08 / 1993
Ambos os tratados representam grandes avanços. Entre eles, registra-se a responsabilizaçao do sistema sócio-econômico dominante, com o qual está articulado o modelo de desenvolvimento agrícola e que nao superou a fome no mundo, ao mesmo tempo que vem dilapidando os recursos naturais, baseado em uma lógica de produçao orientada pelo lucro. No Tratado de Agricultura Sustentável, afirma-se,ainda que a sustentabilidade se dá através de uma visao equitativa e participativa do desenvolvimento.
No entanto, os Tratados revelam alguns problemas que sugerem uma perspectiva ainda limitada e preconceituosa no trato com questoes reais. Um primeiro problema diz respeito à apologia da "autosuficiência alimentar". Tentar responder aos desafios da segurança alimentar com uma proposta de auto-abastecimento, ou seja, pressupondo uma capacidade de produçao que consiga suprir, ampla e diversamente, uma massa de consumidores, nao leva em conta diversos aspectos da realidade. Nao pode ser uma perspectiva nacional; nao considera as vocaçoes agrícolas do país ou regiao produtora(ditada por vários fatores, como o clima, a condiçao dos solos, etc.)e nega as tranformaçoes culturais que ocorrem, principalmente, nos grandes aglomerados urbanos.
O segundo problema, muito associado ao primeiro, refere-se à negaçao ideológica do mercado e, particularmente, do mercado internacional. Procura-se afirmar que a política orientada para o comércio internacional agrava a situaçao de (in)segurança alimentar. De fato, trata-se da continuaçao do raciocínio comentado antes. Nega-se o mercado, pois se acredita que ele pode ser dispensado. Ao lado disso, imputa-se ao mercado internacional parte de uma responsabilidade que ele nao tem. Pois, se em muitos casos, as exportaçoes de alimentos em um país recebem estímulos voltados para o objetivo de uma maior arrecadaçao de divisas, visando o pagamento da dívida externa, como é sempre citado no caso do Brasil, esquece-se que esta produçao se dirige para o exterior porque, obedecendo a lógica da acumulaçao capitalista, nao encontra mercado com poder aquisitivo suficiente em seu próprio país. Dirige-se, assim, para onde pode ser melhor remunerada. Com esta abordagem de simples rejeiçao à idéia de mercado, perde-se a oportunidade de atingir o âmago da questao da (in)segurança alimentar nos países em desenvolvimento, que é a extrema concentraçao da renda e o baixo poder aquisitivo da maior parte da populaçao.
Por fim, sobressai como também problemático o esquecimento do urbano, nos dois Tratados. Quando muito, existe uma referência sobre hortas caseiras como uma soluçao alternativa para a produçao de alimentos. Falta perceber que a sustentabilidade na agricultura também será garantida a partir de um determinado nível de consumo e com a consciência dos consumidores sobre a qualidade dos produtos, etc. E isto, no mundo moderno, localiza-se nos espaços urbanos. Podemos dizer que é o outro lado da moeda da sustentabilidade na agricultura e da segurança alimentar, que foi pouco considerada nos tratados.
Os tratados firmados durante a ECO-92 refletem a complexidade da questao do desenvolvimento sustentável, no sentido de equacionar as realidades rural e urbana, como sendo os dois lados de uma mesma moeda: o sistema sócio-econômico vigente. Nesse sentido, o modelo de desenvolvimento agrícola é apenas uma das faces desse sistema maior, tendo por isso que dialogar com o lado urbano da sociedade, com o mercado, enfim, com todas as instâncias que englobam o modelo de desenvolvimento econômico vigente.
Texto de contribuicao do Brasil para a Conferência de Agricultura Sustentável em Mulheim, Alemanha.
Artigos e dossiês
MENEZES, Francisco, IBASE=INSTITUTO BRASILEIRO DE ANALISES SOCIAIS E ECONOMICAS, IBASE, 1993 (BRAZIL)
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