Os programas de Transferência Condicionada de Renda (TCR) passaram a dominar o setor de proteção social na América Latina e no Caribe durante a última década (1). A maioria dos países da região ou está implementando programas dessa natureza ou está discutindo sobre os méritos relativos à sua implementação. A popularidade desse tipo de programa pode ser atribuída ao êxito dos programas Bolsa Escola, incorporado, em 2003, ao Bolsa Família, e Progresa, rebatizado como Oportunidades em 2003, adotados, respectivamente, no Brasil e no México, no fim da década de 1990.
A TCR está sendo, cada vez mais, considerada como a melhor prática no setor social também nos países em desenvolvimento de outras regiões do planeta. E, graças ao principal componente de transferência de renda, sua popularidade suscitou discussões sobre omérito relativo das transferências monetárias em oposição às de alimentos, e as transferências condicionadas em oposição às não-condicionadas. (2)
Além disso, os pesos fiscal e político atribuídos a esses programas podem exercer impacto significativo sobre a composição e a dotação de fundos das políticas de desenvolvimento rural, em geral, e sobre os ministérios das áreas da saúde, educação e agricultura, em particular.
Sem dúvida, a predominância crescente da TCR na América Latina e no Caribe, assim como em outras partes do mundo, representa excelente oportunidade, mas também um desafio, no que diz respeito aos esforços em favor da erradicação da insegurança alimentar da região. Os programas de combate à insegurança alimentar constituem uma categoria muito mais ampla que a TCR. Geralmente, encaixamse em dois tipos de grupos, seguindo o que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) chama de abordagem em duas vias.
A primeira via concentra-se no aumento da produtividade agrícola e nos lucros com as atividades geradoras de receita em geral. Envolve apoio aos pequenos agricultores e criadores, infra-estrutura rural e acesso facilitado às estruturas e instituições financeiras e de mercado.
A segunda via está voltada para a assistência direta às pessoas e aos domicílios. Essa abordagem envolve as transferências de renda e de alimentos condicionadas e não-condicionadas, programas de merenda escolar, cozinhas comunitárias, nutrição materno-infantil, programas de alimentação e saúde.
Até agora, os resultados obtidos com a experiência dos programas de transferência de renda têm tido impactos importantes e positivos no acesso aos alimentos. Os resultados das avaliações do Programa de Auxílio à Família II (Praf), em Honduras, do Rede de Proteção Social (RPS), na Nicarágua, do Familias en Acción, na Colômbia, e do Programa de Educação, Saúde e Alimentação (Oportunidades), no México, mostraram amplo e significativo aumento na compra de alimentos, na dieta diversificada e/ou na disponibilidade calórica e, na maioria dos casos, nos resultados sobre consumo de alimentos. (3)
Orazio Attanasio, Luiz Gómez, Patrícia Heredia e Marcos Vera-Hernandez (2005) constataram, na Colômbia, que as crianças, em particular, apresentaram aumento considerável na qualidade da ingestão de alimentos como resultado do Familias en Acción. John Hoddinot e Emmanuel Skoufias (2004) apontaram que o impacto sobre o consumo de alimentos ultrapassa o simples efeito da renda. Envolve uma mudança de comportamento resultante da participação em palestras sobre saúde e nutrição.
Os programas de TCR ainda exerceram impacto importante na redução da pobreza, embora nem sempre essa constatação fique clara nos dados nacionais por conta de fatores conflitantes. Kathy Lindert, Emmanuel Skoufias e Joseph Shapiro (2006), em análise sobre dispêndio social na América Latina e no Caribe, acham que os programas de TCR estão corretamente direcionados e desempenham papel importante na redistribuição de renda na região, embora os pequenos valores unitários das transferências limitem a extensão da redistribuição.
John Maluccio e Rafael Flores (2005) acham que o piloto RPS, na Nicarágua, reduziu em mais de 16 pontos percentuais a parcela de famílias beneficiadas vivendo em condições de pobreza extrema.
Nutrição e saúde
As avaliações realizadas sobre os programas de TCR contêm ampla gama de informações sobre o impacto desses programas em uma série de indicadores e resultados relativos à nutrição e à saúde. Com exceção do Praf II, todos os demais estão associados à redução da debilidade física em crianças de famílias beneficiadas.
Jere Behrman e John Hoddinot (2005) constataram impacto significativo e positivo das ações nutricionais do Oportunidades no desenvolvimento infantil e menor probabilidade de debilidade física nos participantes do programa, principalmente entre crianças de 12 a 36 meses de comunidades mais pobres, filhas de mães alfabetizadas. Eles calculam que o impacto do programa, funcionando apenas até a idade adulta, poderia resultar em um aumento de 2,9 pontos percentuais de benefícios pelo resto da vida.
Jere Behrman, Susan Parker e Petra Todd (2004), considerando os impactos em médio prazo, constataram que as ações nutricionais do Oportunidades voltadas para recém-nascidos tiveram impacto positivo tanto no ingresso na escola com idades mais adiantadas quanto na quantidade de matrículas. Juan Rivera, Daniela Stores-Alvares, Jean-Pierre Habicht, Teresa Shamah e Salvador Villalpando (2004) acham que esse programa estava associado ao melhor desenvolvimento entre as crianças mais pobres e de menor idade e às taxas menores de anemia (embora não tanto quanto o esperado, talvez por causa de problemas com o tipo de ferro usado como complemento).
Na Nicarágua, John Maluccio e Rafael Flores (2005) constataram que a participação no RPS trouxe redução de 5,5 pontos percentuais na incidência de crianças com debilidade física. Essa redução foi 1,7 vezes mais rápida que a taxa de melhoria anual verificada em âmbito nacional entre 1998 e 2001. O RPS, contudo, não conseguiu elevar as taxas de hemoglobina nem diminuir os índices de anemia.
Orazio Attanasio, Luiz Gómez, Patrícia Herrera e Marcos Vera-Hernandez (2005) constataram que o Famílias en Acción, da Colômbia, reduziu a incidência de debilidade física em crianças com menos de 24 meses de idade.
Paul Gertler e Simone Boyce (2001) acham que o Oportunidades resultou em menor incidência de doenças reportadas pelas próprias crianças e pelos adultos e na maior procura pelos postos de saúde pública e pelo acompanhamento nutricional. Em Honduras, Saul Morris, Rafael Flores, Pedro Olinto e Juan Medina (2004) acham que as ações em benefício das famílias no Praf II tiveram grande impacto (de 15 a 20 pontos percentuais na incidência de doenças reportadas pelas próprias crianças e pelos adultos, maior utilização dos postos de saúde pública e postos de acompanhamento nutricional) na cobertura reportada de assistência pré-natal, exames e acompanhamento do crescimento na área da puericultura.
John Maluccio e Rafael Flores (2005) também encontraram amplos efeitos na utilização dos serviços de saúde com o RPS, incluindo acompanhamento do crescimento infantil, de visitas e vacinações na área da puericultura. Tânia Barham (2006) constatou impacto positivo, embora modesto, do Oportunidades nas imunizações, em parte por conta do inicialmente elevado patamar de imunização na zona rural do México.
Também foi constatado que a TCR exerce importante impacto na mortalidade infantil. Tania Barham (2006) constata amplo efeito do programa mexicano na redução da mortalidade infantil nas localidades onde o plano estava em execução. Esse impacto foi maior nas localidades com maior incidência de água encanada e esgoto, e onde a população era constituída principalmente de não-indígenas. Significa que o efeito foi maior onde a população vivia em condições relativamente melhores, ao passo que os pobres em pior situação e mais marginalizados, pelo menos no que se refere a esse resultado, foram menos afetados.
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, Brasil
Segurança alimentar, renda et políticas públicas no Brasil : Programa Bolsa Família em questão
[Traduzido do inglês por Patrick Wuillaume / Revisão de tradução por Lêda Gonçalves Maia]
Texto original
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