Na primeira publicação de Wervel, em setembro de 1990, falávamos do poder do capital financeiro. Tratava-se de uma análise da Política Agrícola Comum na Europa (1). O capital financeiro representa o entrelaçamento dos banqueiros com diversos ramos do agronegócio. Juntos eles moldam o modelo agrícola dominante. Em todo o mundo, eles mantêm agricultores e agricultoras sob controle. Ou, dito de maneira mais dura: o capital financeiro exaure, sistematicamente, o meio rural e sua população.
Capital financeiro internacional
Tendo a Política Agrícola Comum como instrumento, este processo pôde ser consolidado na União Européia. Dia após dia, entra ano, sai ano, os bancos obtêm lucros astronômicos. Seus templos nas cidades são as orgulhosas testemunhas disso (2). Que as Monsantos e Cargills do mundo estão bem de vida, nós já demonstramos repetidas vezes. Vamos agora falar dos ovos de ouro que os bancos possuem.
Bem, os bancos têm um ‘problema’: não há mais espaço para aplicar todo o dinheiro acumulado no seu próprio continente. Além disso, os juros em nossas terras são tão temperados quanto nosso clima.
Sem desespero: o capital financeiro é, por definição, ‘capital financeiro internacional’.
Tomemos como exemplo o Rabobank. As atividades empresariais internacionais do Rabobank rendem aproximadamente 30% do resultado total. O banco ‘cooperativo’, fundado por pequenos agricultores holandeses, reservou para os próximos anos US$ 150 milhões para criar uma carteira de crédito de US$ 2 bilhões no Brasil. Ele quer abrir 25 novas agências nesse país. ABN-Amro, da mesma Holanda, já atua há anos nas cidades brasileiras. O Rabobank (3) não pode, é claro, faltar no meio rural!
Mas qual meio rural eles têm em vista? O membro da diretoria do Rabobank, Rik Van Slingelandt, diz: “Lá há estabelecimentos agrícolas que têm o mesmo tamanho da Holanda. Nossos clientes são grandes fazendas, quase indústrias, com valores de US$ 50 milhões ou mais, com faturamentos que chegam, às vezes, a US$ 40 milhões e 70 funcionários. São os grandes estabelecimentos que são o alvo do Rabobank, não só no Brasil, mas também na nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Um crédito de meio milhão não é interessante para nós.”
A concessão de crédito internacional a estabelecimentos agrícolas e à indústria de alimentos torna-se cada vez mais importante para Rabobank. No Brasil, o banco logo terá sua quarta rede bancária para o setor agrícola fora da Holanda. Mas ainda há mais: “Estamos analisando seriamente as oportunidades no leste europeu e na América Latina, entre outros no Chile. Na China, o governo solicitou nossa ajuda na reestruturação de um banco cooperativo. Pode ser muito bem o começo de algo mais.”
Por que especificamente o Brasil?
Potencialmente, o Brasil é uma das grandes potências agrícolas mundiais. A batalha entre dois modelos agrícolas é, portanto, muito acirrada.. O governo Lula acredita que é possível agradar a gregos e troianos. Por isso ele tem dois ministérios da agricultura e dois (sic) sistemas de financiamento para dois (resic) modelos agrícolas. É óbvio quem é o mais favorecido. Para o ano agrícola de 2004-2005 o governo fez uma previsão de R$ 7 bilhões para a agricultura familiar e R$ 39,4 bilhões para a agricultura patronal. Comparados com 2003-2004, os empréstimos e subsídios para a agricultura familiar aumentaram nominalmente, mas diminuíram percentualmente. O apoio aos diferentes sistemas agrícolas ocorre principalmente na forma de juros subsidiados. No Brasil, estes juros são uma história bem diferente para Rabobank & Cia. do que na Holanda. Os juros oficiais estão na faixa de 18% a 20% ao ano. Os bancos têm coragem de cobrar juros de 40% a 50%. Por muito menos já valeria à pena cruzar o oceano para financiar o megassojicultor Blairo Maggi; para que ele, em ritmo acelerado, derrube a floresta amazônica.
Fundação Rabobank e as migalhas do banquete mundial
À luz dessa política expansionista, não é extraordinariamente cínico que – simultaneamente – abram o porta-níqueis para oferecer ajuda aos pequenos?
A ‘Fundação Rabobank’ faz ‘boas ações’. No Programa de Desenvolvimento do Rabobank fala-se de US$ 25 milhões para atividades de microcrédito em 15 ‘países em desenvolvimento emergentes’. O Brasil é um desses ‘países emergentes’. Os números falam por si: US$ 25 milhões em 15 países e US$ 150 milhões para concessão de crédito à agricultura patronal e exportadora no Brasil.
A expansão do Rabobank fora da Holanda significa que o banco envia cada vez mais funcionários pelo mundo. Para finalizar, Rik Van Slingelandt afirmou ainda: “No Brasil, nós estamos fazendo uso da reserva de recursos humanos que adquiriu experiência com a implantação do banco na América e Austrália. Na Holanda, iniciamos uma campanha para enviar pessoas para o mundo todo. Não se trata tanto de transferir conhecimento, mas sim de implantar nossas normas e valores. E se estes conflitarem com os costumes locais, então as nossas normas terão que prevalecer.”
Alô-ô? Voltamos ao ‘Século de Ouro’, quando os holandeses dominavam os sete mares e impunham suas normas e valores aos ‘selvagens’? Ou estas idéias vêm do Congo, do rei Leopoldo II, Rei dos Belgas, do fim do século XIX?
Ainda dá para lutar contra isso?
A Articulação Soja na Holanda confrontou – com seu DVD ‘Ouro Verde’ e sua campanha voltada para as empresas – o Rabobank com a triste realidade no paraíso tropical. Será que é sensato que Rabobank continue financiando o ‘Rei da Soja’, Blairo Maggi?
Netwerk-Vlaanderen [Rede-Flandres] já realiza há algum tempo uma campanha bem-sucedida, com o tema ‘bancos e a indústria de armamento’. Será que uma campanha ‘bancos e a agroindústria’ é uma das possibilidades? Poderíamos investigar como bancos como KBC, de Flandres, e Rabobank, da Holanda, partem para conquistar o mundo. Na rota dos piratas portugueses do século XVI, em busca de riquezas em terras distantes
18 de maio de 2005.
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, Brasil, Países Baixos
Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano
Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006
Livro
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