Texto integral do documento produzido num seminário sobre desenvolvimento local em Portugal e em Africa
(Déclaration de Sintra: Recommandations pour les politiques et pratiques de développement local)
08 / 1998
1. A vertente económica do Desenvolvimento
Os problemas sócio-económicos do desenvolvimento que os nossos países enfrentam são, pelo menos aparentemente, diferentes: em Portugal, como no resto da europa, crescem as preocupações com o desemprego e a exclusão ; em µfrica, a pobreza de largas proporções nos campos e sobretudo nas cidades, bem como as deficiências dos Estados, criam situações mais visíveis mas provavelmente de natureza semelhante. Os trabalhos das ONG, Associações e projectos locais, o chamado campo da economia social, tem provado ser uma via com saídas sustentáveis - mas é urgente ampliar o seu efeito, multiplicando-o e criando sinergias regionais e intercontinentais. Assim, é urgente promover:
- A organização, a nível de cada Estado e também conjuntamente, de sistemas protectores destas experiências, criando condições para o seu desenvolvimento: enquadramento legal e apoio aos projectos de crédito e poupança, protocolos com a Banca e o Estado que possibilitem empréstimos em condições menos pesadas, facilidades fiscais e alfandegárias que aliviem a situação actual de quase estrangulamento, promoção de ligações produtores/consumidores, ... ;
- A promoção do "comércio alternativo", já hoje com significativa expressão na Europa, nos dois sentidos: intensificação da participação de produtos africanos que não resultem da injusta exploração de mão-de-obra barata, nas grandes feiras em Portugal e apoio a redes estáveis de comercialização de produtos destes projectos, como as existentes noutros países da Europa ; mas também incentivos à exportação, de Portugal para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, de produtos de qualidade em várias gamas de preços, nomeadamente originários de zonas de intervenção destes projectos, que devem ter uma participação assegurada nas "embaixadas comerciais" gerais ou específicas - do ICEP e de outros organismos, bem como de associações empresariais ;
- O estudo conjunto, entre os Estados e as ONG-Associações, de como estão a decorrer, nas suas regiões e globalmente, diversas experiências de comércio e financiamento alternativos ;
- A criação, em conjunto com as Plataformas, Fóruns e Redes de ONG e Associações, e com Universidades e Centros de Investigação, de um Observatório da CPLP sobre as economias informais ;
- A dinamização co-responsável e apoio a uma iniciativa a ser coordenada pelo CIDAC: a Conferência Electrónica em Português sobre o Desenvolvimento, a lançar na Internet ;
- A transparência não só das e nas ONG e Associações, mas também dos poderes públicos: nas tomadas de decisão e respectivos critérios, na publicação e prestação de contas, nomeadamente quanto à atribuição de subsídios e fundos, respectivos prazos e processos.
2. A Formação e o Desenvolvimento
É clara a necessidade de se identificar, estudar e programar a formação/educação a nível local, ajustando os sistemas e respostas às necessidades e realidades sociais, de mercado, culturais e individuais. Assim, deve-se promover a flexibilidade da formação, a sua globalidade - ligando a formação psico-social à técnico-profissional - e a rentabilização de todos os mecanismos de formação: contínua, à distância ou através de contactos e intercâmbios, participada e articulada, com espaços de reflexão e avaliação também para os formandos, com formação para o auto-emprego. Concretamente, propomos:
- O estudo e revalorização das profissões tradicionais, como forma de fixar e promover as comunidades, sobretudo as rurais ;
- O assumir das obrigações dos Estados, que devem garantir o ensino/formação básico, gratuito e obrigatório, criando condições objectivas e subjectivas para que todos (crianças, jovens, adultos e velhos)tenham oportunidades de acesso à educação básica ;
- A descentralização da educação/formação ;
- A sua adequação a cada região, comunidade e grupo ;
- A experimentação de metodologias diversificadas e específicas de ensino/formação ;
- A promoção de um papel mais global e interveniente dos formadores ;
- A gestão da formação com rigor e profissionalismo aos vários níveis ;
- E, no fim, mas não por último, educar para a participação, procurando sempre a maior intervenção da sociedade civil.
3. Participação cívica e política
Não só as dinâmicas locais integradas se reforçam em quase todo o mundo, como também assistimos e participamos num movimento de multiplicação de redes que ligam estes, diversos, esforços locais. O princípio das "redes cruzadas" (a participação em diferentes sistemas de comunicação e intercâmbio, que permitem aprofundar a reflexão, melhorar as práticas, enriquecer os processos, desenvolver solidariedades e aumentar os impactos)é de se incentivar, não sendo incompatível com as necessidades de coordenação - nomeadamente ao nível da CPLP.
Por outro lado, as tendências positivas actualmente existentes para a descentralização e a participação responsável da sociedade civil não podem, no nosso entender, implicar ou permitir uma demissão dos Estados face às suas obrigações.
Considerando estes pressupostos, importa:
- Aumentar, bilateralmente, a troca de informações sobre projectos actuais ou potenciais, e sobre as actividades desenvolvidas ;
- Promover os intercâmbios através de encontros, visitas e estágios ;
- Estabelecer redes de comunicação descentralizada via Internet, nomeadamente a já referida Conferência Electrónica - o que, no caso da maioria dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, implica por parte dos Estados e Empresas Públicas competentes um esforço de aceleração na criação de condições adequadas em infraestruturas de telecomunicações ;
- Promover encontros bienais, rotativos, sobre temas específicos de interesse comum ;
- Estabelecer trocas de informação sobre os mecanismos das organizações multilaterais de cooperação, de forma a alargar os acessos, delinear respostas conjuntas e aumentar a sua adequação ;
- Aprofundar o conhecimento das sociedades civis de cada País, divulgando com relevo os seus aspectos inovadores ;
- Criar condições para que as organizações da sociedade civil participem nos eventos promovidos pelos nossos governos/Estados ;
- Descentralizar e reforçar ou criar os poderes locais - autarquias, autoridades tradicionais, conselhos locais rurais ou urbanos, ... ;
- Estimular o reconhecimento, pelos Estados, do papel crescente e fundamental da sociedade civil, criando condições para a sua participação por direito na concepção e promoção do desenvolvimento económico e social.
Declaração final de um seminário sobre o desenvolvimento local em Portugal e em µfrica, com a duração de dez dias, realizado em Sintra (Portugal)em Julho de 1996, com a participação de ONG (organizações nao governamentais), associações e serviços da administração local, provincial ou nacional de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Portugal. Consiste nas conclusões e recomendações aos poderes legislativos, executivos, judiciais, locais e tradicionais e às sociedades civis - cidadãos e respectivas organizações - dos Países de Língua Portuguesa.
Também disponível em francês, inglês.
Déclaration finale de rencontre
1996/07/09 (Portugal)
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