas como, se a taxa de escolaridade tem vindo a aumentar? O estudo afirma que "a escola não tem condições de funcionamento, não adopta as estratégias pedagógicas e não estabelece as relações com os contextos sociais envolventes (...)em particular (das crianças)provenientes de meios sociais mais desprovidos de recursos económicos e de competências de literacia", ou seja, a escola avalia e selecciona aqueles que mais se aproximam da cultura e dos valores escolares e daqui nasce uma forma de exclusão. Por outro lado, os jovens são também excluídos quando o seu investimento académico não encontra resposta no mercado de trabalho ; se a escolarização é concebida como expectativa de mobilidade social, não são encontrados os "caminhos socialmente estruturados" para a satisfazer e daí decorre a frustração e a exclusão ; para comprovar este facto, será fácil pensar nas taxas de desemprego, de emprego precário, na desigualdade de oportunidades sociais e profissionais entre homens e mulheres com o mesmo capital escolar.
Contudo, não são apenas os factores económicos que afectam a juventude. Há, também, factores sociais, como as alterações dos papéis sociais no quadro da família, e culturais, como os novos padrões de consumo ou os diferentes padrões de sexualidade que têm vindo a conduzir a mudanças significativas nos processos de transição para a vida adulta, à "emergência de novos estilos de vida e aos ritos de passagem tradicionalmente a eles associados". Podemos observar como os jovens permanecem até mais tarde em casa dos pais ou, pelo menos, economicamente dependentes destes, como as formas de união se têm alterado ; poder-se-á afirmar que está a acontecer uma "desritualização das modalidades tradicionais de passagem para a vida adulta, com uma correspondente reversibilidade das trajectórias juvenis" (Pais ; 1997).
E qual o papel da educação neste processo?
A educação poderá ser o meio, no dizer de Giddens, que permitirá antecipar o futuro num tempo que é o quotidiano e num espaço que é a cidadania. Por outras palavras, a educação tem condições para mobilizar os jovens num processo de reflexão, auto-realização e intervenção que lhes permita compreender o mundo à sua volta e perspectivar o futuro. Aqui cabe um papel importante à Educação para o Desenvolvimento, porque esta poderá contribuir para conferir "um novo sentido às descontinuidades da experiência quotidiana dos jovens cidadãos". Como? Envolvendo os jovens num "processo de participação, de auto-aprendizagem" num dado território e num dado contexto social e cultural que "potencie a relação, com uma escala adequada à vida quotidiana, do sujeito com a comunidade, com a sociedade e com o mundo".
Não é possível fingir que tudo está bem, que a exclusão não existe ou que se está a trabalhar para que esta diminua ou desapareça. Todos os cidadãos, e os jovens em particular, têm que tomar consciência de que o seu futuro, a nível da comunidade, nacional ou internacional, exige a sua participação e a sua tomada de atitude consciente e construtiva. Neste contexto, a Educação para o Desenvolvimento poderá encontrar o seu campo de acção e de intervenção se, de facto, pretender que, na era da globalização, a sociedade caminha mais no sentido de desenvolver a capacidade de compreender em detrimento da simples acumulação de conhecimentos ou da atitude de mero utilizador ou consumidor ; deverá promover "a aprendizagem crítica, reflectida, quotidiana sobre o desenvolvimento alcançado para pensar o futuro a construir".
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