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O contrato social pela moradia - CSV, Equador

Silvana Ruiz Pozo, Vanessa Pinto

2009

Equador (1), país de conflitos, é também o país da “minga” (2), como Coletivo Contrato Social pela Habitação estamos convencidos da possibilidade de diálogo, de acordo e o trabalho conjunto para enfrentar o problema da moradia em nossos países.

O problema da moradia no Equador

No Equador um de cada três domicílios vive em condições precárias sendo que, a cada ano, formam-se no país em torno de 64.000 domicílios novos, dos quais mais de 25.000 se encontram abaixo da linha de pobreza, ou seja, com renda familiar abaixo do custo da cesta básica (Ruiz, 2008).

Em 1998, depois de várias décadas de “retirada” do estado da produção e financiamento da habitação social, no marco do convênio do estado equatoriano com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), implementou-se o Sistema de Incentivos para la Vivienda (3) (SIV), que foi executado pelo Ministerio de Desarrollo Urbano y Vivienda (4) (MIDUVI) e que contempla um subsídio não reembolsável para a habitação urbana nova, melhoramento da habitação urbana e melhoramento da habitação rural, com valores de 1 mil e oitocentos, setecentos e cinquenta e quinhentos dólares , respectivamente.

O CSV nasce precisamente em julho de 2005 como um mecanismo de reação perante a eliminação da partida para financiar os Bônus para Habitação na proposta orçamentária de 2006, o significaria a aniquilação do sistema de subsídios para habitação.

Atualmente e em cumprimento a uma promessa de campanha, o governo do economista Rafael Correa vem fortalecendo o SIV através da implementação de um subsídio escalonado que vai 2 mil e quatrocentos dólares a 5 mil dólares para uma nova habitação urbana, um de 5 mil dólares para habitação urbana marginal e habitação rural, um de 1 mil e quinhentos dólares para melhoramento, além de um subsídio de titulação de duzentos dólares destinado a regularização de escrituras de imóveis de famílias de baixa renda.

Segundo dados oficiais de MIDUVI, entre 2007 e 2008, foram entregues pouco mais de 147.000 subsídios: 25.748 subsídios para habitação nova em áreas urbanas, 15.854 subsídios para melhoramento de habitações, 9.772 subsídios para habitação urbana marginal, 2.634 subsídios de melhoramento de habitação urbana marginal, 85.448 para habitação rural e 7.736 de melhoramento de habitação rural, sendo que não existem dados oficiais sobre a emissão de subsídios de regularização fundiária.

Apesar dos recursos destinados a facilitar o acesso à habitação às famílias equatorianas, o acesso a habitação através da fórmula básica Poupança, Subsídio e Crédito, ainda existem deficiências ao acesso desses benefícios; e, o que é mais importante, o SIV não pode ser entendido, por si mesmo, como uma política habitacional, e sim como um elemento dela, já que não é possível enfocar a problemática habitacional e do habitat, exclusivamente a partir da construção da moradia e prescindir de temas e regras complementares que devem ser assumidas por outros atores tais como:

• governos locais e outras instâncias públicas na provisão de solo urbano habilitado, na definição e atualização de marcos regulatórios e mecanismos de gestão de riscos, além de incentivos que promovam o uso racional do solo desocupado, na proteção de zonas de importância ambiental, na captação social da mais-valia, na oferta de habitação social e na organização comunitária;

• governos selecionados e órgãos públicos competentes envolvidos no desenvolvimento rural, que permitam a elaboração e implementação de respostas integrais de desenvolvimento camponês e habitat rural e um desenvolvimento urbano sustentável.

• setor financeiro na ampliação e adequação da oferta de crédito para habitação, especialmente para setores médios e pobres da sociedade;

• setor da construção através da incursão em produtos habitacionais de boa qualidade construtiva e estética, dirigidos a famílias de escassos recursos econômicos sob o princípio de responsabilidade social;

• setores acadêmicos e centros de pesquisa, que contribuam ao desenvolvimento de tecnologias alternativas baseadas no uso sustentável dos recursos locais e que orientem à formação profissional para o serviço social

• organizações sociais e outros atores sociais como ONGs, centros acadêmicos, organizações gremiais na definição, implementação, avaliação e veeduría (5) social relacionada com a política habitacional.

• institucionalidade interativa nos diferentes níveis (nacional, local e comunitário) que deverá se construir (conselhos populares, comunitários, etc.) para garantir o direito à moradia, à cidade e ao habitat.

O Contrato Social pela Moradia - CSV

O CSV está conformado por organizações e instituições sociais, não governamentais, empresariais, acadêmicas e também por pessoas e grupos de profissionais, cuja atividade está vinculada com a moradia popular e o direito à cidade e ao habitat.

O CSV opera como um fórum de discussão independente, com capítulos nas cidades de Quito, Guayaquil e Pujilí, que se propôs contribuir ao exercício pleno do direito à moradia, à cidade e ao habitat, assegurando as condições necessárias para que todos os equatorianos e as equatorianas tenham acesso a tais direitos. Trata-se de um espaço de confluência de vontades e ações combinadas, não possuem pessoa jurídica nem financiamento específico; apesar disso, desde agosto de 2005 até o momento, o CSV vem desenvolvendo uma campanha de lobbying e interpelação permanente com as autoridades em turno, de difusão e conscientização nos meios de comunicação e informação e capacitação com dirigentes e membros do próprio coletivo.

As mais de 160 atividades desenvolvidas pelo Coletivo desde sua origem (14 fóruns públicos, 40 cursos de formação e oficinas de discussão acadêmica e política, 57 reuniões de coordenação interna e 46 reuniões de lobbying com autoridades e órgãos de cooperação, mobilizações e presença na mídia) permitiram alcançar um paulatino reconhecimento social e o aprofundamento de uma agenda comum.

Às seis instituições e organizações que empreenderam esta iniciativa, somaramse outras; atualmente este espaço conta com a participação de 27 instituições e organizações. A partir da reivindicação pontual da defesa do sistema de subsídios, construiu-se uma plataforma que aponta para a consolidação da participação social, do diálogo e acordo entre os múltiplos atores para a construção de uma política de habitação sustentável e equitativa, de marcos legais concomitantes.

O CSV parte da premissa de que a sustentabilidade das propostas, soluções e políticas depende dos esforços coletivos e acordos que se constroem sobre a base de consensos progressivos, por meio dos quais se promove a participação dos atores na reflexão, ação e vigilância sobre aspectos referentes ao direito à habitação, à cidade e ao habitat.

A agenda do CSV se estrutura ao redor de três momentos estratégicos de ação inter-relacionados:

A constitucionalização do direito universal à moradia, à cidade e ao habitat

A Assembléia Nacional Constituinte representou uma oportunidade histórica para atualizar e fortalecer os direitos individuais e sociais e as políticas de estado relacionadas com a habitação, a cidade e o habitat. Dentro das atividades de influência desenvolvidas pelo CSV no processo constituinte, em 8 de novembro de 2007, realizou-se a primeira entrega pública da “Demanda cidadã pelo direito à moradia, à cidade e ao habitat” aos deputados eleitos, num ato público realizado em Quito, a poucos dias da instalação da Assembléia Constituinte.

A Demanda Cidadã – construída num processo de discussão de seis meses, com a participação de mais de 300 delegados de organizações sociais, instituições privadas, ONGs e academia – destaca a co-responsabilidade de diferentes atores para a construção de um habitat sustentável e que inclua a todos.

Nos dias 8 e 9 de fevereiro de 2008 representantes das organizações e instituições membros do CSV apoiaram a mobilização a Montecristi – sede da Assembléia – promovida pelo Fórum Urbano. Os delegados das organizações populares mobilizadas e membros do CVS foram recebidos pelos deputados nas Mesas 1, 2, 4, 6 e 7, onde se argumentou a pertinência das demandas específicas propostas pelo CSV e reiterou-se o compromisso da sociedade civil para a construção participativa da nova Constituição. A maioria das propostas contidas na Demanda cidadã foram reunidas no projeto de Constituição que foi aprovado pelo povo equatoriano nas urnas em 29 de setembro de 2009.

A elaboração participativa e implementação de políticas públicas de habitação e assentamentos humanos que garantam condições para o exercício universal do direito à moradia, à cidade e ao habitat.

Num segundo momento, o CSV busca influenciar na formulação e implementação de uma política de estado acordada com os grupos sociais organizados, o setor privado e os governos locais, com a finalidade de construir respostas institucionais, socialmente eficazes, responsáveis e equitativas. As propostas apontam à construção de uma política de estado que enfrente os problemas imediatos e as demandas urgentes das famílias, sem perder de vista as propostas para melhorar as condições habitacionais e a qualidade de vida a médio e longo prazo. Nessa linha se desenvolvem espaços de diálogo com instâncias públicas, oficinas de discussão e análise dos problemas da habitação, da cidade e do habitat e se elaboram propostas de orientação da política.

Neste marco, em julho e agosto de 2009, o CSV apresentou suas propostas no processo de atualização do Plano Nacional de Desenvolvimento – PND para o período 2009-2013, procurando influenciar na definição de uma política habitacional coerente com os direitos reconhecidos na nova Constituição.

A promulgação de uma Lei de habitação e assentamentos humanos, que contemple um suporte institucional e financeiro

Finalmente o terceiro momento radica em incidir na formulação de uma Lei Geral de Habitação e Assentamentos Humanos que instrumentalize o direito à habitação, à cidade e ao habitat, e assegure os meios legais, institucionais e financeiros para sua implementação.

No momento atual, frente à elaboração de uma proposta de Lei por parte do Ministério de Desenvolvimento Urbano e Habitação (MIDUVI), o CSV demandou pelos seguintes pontos:

• A necessidade de codificar a normativa existente no que se refere à moradia e ao habitat.

• Propor que a Lei, em concordância com a Constituição, trate não apenas da moradia, mas também da cidade e do habitat.

• Definir dentro da Lei a gestão do setor e as competências necessariamente complementares entre o governo central e os governos autônomos descentralizados.

• Propor um sistema de monitoramente e avaliação das políticas e programas relacionados com a habitação, a cidade e o habitat, baseado na participação e veeduría cidadã. Ter concordância com a Lei de Participação.

• Estabelecer na lei uma definição do que se entende como habitação de interesse social para a aplicação de desonerações e incentivos – que já existem na legislação atual, buscando incrementá-los – a partir de uma concepção de habitação adequada, o que compreende acessibilidade, serviços, segurança da posse, qualidade da moradia, entorno, entre outros.

• Normatizar e promover o uso de tecnologias alternativas através de sua inclusão no Código de Construção. Implementar incentivos à pesquisa e à reestruturação da malha curricular nas faculdades de arquitetura e engenharia, abrindo as possibilidades do uso e aplicação de tecnologias alternativas.

• Incentivar através da Lei a produção e consumo de materiais locais na construção, assim como o uso intensivo de mão-de-obra.

• Definir diretrizes para o reassentamento de populações localizadas em zonas de risco e um adequado planejamento urbano que evite tais assentamentos.

• Criar um sistema unificado de informação no que diz respeito a: normativas, déficits nacional e locais, programas de habitação (dados SIV e outros), base de dados de atores (organizações de habitação, entidades técnicas, IFIS, ONGs).

• Articular os postulados da Lei com outras leis e normativas relacionadas com o ordenamento territorial, o ambiente, a eficiência energética, a equidade campo-cidade, entre outros.

Organizações e instituições membros do Contrato Social pela Moradia, outubro de 2009 Organizações sociais:

1. Asociación de Mujeres Luchando por la Vida

2. Asociación de Vivienda Alianza de Mujeres

3. Asociación Vida Vivienda –CONFEUNASSC

4. Asociación de Vivienda Paseos del Pichincha - AVIPP

5. CONBADE-Confederación Nacional de Barrios

6. Confederación Nacional Campesina-CNC “Eloy Alfaro”

7. FORO URBANO

8. Acción por la Vida - Red de Vivienda

9. Mujeres Cobijando nuestros sueños

ONGs

10. AESCO-Ecuador

11. ACJ-Asociación Cristiana de Jóvenes

12. Asociación Solidaridad Acción - ASA

13. Centro de Investigaciones CIUDAD - Proyecto PASO A PASO

14. Ecosur

15. Fundación Hogar de Cristo

16. Fundación Mariana de Jesús

17. FUNHABIT

18. Grupo Social FEPP

19. Habitat Para la Humanidad – Ecuador

20. Somos Ecuador

Instituições privadas

21. Cooperativa de ahorro y crédito FOND Vida

22. Cooperativa de ahorro y crédito CoopCCQ

23. Eco Arquitectos & Asociados

24. CCQ-Cámara de la Construcción de Quito

Institutos de pesquisa acadêmica

25. Instituto de Planificación Urbana y Regional, Universidad Santiago de

Guayaquil-IPUR

Organismos de cooperação

26. ONU-HABITAT

Outros

27. Profissionais independentes

Algumas conclusões

A atuação do CSV tem tido grande influência e forte legitimidade como interlocutor da sociedade civil apesar de não ser um espaço com “pessoa jurídica” – embora a quase totalidade de seus membros, individualmente, a tenha -, e de não contar com recursos permanentes – e sim contribuições de seus membros e da cooperação internacional. Tal cooperação acontece através de ações pontuais no marco de projetos das instituições e organizações participantes, relacionadas com a influência política e o fortalecimento de atores contemplados em projetos financiados.

Os elementos coadjuvantes podem ser resumidos abaixo:

a) A diversidade dos atores articulados, que com enfoques particulares, estratégias e recursos perseguem um objetivo comum: o interesse na construção de respostas adequadas à demanda habitacional dos setores de menor renda.

b) O reconhecimento social e a trajetória que representam os atores que participam do CSV.

c) Ser um espaço que busca o diálogo com o Governo Nacional e com os Governos Locais, pois o interesse coletivo é a incidência na política.

d) A diversidade de estratégias que desenvolve o Contrato: mobilização, difusão, elaboração de propostas e intenso lobbying.

e) A oportunidade das ações em relação ao contexto.

f) A cobertura geográfica crescente que busca e vai alcançando o Coletivo, além do desenvolvimento de ações em diferentes cidades do país. A razão e pertinência do funcionamento deste espaço “informal” de influência política e diálogo de atores que definimos como “contrato social” são baseadas no convencimento de que:

a) A única garantia para a sustentabilidade social de propostas e políticas sociais inclusivas é a participação social.

b) A participação social permite um processo de afinação política e marcos regulatórios para que respondam à demanda dos setores mais desfavorecidos e a realidade de contextos mutantes.

c) A participação interativa organizada permite fortalecer a interação com o estado, mas ao mesmo tempo desenvolver laços de cooperação entre diferentes atores da sociedade (do setor comunitário e privado) contribuindo para fixar a responsabilidade do conjunto da sociedade perante os problemas sociais.

d) O bom governo somente é possível quando existe capacidade de diálogo entre a sociedade civil e o estado, e no interior da sociedade civil. A governança é mais do que o diálogo público-privado, é o conjunto da sociedade diversa em diálogo e na construção de consensos.

1 No original em espanhol: Contrato Social por la Vivienda (CSV)
2 Trabalho comunitário, característico dos povos andinos, que se realiza com a finalidade do interesse coletivo.
3 Sistema de Incentivos à Habitação
4 Ministério de Desenvolvimento Urbano e Habitação
5 Mecanismo democrático de representação que permite aos cidadãos ou às diferentes organizações comunitárias, exercer vigilância sobre o processo de gestão pública, frente às autoridades.

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