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diálogos, propuestas, historias para uma cidadania mundial

A vivência da expressão através de linguagens diversificadas no processo de formação

Rute RIOS

04 / 1996

"Ao contrário do que se pensa, a magia não é feita de fora, mas de dentro...(João Ubaldo Ribeiro in ’Viva o povo brasileiro’)". No mês de fevereiro, mais precisamente no dia 10, o Jornal do Brasil publicou um artigo do professor Alfredo Bosi intitulado "Educação: as pessoas e as coisas". Nele, o autor analisa o estado da educação no Brasil hoje começando por descartar, ancorado em dados estatísticos, duas variáveis muito utilizadas nas justificativas existentes para o descalabro em que se encontra o ensino fundamental em nosso país: a falta de prédios e equipamentos e de merenda escolar. Para entender o caos existente, diz o prof. Bosi, é preciso principalmente considerar a péssima relação que os professores vêm estabelecendo com a sua profissão. Recebendo, muitas vezes, um salário menor do que um operário não qualificado o professor está desestimulado, desiludido e, em número cada vez mais amplo, abandonando a sala de aula. Tudo isto, posto no início do artigo, introduz suas considerações sobre a proposta de política educacional, que o MEC anunciou recentemente, cuja ênfase está posta nas coisas (computadores, fitas de vídeo, antenas parabólicas, etc)e não nas pessoas.

Trabalhando com um grupo de educadores de jovens e adultos no período de 28 a 30 de março, em Juiz de Fora, esse artigo me veio a memória de maneira muito intensa. O grupo composto de cerca de 45 educadores, entre professores e supervisores, estava avaliando a experiência vivida na oficina desenvolvida no dia anterior. Nela o eixo fundamental da exercitação havia sido a identidade pessoal de cada um. A partir da apresentação dos nomes e dos traços que consideravam essenciais no seu modo de ser, os participantes foram desafiados a se dizerem (individualmente e depois em grupo)através da produção de versos, desenhos/pinturas, músicas e dramatizações. O prazer de descobrirem suas múltiplas possibilidades de criar, inventar, por meio dessas diferentes linguagens de expressão se repetia a cada depoimento.

O que eles afirmavam, em sua grande maioria, era que não sabiam que eram capazes de fazer o que haviam feito; que jamais haviam prestado atenção no seu próprio nome, ou melhor, na possibilidade de criar algo a partir dele; que nunca tinham se dado conta de que lhes era possível produzir um verso, ilustrá-lo e musicá-lo e que, com aquela experiência, perceberam o quão absurdas eram as cobranças que faziam aos alunos para que eles se expressassem (por exemplo, nas aulas de português)através da criação de histórias,desenhos e dramatizações.

Enquanto ouvia tudo isto relia na memória o artigo do prof. Bosi e me detinha justamente nas considerações que ele fazia a respeito da má relação que os educadores estão estabelecendo com sua profissão nos dias de hoje. Seu argumento enfatiza às péssimas condições materiais oferecidas ao professor para o desempenho da sua função. Mas, no artigo, o professor Bosi não se detém no aprofundamento dessa questão, pois não era esse o objetivo do seu artigo. Ele apenas assinala. E o que estava sendo dito naquele momento me provocava justamente no sentido de enriquecer a discussão. Perguntava-me então: o que foi fito dessa profissão, onde a "descoberta" da capacidade de criar - condição essencial da sua existência - surpreende as pessoas nela engajadas? Além dessas, muitas outras questões me vieram à cabeça mas, para refletir sobre o tema numa ficha, creio que essas duas são mais do que suficientes.

Quando me ponho a pensar sobre a "surpresa", diante da capacidade de criar manifestada pelos profissionais da educação, a primeira necessidade que me surge é a de passar em revista a história da educação brasileira, procurando localizar onde se origina este fato. Mas isto é uma tarefa longa e pretenciosa. Escolho, então, me deter sobre um acontecimento mais recente que, no meu modo de ver, contribui decisivamente para que os educadores se "esquecessem" da sua capacidade de criar. Trata-se da lei 5.692/71.

Creio que a orientação dada à educação brasileira, a partir desta lei, foi decisiva para esboçar esse quadro. Enfatizando o caráter funcional da educação, atribuindo à prática escolar um peso predominantemente profissionalizante, essa lei fez com que o profissional da educação, passasse a acreditar cada vez mais que a magia (do ato de educar)vem de fora, da técnica, e não de dentro, daquilo que é intrínseco ao ser humano - a capacidade de inventar. Assim, o que esse profissional passou a se colocar como exigência para se aperfeiçoar no desempenho de sua função foi receber, numa quantidade cada vez maior, de informações técnicas que lhe permitisse cumprir com a sua tarefa de provedor de conhcimentos. Restou-lhe, portanto, a prática de atos mecânicos distanciando-se, assim, daquilo que é o fundamental do seu papel: ensinar seus alunos a pensarem, a criarem.

Na avaliação que os participantes fizeram, tudo isto era mais do que evidente para mim. O que eles foram capazes de criar quando provocados a fazê-lo foi de uma qualidade inquestionável. E eles amaram o que produziram! os depoimentos individuais, nos corredores, reforçavam o que estavam expressando conjuntamente. E eu me dizia: meu Deus, é por aí! É menos complicado do que se imagina! O investimento na auto-estima do professor, na sua identidade pessoal é essencial para o estabelecimento de uma outra qualidade de relação com o seu fazer como educador. Salários dignos, respeito ao profissional são indiscutíveis como medidas urgentes para mudar o quadro que hoje presenciamos. Mas, tão urgente quanto isto é permitir que, nos espaços destinados à sua formação/autualização, esse profissional recupere a inventividade como valor essencial no desenho do seu perfil como educador.

Palavras-chave

educador, educação, condições de trabalho


, Brasil, Juiz de Fora, Minas Gerais

Notas

Rute é educadora integrante da equipe do SAPÉ e dos Coletivos de Autoformação de Educadores de Jovens e Adultos do Rio de Janeiro e Pernambuco.

Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.

Fonte

Texto original

SAPÉ (Serviços de Apoio à Pesquisa em Educaçào) - Rua Evaristo da Veiga, 16 SL 1601, CEP 20031-040 Rio de Janeiro/RJ, BRESIL - Tel 19 55 21 220 45 80 - Fax 55 21 220 16 16 - Brasil - sape (@) alternex.com.br

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