2. Os nossos desafios
Os desafios estão presentes em qualquer tempo na história. Quem se descuida deles perde a noção do tempo e perde-se na elaboração das táticas.
Podemos enumerar alguns deles que nos acompanharam o tempo todo:
a) Formar quadros e manter a coerência no período pré-revolucionário
Esse período é aquele que antecede ao desfecho da revolução. Pode levar anos e décadas. A revolução pode ser prevista, mas também é uma grande surpresa tanto para as forças revolucionárias quanto para aqueles que agem contra.
O movimento entre as forças contrárias é que leva ao desfecho da luta revolucionária. Por esse período ser longo e às vezes perder a atração, as tendências se manifestam de forma teórica e prática no sentido de inventar alternativas para abreviar o tempo de espera.
Os desvios florescem com facilidade, pois nos momentos indefinidos todas as idéias querem ter a razão e ser portadoras da verdade.
O reformismo coloca-se como o caminho da conformidade para estabelecer negociações nas quais o Estado é o interlocutor entre a luta social e o capital; assim, a revolução se reduz a um sentimento e não vai adiante.
O corporativismo conduz a respeitar as leis para chegar ao poder, depois para garantir a ordem. Assim, vai se perdendo a identidade de classe e se ampliando cada vez mais o horizonte da democracia burguesa, que pode atender, ilusoriamente, a todos os objetivos sem se deixar desmanchar.
b) Flexibilizar a estrutura organizativa para ampliar a participação e formar mais quadros.
A organização é a única forma de fazer as idéias tornarem-se prática revolucionária.
Os militantes e quadros somente podem surgir em grande quantidade se houver a previsão do espaço que devem ocupar. Por isso, a estrutura da organização também é uma opção. Se a referência é uma estrutura vertical, ela terminará sempre em forma de pirâmide e, em última instância, o poder estará concentrado em poucas mãos, como fazem os partidos burgueses. Ao contrário, se optarmos pela estrutura horizontal, esta se torna caudalosa como os rios que se ampliam ainda mais quando chegam ao mar. O poder não está concentrado, embora não se deixe de ter fortes referências.
Para cada tipo de estrutura haverá também uma política de formação. Então a filosofia da organização combina-se com o perfil dos quadros de que ela precisa. Ou seja, se a filosofia for pacifista os quadros terão o perfil da acomodação e sempre utilizarão táticas não ofensivas. Se a ideologia for reformista, os quadros tenderão a se dedicar às negociações e a fazer concessões. Porém, se a ideologia for revolucionária, os quadros tendem a se empenhar em fazer a revolução. As lutas se tornam ofensivas e as idéias cada vez mais críticas, porque a convicção é socialista.
c) Compreender a organização como mais do que um programa
A organização é onde se concentra o esforço coletivo, ela é um lugar, mais do que uma sigla e um programa. Um lugar onde se pensa, se planeja, se age, se avalia, se convive, se desenvolvem valores, a mística e a animação coletivamente. É um lugar onde os hábitos se tornam aprendizado histórico. E a participação é o caminho da formação e do crescimento político constante.
A organização carrega e implementa o programa; sem ela, falta o espaço onde se pode estabelecer as relações políticas entre os mesmos sonhadores.
d) Zelar e desenvolver o referencial ideológico para alimentar a consciência
Entendemos como ideologia não aquilo que “esconde”, mas aquilo que revela o que está escondido, e isso não é tarefa para qualquer ideologia. Somente o marxismo como ciência da história pode nos ajudar a buscar o conhecimento sem distorções.
A consciência é uma força viva, dinâmica que precisa ser estimulada e alimentada permanentemente; caso contrário, ela se desfaz e se refaz de outra forma. O dever de um quadro revolucionário é o de cuidar da consciência, sua e de seus companheiros e companheiras. Alimentá-la corretamente para evitar que se vicie com falsos tratamentos.
A reflexão deve ser uma tarefa permanente para que se possa perceber onde estão surgindo os equívocos para poder eliminá-los a tempo, antes que se tornem prática.
É preciso então uma ideologia revolucionária que revele a todo o instante os passos da revolução. Sem ela não há causa revolucionária, nem utopia.
Os quadros precisam de leituras, tempo de concentração para assimilar a ciência e contestar pontos de vista equivocados. É importante, então, dominar as técnicas de leitura e de estudo, que se adquire pela escolaridade, e acreditar que todo quadro é um excelente autodidata, que busca, por si só, desenvolver os hábitos e as técnicas específicas de estudo e leitura. Quem pensa bem, escreve bem. Quem pensa bem fala clara e simplificadamente.
e) Colocar a ética, moral e valores como referência para produzir cultura política
A formação não é só teoria do conhecimento, mas também do comportamento. É importante dar o testemunho daquilo que diferencia um revolucionário de um reacionário. A busca da transformação é longa e dolorosa, porque muitas vezes temos que agir contra nós mesmos.
A formação é a busca da elaboração de conteúdos para que se possa praticar uma nova moral e para que os valores tenham e mantenham um conteúdo revolucionário.
É preciso então saber combinar objetivos, conteúdos e métodos. Sem isso, perde-se a noção do fazer e do acontecer das coisas.
O “homem novo” descrito por Che Guevara é um ser altamente dinâmico, que aprende a não se deixar dominar por fora nem envelhecer por dentro.
É um ser novo porque tem a coragem de buscar novas idéias e de desenvolver novas práticas. A cultura é filha da capacidade que temos de elaborar e de propor novas práticas e de repeti-las coletivamente.
Não basta lutar para que uma revolução se torne vitoriosa. A luta é apenas uma parte. Ela é a parte na qual se aplica a força, a inteligência, para destruir o velho que atrapalha, seja na esfera social, seja na individual.
Uma revolução não é só destruição e negação. Ela é muito mais construção e afirmação. O grande dilema é saber se aquilo que afirmamos é revolucionário ou se ainda permanece no campo reacionário.
O juízo que fazemos da luta dos contrários, que está em todos os lugares, leva-nos muitas vezes a darmos razão àquilo que desejam os nosso interesses, mas do ponto de vista da revolução pode ser um grande erro.
A luta para mudarmos aquilo que aprendemos de errado em um ano na velha história é muito mais difícil do que enfrentar por uma década inimigos militarmente qualificados.
f) Elevar permanentemente o conteúdo dos princípios
Os princípios se diferenciam dos dogmas por se deixarem modificar quando há necessidade no entendimento político. Na verdade não há mudança, mas uma ampliação, um acréscimo no conteúdo. Essa necessidade se dá pelo avanço das contradições. Pode ser que em um determinado momento, em uma certa conjuntura, o princípio da “direção coletiva” seja compreendido de uma forma na qual poucos quadros podem fazer parte dela; mas, em outro momento, o conteúdo do princípio pode exigir que se amplie a participação e que os quadros modifiquem seu estilo de trabalho prático.
Sempre que as idéias e os métodos se tornam ultrapassados, as forças começam a perder a eficiência. Unificar e tornar consciente a causa é um desafio que não se pode perder de vista. As massas e os quadros têm que ter a mesma causa. Não pode haver diferenças entre o que pensam e o que querem as massas e os quadros.
As massas fazem barulho porque carregam as causas coletivas. Com elas vai a alegria, a beleza e a solidariedade. Os princípios são respeitados quando se tornam convicção na consciência dos quadros.
g) Cuidar dos Quadros
A organização precisa aprender a cuidar de sua “coluna vertebral”, atendê-los em suas necessidades e deixá-los fazer a sua própria experiência.
A organização que não cuida de seus quadros não cuida de si própria, pois a parte mais significativa de sua constituição são os militantes.
A história de uma organização é a história de vida de seus próprios militantes. Saber cuidar deles é extrair das forças humanas a energia necessária para torná-la história.
Uma organização harmoniza-se quando há preocupação do cuidado entre uns e outros. A visão da pertença orienta para isso. Pertencer a um coletivo é integrar-se a ele para agregá-lo ou para estreitar ainda mais as partes para formar um todo. Quando uma das partes se descuida, as outras partes precisam socorrê-la para que não se solte.
Por fim, podemos dizer que há indicativos de que a humanidade está vencendo a ignorância e a desorganização e vive um tempo de dinamismo e evolução.
Mas isso não é o suficiente para livrá-la da decadência da própria civilização. Por isso, pessoas como Istvan Mészáros se arriscam a afirmar que “A humanidade não tem uma infinidade de tempo à sua disposição, tem de enfrentar o perigo de sua auto-aniquilação”.
Aniquilar a humanidade significa aprofundar o estado de barbárie e a destruição da vida no planeta. O capitalismo, portanto, tem mais dilemas do que soluções a apresentar.
Os quadros do século 21 terão a tarefa de interpretar os desafios fundamentais e de apresentar soluções para que eles não sejam mais fortes do que as forças da revolução.
A nossa escola está aberta para esses desafios. Daqui vamos passar em revista o mundo e, como um ponto de partida, sair em busca das soluções.
A nossa escola estará aberta a todas as pessoas e idéias que quiserem participar dela, mas terá uma condição fundamental a cumprir: submeter-se à orientação política e pedagógica de Florestan Fernandes. Ninguém poderá ignorar isso. É com ele que educaremos os nossos quadros e as futuras gerações de trabalhadores e militantes Sem Terra.
Continuemos, companheiros e companheiras, as páginas mais belas da história ainda estão por ser escritas!
formação, organização popular, movimento social, agricultura, camponês
, Brasil
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil