No período de 23 até 30 de maio de 2005, nós e um grupo de trabalho recebemos como convidado o beneditino brasileiro e teólogo da libertação Marcelo Barros. Vários encontros em Flandres, Valônia e Bruxelas fizeram reviver em muitos a teologia da libertação, que alguns julgam morta. Os pontos altos da turnê foram o lançamento de seu 26o livro, ‘De spiritualiteit van water’ (Editora Averbode, 2005 [em português: ‘O espírito vem pelas águas’ – editora Rede-Loyola, 2003]), e o encontro espiritual no fim de semana com Bernard Besret, da França. Durante este fim de semana, ficamos sabendo que o mosteiro transreligioso, em Goiás, é uma iniciativa baseada no que Bernard Besret tentou implantar, nas décadas de 60 e 70, em Boquen (antiga abadia na Bretanha) (1).
Notícias negativas sobre o Brasil
O mosteiro em Goiás não é uma ilha religiosa. Os focos principais são ecologia e paz. A comunidade tem um forte vínculo com os pobres e com os sem-terra da região. Em suas cerimônias, é a coisa mais normal do mundo ceder espaço para o candomblé, espiritualidade indígena, hinduísmo, budismo e outras tradições religiosas.
Pouco antes da chegada de Marcelo, foram veiculadas – por duas vezes – notícias negativas sobre o Brasil: os manifestantes sem-terra em sua marcha rumo à capital foram violentamente dispersos ao chegarem em Brasília (o próprio Barros levou uma pancada no ombro) e todos os veículos de comunicação noticiaram que, em 2004, o desmatamento na região amazônica aumentou para 26.130 km2 (2).
Trabalho político e mudanças no próprio estilo de vida caminham juntos
A luta pela redução do uso de soja na ração animal e aumento na utilização de soja sustentável no consumo humano tem tudo a ver com os sem-terra e a rápida destruição dos ecossistemas no Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia. A luta por terra, água, ar e fogo está relacionada com a espiritualidade. Espiritualidade terrena. Espiritualidade da libertação, que permeia as religiões e instituições existentes.
Agora é a hora de vincular esta mobilização política a mudanças no próprio estilo de vida. Por exemplo, no padrão de consumo de alimentos. Para tanto, convidamos Tine Becuwe para preparar as refeições durante o fim de semana com Besret e Barros. Sua maior fonte de inspiração é a macrobiótica. Não pretendemos converter todos a uma determinada culinária, mas um fim de semana de imersão nesta culinária fina pode fazer com que as pessoas reflitam, além de estimulá-las a fazer mudanças. Entre a grande diversidade de grãos, verduras, legumes e frutas, a soja também é um dos ingredientes. Soja: desta vez não para alimentar frangos, perus, porcos, peixes ou gado, mas pessoas e – sobretudo – diretamente numa grande variedade de pratos. É diferente da degustação de diversos produtos de soja preparados por uma senhora brasileira, Marlene Zorzan, durante a ‘mesa redonda sobre Soja’, em Foz do Iguaçu, e nosso seminário internacional, em Chapecó. O uso da soja na culinária é muito diverso. O ouro verde não precisa, necessariamente, ir parar no cocho dos animais.
‘Het Geleeg’ – 30 anos de atividade
Durante o fim de semana, Katrien Smeets, mãe de Tine, suspira: “Será que não devíamos buscar um caminho para vincular ‘mudança de hábitos alimentares’ à luta pela preservação da biodiversidade em nosso planeta?” Macrobióticos e manifestantes pela preservação da floresta amazônica de mãos dadas: um sonho impossível ou uma possibilidade real? Eu prometi a ela escrever esta crônica. Para alimentar os sonhos – e também porque eu acredito neles.
José Ghekiere e Alice Dams, de ‘Het Geleeg’ (3), um centro em Lubbeek que há 30 anos luta por uma alimentação justa, freqüentemente me confidenciam o mesmo: “Wervel luta por uma agricultura justa e responsável? Tudo bem, mas como seus próprios membros lidam com sua alimentação? Por exemplo, eles mastigam os alimentos suficientemente? Talvez seja só um detalhe, mas se as pessoas comessem mais lentamente e mastigassem os alimentos por mais tempo, a quantidade de alimentos necessários seria muito menor. Nossa visão sobre alimentação ‘justa’ não se restringe ao ‘ato’ de ‘alimentar-se’, a ‘prática’ da alimentação é decorrente de uma visão global relacionada com justiça como condição imprescindível para a paz.” ‘Het Geleeg’ não inclui soja no seu cardápio, mas sim frutas, verduras, nozes e sementes. É bom que existam diferentes escolas que ofereçam alternativas para lidar de maneira diferente e melhor com alimentos.
A entrevista que Tobis Lenaert, de Eva, fez comigo foi muito animadora. Desde então ele também está extremamente preocupado com o drama da soja e expôs a dimensão social e ecológica da soja num congresso internacional sobre vegetarismo em Florianópolis (4).
Sem dúvida os macrobióticos (5) estão abertos àquilo que está em jogo no mundo.
Eles decidem diariamente sobre vida e morte em seus pratos.
Aliás, nós também.
cultura de paz, agricultura e alimentação, comunidade religiosa, soja
, Brasil, Bélgica
Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano
Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.
Livro
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