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Proposta de um Projeto de Reforma Agrária Popular

(Parte 1)

Des Sans-Terre Mouvement

03 / 2010

A REFORMA AGRÁRIA NECESSÁRIA: POR UM PROJETO POPULAR PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA

I - OBJETIVOS

Essa proposta de reforma agrária se insere como parte dos anseios da classe trabalhadora brasileira de construir uma nova sociedade: igualitária, solidária, humanista e ecologicamente sustentável. Desta forma, as propostas de medidas necessárias fazem parte de um amplo processo de mudanças na sociedade e, fundamentalmente, da alteração da atual estrutura de organização da produção e da relação do ser humano e natureza. De maneiras que, todo processo de organização e desenvolvimento da produção no campo aponte para a superação da exploração, da dominação política, da alienação ideológica e da destruição da natureza. Buscando valorizar e garantir trabalho a todas as pessoas como condição à emancipação humana e à construção da dignidade e da igualdade entre as pessoas e no restabelecimento de relações harmônicas do ser humano com a natureza .

A reforma agrária tem por objetivos gerais:

a) Eliminar a pobreza no meio rural.

b) Combater a desigualdade social e a degradação da natureza que tem suas raízes na estrutura de propriedade e de produção no campo;

c) Garantir trabalho para todas pessoas, combinando com distribuição de renda.

d) Garantir a soberania alimentar de toda população brasileira, produzindo alimentos de qualidade, desenvolvendo os mercados locais.

e) Garantir condições de participação igualitária das mulheres que vivem no campo,em todas as atividades, em especial no acesso a terra, na produção, e na gestão de todas as atividades, buscando superar a opressão histórica imposto às mulheres, especialmente no meio rural.

f) Preservar a biodiversidade vegetal, animal e cultural que existem em todas as regiões do Brasil, que formam nossos biomas.

g) Garantir condições de melhoria de vida para todas as pessoas e acesso a todas oportunidades de trabalho, renda, educação e lazer, estimulando a permanência no meio rural, em especial a juventude.

II – AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS

1. A TERRA

A terra e os bens da natureza são acima de tudo, um patrimônio dos povos que habitam cada território, e devem estar a serviço do desenvolvimento da humanidade. Democratizar o acesso a terra, aos bens da natureza e aos meios de produção na agricultura a todos os que querem nela viver e trabalhar. A propriedade, posse e uso da terra e dos bens da natureza devem estar subordinados aos interesses gerais do povo brasileiro, para atender as necessidades de toda população.

Medidas fundamentais

1.1. Estabelecer um tamanho máximo da propriedade rural, para cada agricultor, estabelecido de acordo com cada região. ( Por exemplo, fixar em 35 módulos fiscais, que representaria em média ao redor de 1.000 hectares, por família, somados todos os imóveis que possuir) E desapropriar todas as fazendas acima desse modulo, independente do nível de produção e de produtividade..

1.2. Garantir acesso à terra a toda família que quiser viver e trabalhar nela.

1.3. Desapropriar todas as propriedades rurais de empresas estrangeiras, bancos, indústrias, empresas construtoras e igrejas, que não dependem da agricultura para suas atividades.

1.4. Desapropriar TODAS as grandes propriedades que não cumprem com a função social. Ou seja, que estejam abaixo da média de produtividade da região. Que não respeitem o meio ambiente. Que tenham problemas de cumprimento das leis trabalhistas com seus empregados. E que estejam envolvidos com contrabando, narcotráfico, trabalho escravo. O valor pago deve ser equivalente ao que declaravam para impostos. Descontando-se, todas as dívidas com impostos,empréstimos com bancos públicos, prejuízos ambientais e sociais causados.

Medidas complementares

1.5. Demarcação de todas as terras indígenas, de remanescentes de quilombolas e as terras comuns de faxinais, pastos e serras de acordo com a tradição de cada região.

1.6 Priorizar a utilização para a reforma agrária de terras agricultáveis, de boa fertilidade, próximas às cidades, viabilizando o abastecimento de forma mais barata e a infra-estrutura econômica e social;

1.7 Dar a posse definitiva da terra à todos os camponeses que vivem hoje na instabilidade de posseiros; com título de concessão de uso e direito a herança.

1.8 As riquezas naturais e a madeira são patrimônio de toda sociedade e por tanto devem ser administradas pelo estado, para que beneficie à todo povo brasileiro. Não poderá ser objeto de exploração lucrativa. Será proibida a exportação de madeira e a prática da bio-pirataria na Amazônia.

1.9 Não poderá haver arrendamento de terra e cobrança de renda.

1.10. Nenhum beneficiário de programas de reforma agrária, de colonização ou regularização fundiária de posse, poderá vender a terra. A titulação deverá ser de concessão de uso, com direito a herança, desde que os herdeiros morem no lote.

1.11. Realizar levantamento de todas as terras públicas estaduais e federais. Recuperar para a reforma agrária todas as terras que foram griladas.

1.12. As propriedades que se encontram abaixo do tamanho máximo, mas que não se utilizam de acordo com a função social, sofrerão uma taxação progressiva de impostos, como uma forma de contribuir com a sociedade.

2. A ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO NO MEIO RURAL

Medidas fundamentais

2.1. A produção agrícola será orientada com prioridade absoluta para a produção de alimentos saudáveis para todo o povo brasileiro, garantindo-se assim o principio da soberania alimentar.

2.2. A produção será organizada com base ao desenvolvimento de todas formas de cooperação agrícola, como: mutirões, formas tradicionais de organização comunitária, associações, cooperativas, empresas publicas, empresas de prestação de serviços, etc.

2.3. Organizar agroindústrias próximas ao local de produção agrícola, na forma de cooperativas, sob controle dos agricultores e dos trabalhadores na agroindústria. Realizar programas de capacitação técnica dos trabalhadores, na gestão das empresas cooperativas agroindustriais.

2.4. Promover uma agricultura diversificada, rompendo com a monocultura, buscando promover uma agricultura sustentável, em bases agroecológicas, sem agrotóxicos e transgênicos, gerando uma alimentação saudável. Que este novo modelo produtivo, gere também uma nova base alimentar e novas formas de consumo, equilibrada e adequada ao ecossistemas locais e culturalmente adequada;

Medidas complementares

2.5.Os trabalhadores assalariados de empresas agropecuárias e agroindústrias deverão se organizar em cooperativas, associações, conselhos, comitês, movimentos, etc… de acordo com sua experiência, tradição e realidades locais. Para que através da organização popular participem da gestão, recebam por sua produção e tenham garantidos seus direitos sociais;

2.6. Não será permitido atuação de empresas estrangeiras no controle da produção e comércio de alimentos e sementes.

2.7. Será organizado o desenvolvimento da biotecnologia, visando o produtividade do trabalho, dos produtos, respeitando o meio ambiente, a saúde dos agricultores e do consumidor. Impedir o uso de sementes transgênicas, árvores transgênicas e técnicas de esterilização de sementes como a “terminator”.

2.8. Estimular a realização de feiras permanentes de produtos agroecológicos (orgânicos), em todos os municípios do país. O estado deve priorizar a compra de produtos dos assentamentos e das comunidades camponesas, para hospitais, creches, quartéis e outras instituições públicas ou de assistência social, bem como para os programas populares de abastecimento alimentar. .

3. ÁGUA: UM BEM DA NATUREZA PARA TODOS

Medidas

3.1.Toda propriedade e posse da água esta subordinada aos interesses sociais. Não poderá haver propriedade privada da água, seja para consumo humano ou para agricultura. Será considerado de domínio público todos os reservatórios de água das barragens existentes.

3.2..Todo abastecimento de água potável nas comunidades rurais e nas cidades deve ser um dever do estado, e por tanto organizado por empresas públicas.

3.3.O estado deve garantir ao pequeno agricultor condições de recursos, para uso adequado das águas, reflorestamento das margens de córregos e rios.

3.4. Fiscalizar rigorosamente a proteção das águas e punir com prisão todas as pessoas e empresas que causem poluição nas águas e no lençol freático.

4- O MANEJO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA e a IRRIGAÇÃO

A agricultura moderna e a produção agrícola nas mais diferentes regiões de nosso país, enfrenta cada vez mais dificuldades relacionadas com a instabilidade do clima e das chuvas. Essa instabilidade afeta a produtividade, inviabiliza a produção e prejudica preponderantemente a renda dos pequenos agricultores. Assim, é necessário combinar a democratização da terra, a reorganização da produção agrícola, com os meios necessários para garantir acesso e o manejo sustentável da água, de forma a orientar sua conservação e uso no abastecimento humano e na produção agropecuária a todos os agricultores e assentados.

Medidas

4.1. Implementação de um amplo programa de manejo sustentado da água, que viabilize a sua conservação natural e a implantação de infraestruturas de captação e uso sustentável, a saber: sistemas de coleta, armazenamento e distribuição de água da chuva – cisternas, barragens subterrâneas, barreiros, açudes, represas; reciclagem da água em ambientes domiciliares e da produção – ; saneamento com coleta e tratamento da água e dos dejetos humanos e dos animais; sistemas de distribuição de água nas atividades pecuárias e de irrigação agrícola, com linhas de crédito específicas, com subsidio no investimento de infraestrutura de coleta, tratamento e armazenagem da água e dos equipamentos de distribuição e combinado com capacitação técnica e ambiental a todos os agricultores.

4.2. Garantir à todas as famílias assentadas e pequenos agricultores condições para investimentos em caráter coletivo, tanto na captação de água, como na distribuição da mesma, em especial em projetos de irrigação destinados a produção de alimentos. Zelar para que os projetos não agridam ao meio ambiente e que tenham um uso adequado dos recursos hídricos.

4.3. Garantir um programa de irrigação com preços adequados para o consumo de energia e estímulo ao uso de fontes de energias alternativas.

5. O ESTADO DEVE DESENVOLVER UMA POLÍTICA AGRÍCOLA VOLTADA PARA OS INTERESSES DO POVO

Medidas

5.1. O estado deve usar todos os instrumentos de política agrícola, como garantia de preços, crédito, fomento à transição e consolidação da produção agroecológica, seguro, assistência técnica, armazenagem, etc., prioritariamente para o cumprimento desse programa de reforma agrária.

5.2. O estado deve garantir a compra de todos os produtos alimentícios do setor camponês e da reforma agrária.

5.3. O estado vai garantir financiamento para que as comunidades do meio rural desenvolvam programas coletivos de autonomia energética, através de usinas de bio-diesel e através de fontes alternativas como a energia solar, água, eólica (ventos) etc..

5.4. O estado deve garantir condições para que todos os agricultores tenham acesso aos meios de produção necessários, como: máquinas, equipamentos, insumos, agroindústria, etc. Se necessário instalar fábricas de empresas estatais.

5.5. Um programa especial de crédito para a reforma agrária

a)Criar um programa especial de credito rural destinado às famílias assentadas pela reforma agrária e aos agricultores/as pobres, através da rede de bancos públicos, de forma desburocratizada e acessível.

b)Destinar recursos suficientes e priorizando os investimentos produtivos, que reorganizem as unidades produtivas. E também, recursos para implantação de agroindústrias, sistemas de irrigação e estímulo a outras formas indústrias combinada no meio rural.

c)Desenvolver uma metodologia participativa em que o sistema financeiro público vá até os pequenos agricultores de forma mais desburocratizada possível, mas estimulando formas cooperadas e combatendo oportunismos e desvios. Pode-se combinar o uso de recursos de crédito com garantia de compra antecipada da produção.

6. A INDUSTRIALIZAÇÃO DO INTERIOR DO PAÍS

Medidas

O programa de reforma agrária deverá ser um instrumento para levar a industrialização ao interior do país, promovendo um desenvolvimento mais harmônico entre as regiões, gerando mais empregos no interior e criando oportunidades para a juventude. O processo de desenvolvimento deve eliminar as diferenciações existentes entre a vida na cidade e a vida no campo. Esse processo deve priorizar a geração de empregos no interior, em especial para a juventude e para as mulheres.

6.1 Instalar agroindústrias nos municípios do interior buscando o aproveitamento de todos produtos agrícolas para gerar mais empregos, aumentar a renda e criar alternativas para o crescimento da riqueza em todas as regiões do interior, combatendo assim a migração e o êxodo rural. Onde não há capacidade organizativa das famílias camponesas, o estado deve tomar iniciativa e realizar parcerias com as organizações dos trabalhadores.

6.2 A produção industrializada deverá ser comercializada, prioritariamente nas respectivas regiões, descentralizando o consumo e combinando com as compras governamentais para as necessidades públicas como merenda escola, quartéis, presídios, etc.

6.3 As indústrias vinculadas à agricultura, que produzem insumos ou máquinas, devem ser descentralizadas e instaladas no interior.

6.4 As plantas agroindustriais e seus processos e tecnologias de produção deverão estar orientadas por padrões e normas ecologicamente sustentáveis.

Leia a segunda parte do artigo

Palavras-chave

reforma agrária, soberania alimentar, ecologia, acesso a terra, cooperativa


, Brasil

dossiê

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil

Notas

Durante seus mais de 25 anos de existência, o MST formulou projetos de reforma agrária que sintetisam, a partir da prática do movimento, a formulação coletiva de um projeto de desenvolvimento para o campo brasileiro e a superação dos entraves provocado pela concentração da terra no Brasil.

Essas prosições de reforma agrária se alteraram com o passar do tempo, propondo novas medidas, em função do desenvolvimento histórico, político e econômico do Brasil e da sociedade à nível internacional. A versão que aqui apresetamos do projeto de uma Reforma Agrária Popular é a mais recente elaboração do Movimento sobre este tema. Este documento começou a ser elaborado a partir do V Congresso do MST, realisado em 2007.

Leia a segunda parte do artigo

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