(Parte I)
José Graziano da Silva, Sergio Gómez E., Rodrigo Castañeda S.
03 / 2011
A inserção das economias latino-americanas no mercado internacional, iniciada no período neoliberal, provocou transformações importantes na produção agrícola do continente, gerando um significativo aumento da produção de alguns produtos, destinados para o mercado internacional e concentrado em algumas áreas do continente. Esse processo, controlado principalmente por grandes atores economicos, teve consequências limitadas na diminuição da pobreza rural e geração de emprego.
Introdução
A hipótese que guiou os estudos de caso em cada país teve como base os diferentes modelos de desenvolvimento do setor agropecuário e os impactos que teriam sobre os níveis de pobreza rural.
Tem se defendido que durante a vigência do modelo de crescimento para dentro, que corresponde ao processo de industrialização para substituir a importação, a agricultura teve um papel subordinado. Esta subordinação foi representada pela produção a preços que permitiram aos setores urbanos ter acesso aos alimentos com salários compatíveis com a capacidade de remuneração da indústria nascente. Ainda foram estabelecidas políticas que fixaram um salário mínimo aos trabalhadores urbanos. Assim se explica que os governos aplicaram políticas que fixaram preços aos produtos agropecuários alimentícios em um nível relativamente baixo, o que explicaria também o lento crescimento da produção agropecuária.
A implementação deste modelo significou o abandono, por parte dos governos, da preocupação pelo desenvolvimento rural. Assim, a população rural vivia em condições de pobreza que se expressava em baixos índices de alfabetização, salubridade, escolaridade, moradia e emprego. Estas condições explicam o intenso êxodo rural para as grandes cidades que ocorreram naquela época. No final da década de 1960, quando se denunciava as crises do modelo de industrialização, se constatava um atraso na estrutura agrária que predominava na América Latina. A estrutura agrária predominante continuava sendo o complexo latifúndiominifúndio, que consistia em uma estrutura agrária altamente concentrada e uma fragmentação dos pequenos proprietários e dos minifundiários com pouca terra2.
Desta maneira, o custo que o setor agropecuário teve que pagar, em seu conjunto, foi transferido para os setores com menos capacidade de pressão, para os camponeses e assalariados rurais. Isto explica3 que uma parte importante da persistência da pobreza rural é consequência direta da vigência deste modelo de desenvolvimento.
Com a implementação do modelo neoliberal e a ampliação do processo de globalização, as restrições para importar e exportar diminuíram e produziram importantes modificações na economia. No caso do setor agropecuário, definiu-se que este deveria encontrar uma nova estrutura produtiva, em função das vantagens comparativas que tem cada um dos países, que seriam transmitidas através de mudanças dos preços. Em função destas vantagens, cada país deveria especializar-se em produzir somente produtos com os quais pudesse contar com vantagens e inserção no mercado internacional, gerando excedentes que lhe permitissem, por sua vez, importar desde outros países aqueles produtos que precisassem, a um preço inferior ao que poderia ser produzido internamente. Assim, se estabelece o modelo agroexportador que predomina atualmente na América Latina.
Instalado o novo modelo, poderia se supor que ao remover a base estrutural que explicava a pobreza rural no modelo anterior, se poderia avançar na sua redução significativa. Esta é a base da hipótese que serviu de guia ao conjunto dos estudos realizados.
Cabe notar que nos anos 2003 a 2007 registrou-se uma tendência de aumento na taxa de crescimento agropecuário com uma média de 4,8% anual, situação que provavelmente pode ser restringida com a atual crise global, de acordo com a CEPAL.
O Boom Agrícola
Uma das principais conclusões dos estudos de caso é que, efetivamente, pode-se observar um crescimento significativo da produção agropecuária, mas esta se encontra concentrada em algumas regiões, em determinados produtos e vinculados aos produtores com acesso a mercados externos.
Os países estudados mostram a evidência desta dinâmica. Na Argentina, por exemplo, podemos destacar a região dos pampas e – em menor medida - a região Norte, com predomínio da soja, centrado em produtores médios e, fundamentalmente, grandes, que mediante a modalidade dos “pool de plantio” têm realizado fortes investimentos, introduzindo novas tecnologias. Esta produção está destinada aos mercados externos.
No Brasil destaca forte crescimento na região Centro-Oeste e em menor medida na região Sul, com três produtos que se sobressaem: algodão, soja e frango, com empresários que usam tecnologia de ponta e que destinam estas produções aos mercados externos.
No caso do Chile, o forte dinamismo produtivo se observou nas regiões localizadas na zona central, com predomínio da produção de frutas, hortaliças (fresca e processada) e sementes por médias e grandes empresas articuladas em cadeias produtivas e de serviços mais amplos. O conjunto desta produção também é destinado ao mercado externo.
No caso da Colômbia, não se realizou uma análise detalhada em escala regional, mas o que fica claro é que, longe de um crescimento da produção agropecuária, se observou um crescimento baixo e instável e que o narcotráfico e a guerrilha são obstáculos ao desenvolvimento do país em geral e ao campo em particular.
No caso da Guatemala, também se observa um crescimento importante em certas regiões do centro¸ particularmente na produção para a exportação de hortaliças e cana-de-açúcar, e no altiplano, onde se produz café, também para a exportação, mas se trata de uma “produção gourmet” (para diferenciá-lo de “commodity”) produzida por pequenos agricultores.
No caso do México, igualmente se observa um crescimento importante, mas restringido a determinadas zonas, que se estima em 500.000 hectares, como a região noroeste, que produz frutas e hortaliças destinadas ao mercado externo, onde participa um número cada vez menor de produtores bem-sucedidos.
Igualmente no caso de Nicarágua há um setor emergente nas regiões do Atlântico Sul e Centro, especializado na exportação de produtos lácteos vinculados aos investimentos estrangeiros. Também se constatou o dinamismo na produção de gergelim por parte de pequenos produtores destinada a nicho de mercados (“comercio justo” com produção orgânica) nas planícies do Pacífico e no trópico seco do ocidente do país.
Finalmente, no Peru, se observa o mesmo modelo. O crescimento centrado fundamentalmente na região costeira, onde médios e grandes proprietários produzem hortaliças e frutas, todos eles destinados ao mercado externo.
Portanto, como pode-se observar nestes estudos, há efetivamente um dinamismo da produção agropecuária, em que, de acordo ao modelo de desenvolvimento vigente, está concentrado nas regiões onde cada país conta com vantagens naturais para produção e, em outros casos, onde foi obrigado a criar vantagens competitivas, mas sempre orientadas para o mercado externo. Na maior parte dos casos, quem participam desses processos são produtores médios e, preferencialmente, grandes, com algumas exceções, como o caso indicado doscafeteiros na Guatemala e os produtores de gergelim na Nicarágua.
Desta forma, não é possível estabelecer que exista relação direta entre produção agrícola e diminuição da pobreza rural nas regiões estudadas, diferentemente de outras regiões do planeta como China e Índia, como tem sido demonstrado por Alain de Janvry ao comparar o índice de redução de pobreza e o de índice de valor agregado por trabalhador agrícola em distintas regiões do mundo4. Por outra parte, o emprego agrícola, mesmo que tenha sido uma das maiores fontes de redução da pobreza, não estaria cumprindo com as necessidades mais básicas de renda para as famílias pobres, por causa da precariedade dos empregos e, muitas vezes, da mal remuneração, situação que acontece em muitos países da América Latina. É por esse motivo que o problema vai além do crescimento econômico e requer uma estratégia de desenvolvimento integral.
Neste sentido, o que é possível apresentar, à luz dos resultados dos estudos, é a necessidade de incorporar às políticas agrícolas dos estados nacionais aspectos que abordem os fatores condicionantes da pobreza. Ao nosso juízo, a agricultura como saída da pobreza precisa de um Estado forte com mecanismo que regulem as imperfeições do mercado de trabalho. Esta foi outra das situações comprovadas pelo estudo: se o Boom agropecuário gera emprego, o impacto é positivo na redução da pobreza rural. A atual crise é geradora de oportunidades importantes neste sentido sobre todo o que poderíamos chamar “uma revalorização e questionamento do papel do Estado”.
Outra reflexão que surge dos resultados dos estudos é que a própria existência do Boom agrícola também deve ser matizada. É certo que existiu um crescimento da produção de certos produtos, sobre todo em alguns países, mas ele ocorre no contexto da incerteza sobre o alcance dos efeitos de diferentes crises que se encontram em desenvolvimento. Por um lado, a crise derivada da elevação dos preços dos produtos agropecuários; por outro, aquela ligada ao tema ambiental do aquecimento global; e finalmente; a crise financeira global em curso. Este conjunto de situações gera um clima de incertezas e de vulnerabilidade, que é necessário considerar na análise.
Portanto, não só é de interesse analisar os efeitos de um Boom agrícola como meio de superação de pobreza, mas também os efeitos que tem a característica de instabilidade deste tipo de crescimento, gerando em si mesmo uma situação de vulnerabilidade e um fator de empobrecimento dos espaços rurais que dependem desta atividade.
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