Maria do Socorro Martins CALHÁU
06 / 1996
Discutir formação hoje no Brasil é tarefa urgente e ingrata. O fórum de Debates sobre Formação de Educadores está tentando animar uma discussão sobre formação reunindo pessoas de várias instituições e conseqüentemente com pontos de vista diferenciados. Apesar disto, estamos tentando partir dos pontos de convergência e, desta forma, fazer uma conversa que seja plural e coerente.
Os cuidados que estamos tendo não torna a tarefa mais fácil. Tentando refletir sobre o assunto e encontrar uma forma adequada de conduzir a discussão, sinto necessidade de conversar também com uma professora, um professor. Alguém que, diferente de mim, não pode mais estudar, não trabalha num ambiente rico de discussões e questionamentos e que, muitas vezes, por conta de sua condição financeira, não tem podido ao menos ler um jornal. Um professor, uma professora, iguais aos milhares que existem neste país. Sinto falta dessas falas. Queria muito ouvir seus desejos, sonhos. Queria saber se o que eu penso que eles necessitam é mesmo uma necessidade ou se estou tendo a pretensão de adivinhar-lhes os desejos. Tenho medo. Medo de pensar uma escola somente dos nossos sonhos, dos nossos desejos.
Pensar a formação precisa ser antes de mais nada um exercício de pensar o nosso etnocentrismo. Há que se saber os desejos de uma gente que não está sendo convidada a dar a sua opinião. Os professores têm vivido os processos de formação da forma mais inadequada possível. Os livros didáticos, em grande parte de qualidade duvidosa, e os vídeos são uma imposição "goela a baixo" gerados por grupos que, muitas vezes, jamais entram em uma sala de aula. Na sala de aula de uma universidade, talvez, mas eu falo daquela sala de aula dentro de uma fazenda como a que eu estive por cinco anos como professora da rede estadual no município de Vassouras. A construção era uma senzala desativada, sem água nem luz. Giz, caderno, lápis, nem pensar. Três salas, três professoras e duzentas crianças e nós recém formadas, sem saber o que fazer. Os alunos: piolho, sarna, diarréia, disritmia, mordida de cobra, fome.
Apesar da minha experiência na Escola Estadual Dr. Armênio da Rocha Miranda na Fazenda de Ubá ter sido na década de setenta, a situação pouco mudou. Estou sempre por lá e converso com as professoras que, como eu, naquela época, não sabem como lidar com os problemas.
Eu gostaria muito que este fórum de debates criasse uma instância de interlocução com estes professores. Algum instrumento que desse conta de ouvir os desejos dessas pessoas, saber das coisas que lhes desagradam e que lhes dão prazer.
O debate sobre a formação precisa, pelo menos num primeiro momento, sair do âmbito dos vídeos e livros didáticos, dos "treinamentos" e "reciclagens" e se voltar para dentro deste ser humano que para resistir está travando uma verdadeira batalha na busca de uma prática educativa minimamente possível dentro de tantas adversidades.
Palavra de professora.
éducation populaire, éducation
, Brésil, Vassouras, Rio de Janeiro
Através do insentivo à produção e leitura de fichas de capitalização de experiências pedagógicas, a rede BAM pretende favorecer a um processo de formação continuada junto a coletivos de educadores de jovens e adultos (hoje, existentes nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco). Está apoiado numa metodologia que valoriza a autoria e promove a interação entre educadores de diferentes contextos.
Texte original
SAPÉ (Serviços de Apoio à Pesquisa em Educaçào) - Rua Evaristo da Veiga, 16 SL 1601, CEP 20031-040 Rio de Janeiro/RJ, BRESIL - Tel 19 55 21 220 45 80 - Fax 55 21 220 16 16 - Brésil - sape (@) alternex.com.br