As estatísticas e análises apresentadas aqui circunscrevem-se ao estado de Santa Cruz. Para tais estatísticas foram tomados em conta crianças e adolescentes com idades de 9 a 18 anos.
A Bolívia tem uma extensão de 1.098.581 quilômetros quadrados e uma população de cerca de 9 milhões de habitantes. Conta com nove estados; um deles é Santa Cruz, com 370.000 quilômetros quadrados e mais de 2 milhões de habitantes. A população menor de 18 anos na Bolívia é de 3 milhões, dos quais 1 milhão vive no departamento de Santa Cruz.
Cultivo, produção e consumo
A atividade industrial açucareira inicia-se na Bolívia em 1941 e já naquela época existiam no departamento de Santa Cruz cerca de 3.000 hectares cultivados de cana-de-açúcar. Com ela se produzia açúcar mascavo e álcool; foi em 1944 quando se fabricou pela primeira vez açúcar branco cristalizado.
Paralelamente à produção local, também se importava açúcar. Já na década de 60, a Bolívia se auto-abastece de açúcar e inicia uma etapa de exportação. Nas décadas seguintes a importação só ocorreu em casos excepcionais por questões climatológicas ou baixas nos preços internacionais.
Atualmente, a área de produção de cana-de-açúcar no departamento de Santa Cruz está localizada em nove municípios: Andrés Ibáñez, La Guardia, El Tomo, Cotoca, Warnes, Portachuelo, Montero, Mineros e General Saavedra. Esta zona abarca mais de 100.000 hectares cultivados. De acordo a sua extensão, as propriedades são classificadas em pequenas, até 20 hectares; médias, de 20 a 50 hectares; e grandes, maiores de 50 hectares. As pequenas e médias propriedades representam 35% e as grandes 65% dessa área.
Santa Cruz conta com quatro usinas produtoras: San Aurélio, La Bélgica, Guabirá e Unagro, as quais em conjunto produzem pouco mais de 1 milhão de toneladas de açúcar por safra.
Em relação à produção de álcool, este sempre foi para uso doméstico, farmacêutico e para preparação de bebidas alcoólicas. Em julho de 2005, o governo emitiu uma lei pela qual os produtores de combustíveis poderão acrescentar álcool de cana-de-açúcar na proporção entre 10 e 25 por cento, em período de aplicação industrial de cinco anos. Não há cifras oficiais acerca das quantidades produzidas de álcool.
Migração
O crescimento da indústria açucareira tem repercutido também no aumento das extensões dos cultivos de cana e, conseqüentemente, a implementação, cada vez maior, de maquinário de safra. Mas, apesar desse crescimento tecnológico, a indústria continua precisando de mão-deobra. Durante os meses de maio a outubro, período em que é realizada a safra no departamento de Santa Cruz, cerca de 30.000 pessoas se mobilizam, em geral organizadas em grupos familiares. De maneira direta ou indireta, participam 7.000 crianças e adolescentes menores de 18 anos; 27% deles declaram ter chegado sozinhos porque seus pais precisavam cuidar de suas casas ou bens.
Metade desta mão-de-obra é de Santa Cruz e o restante vem principalmente dos estados de Chuquisaca e Potosí. Nessa situação, a mudança radical das condições de seu hábitat torna-se o primeiro desafio que os migrantes precisam enfrentar, já que vêm de zonas altas com clima seco e frio. Estas famílias não estão preparadas para as altas temperaturas, a umidade, as mudanças violentas de clima e a agressividade tropical da região, e as crianças são as mais afetadas.
Embora se trate de indivíduos e famílias que migram temporariamente para diminuir sua situação de extrema pobreza, uma vez finalizada a safra, muitos acabam não retornando para seu lugar de origem. Preferem ficar, oferecendo sua força de trabalho em outros cultivos, ou então procurando serviço em outros ofícios nas comunidades próximas mais urbanizadas ou mesmo na cidade de Santa Cruz.
Um efeito da migração durante e após a safra – para aqueles que ficam – é o choque cultural, manifestado principalmente na comunicação idiomática e formas de vida, como vestimenta e alimentação, Muitos sofrem discriminação, desprezo e humilhação no trato cotidiano por parte dos contratadores e inclusive de outros trabalhadores e habitantes locais.
Trabalho e condições de vida dos menores de 18 anos
Embora as crianças menores de nove anos que vêm com as famílias sejam talvez as que mais sofram os efeitos negativos da mudança na época da safra, tomaremos aqui somente o grupo conformado pelas idades entre 9 e 18 anos que, de uma forma ou de outra, participam ativamente na safra. As estatísticas e análises apresentadas estão embasadas em manifestações dos próprios protagonistas.
O contrato, que de modo geral é verbal, ocorre entre o produtor de cana e o contratador e deste último com o trabalhador adulto (homem ou mulher). Assim, o trabalho de adolescentes menores de 18 anos fica oculto e, portanto, desprotegido, pois eles “não estão contratados”. E, para os adultos, são só “ajudantes”.
Em maior quantidade, e em especial os meninos, dedicam-se ao corte da cana. As meninas se encarregam das atividades que denominam “labores de casa” (cozinhar, lavar, cuidar das crianças pequenas, etc.) e seu apoio na safra é principalmente no armazenamento da cana.
Cumprem jornadas de trabalho de até 12 horas. O pagamento é recebido por tonelada de cana cortada. Gastam o dinheiro principalmente com alimentação e roupa, restando muito pouco para guardar. 25% das meninas declaram que não recebem nenhum pagamento.
Os maiores riscos a que estão expostos – tanto meninos como meninas – são os cortes com facão e as picadas de cobras. No caso particular das meninas são as queimaduras. Os meninos manifestam que o aspecto mais negativo da época de safra é o trabalho muito duro, e para as meninas, é cozinhar. Em menor escala estão as condições climatológicas, dormir pouco, a sujeira, as brigas e deixar seu lugar de origem (eles sentem falta da família e da comunidade à que pertencem).
A atenção à saúde é deficiente, só 9% declara que recebe atendimento no acampamento onde permanecem durante a safra, essencialmente em primeiros socorros. Em especial, as crianças e mulheres são as que mais sofrem. Não recebem nenhum tipo de seguridade social ou industrial. Crianças e adolescentes em companhia de adultos moram amontoados em acampamentos precários.
cana de açucar, agrocombustible, produção agrícola, condições de trabalho
, Bolívia
Agroenergia: Mitos e impactos na América Latina
Os textos e o manifesto “Tanques Cheios às Custas de Barrigas Vazias” foram apresentados no Seminário sobre a Expansão da Indústria da Cana na América Latina, de 26 a 28 de fevereiro de 2007, em São Paulo.
Este dossiê « Agroenergia: Mitos e impactos na América Latina » está também disponível em inglês, espanhol e francês.
Gerardo Burgos Lino, Seminario Sobre la Industria de la Caña de Azúcar en América Latina, São Paulo- Brasil, del 26 al 28 de febrero de 2007.
Trabajo infantil en la zafra de la caña de azúcar: Una evaluación rápida. Burgos Lino Gerardoand others, ILO, 2002
Diario El Deber.
Instituto Nacional de Estadísticas.
Information from UNICEF.
Information from ILO.
Information from ABI (Agencia Boliviana de Noticias).
Personal interview with sugarcane producer.
Personal interview with adult harvester and young harvester.
Personal interview with departmental worker authority.
Proyecto nichos de mercado para el azúcar boliviana. Fundación Bosque Húmedo. 2005
El campamento cañero como escenario de encuentro intercultural, Fernando Rivero. Revista NUMERO UNO, mayo 2005
Documento institucional DNI-Bolivia. 2004
Comissão Pastoral da Terra - Rua Esperanto, 490 - Recife, BRASIL - Tel. / Fax: 55-81-3231-4445 - Brasil - www.cptpe.org.br - cptpe (@) terra.com.br
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos - Rua Castro Alves, 945 - São Paulo, SP, BRAZIL - Tel.: 011 3271 1237/3275 4789 - Fax.: 011 3271 4878 - Brasil - www.social.org.br - rede (@) social.org.br