Focalização
Focalizar o programa para as camadas mais pobres da população é a principal característica da TCR, representando, assim, uma ruptura positiva com antigas práticas na América Latina e no Caribe, e possibilitando mecanismos verificáveis e transparentes de distribuição de assistência social (Lindert; Skoufias; Shapiro, 2006).
Os principais métodos de focalização empregados por esses programas incluem testes de elegibilidade multidimensional e testes de elegibilidade e focalização geográfica, muitas vezes combinados. O Oportunidades, por exemplo, aplicou uma rodada inicial de focalização geográfica, seguida por um teste de elegibilidade multidimensional. Na Nicarágua, foi empregada a focalização geográfica, seguida pela exclusão de pequena porcentagem de famílias não-pobres com base em características facilmente observáveis. (4)
O grau de descentralização, de forma direta, no processo de focalização – em termos de participação dos governos federal e municipal e da comunidade –, varia de acordo com cada programa. Pode ser centralizado mesmo quando a administração efetiva do programa é altamente descentralizada, e vice-versa. Na focalização geográfica do Praf II, do RPS e do Oportunidades, a seleção da comunidade é feita de forma centralizada, utilizandose dados federais baseados em um mapa da pobreza. A seleção das famílias é feita pelas autoridades centrais.
David Coady, Margaret Grosh e John Hoddinott (2004) analisaram as experiências de focalização de diversos programas sociais no mundo inteiro. Eles constataram que os programas de transferência de renda examinados apresentam vários casos que vão de desempenhos excelentes a sofríveis.
Os melhores resultados são encontrados nos que usam testes individuais de elegibilidade, seguidos pelo método de direcionamento característico (ou por categoria) e, finalmente, pela auto-seleção. Todavia, em razão da extrema variação de desempenho entre os diversos tipos de direcionamentos – até mesmo os testes de elegibilidade multidimensional (proxy means test), muito populares na América Latina –, o determinante mais significativo do sucesso do direcionamento é, com freqüência, a capacidade de implementação específica de cada programa.
Kathy Lindert, Emmanuel Skoufias e Joseph Shapiro (2006) constataram que os programas de TCR, quando comparados a outros tipos de assistência social e de gasto social na América Latina, são, de modo geral, relativamente bem direcionados e bastante redistributivos. A focalização geográfica, utilizada sozinha, é mais viável quando a população pobre está geograficamente concentrada e os índices globais de pobreza são altos, como constataram em muitas áreas rurais da América Latina e do Caribe. Por exemplo, os índices de pobreza das comunidades-alvo na Nicarágua e nas áreas rurais do México eram de cerca de 70%. Assim, a focalização geográfica utilizada sozinha, mas acoplada a pequenos ajustes baseados em características óbvias, funcionou bem na Nicarágua.
Mas à proporção que os programas de TCR se expandem para áreas menos marginais, a focalização geográfica poderá não ser mais viável e o beneficio relativo do emprego da focalização domiciliar crescerá. (5) Além disso, Emmanuel Skoufias, Benjamin Davis e Sergio de La Vega (2001) constataram que nas áreas rurais, no caso do Oportunidades, a própria focalização geográfica está perdendo robustez, visto que as comunidades se tornam menos marginais.
Um ponto fraco até agora observado nos mecanismos de focalização é o papel da participação da comunidade. Alguns programas, tais como o Oportunidades, buscaram isolar o processo de seleção das pessoas mexicanas beneficiadas do processo político local (e nacional), reduzindo o mecanismo de seleção domiciliar a um algoritmo – processo conduzido a partir da Cidade do México, com verificações rápidas na comunidade.
A descentralização do processo de focalização tem sido defendida com o argumento de que o conhecimento local pode ser utilizado de forma mais eficiente na identificação das pessoas pobres. As instituições locais dispõem de melhores condições para executar esse direcionamento, dada a existência de poucas camadas burocráticas e de maior responsabilidade entre os cidadãos (de Janvry; Finan; Sadoulet; Nelson; Lindert; de la Brière; Lanjouw, 2005).
Os que defendem estruturas mais centralizadas de focalização argumentam que a participação da comunidade pode muito facilmente desembocar na captura dos programas pela elite. Estudo de Ghazala Mansuri e Vijayendra Rao (2004) afirma que não há evidências claras de que a participação da comunidade na focalização traga melhores resultados em termos de direcionamento.
De qualquer forma, a questão da escolha entre os métodos de focalização centralizada e descentralizada pode estar sujeita à mesma observação, citada anteriormente, feita por David Coady, Margaret Grosh e John Hoddinott (2004). Há boas razões teóricas para o emprego de cada uma dessas abordagens, mas o sucesso final dependerá da realidade da implementação (Handa; Davis, 2006).
Prós e contras
Embora orientados para a redução da pobreza, a TCR tem impacto considerável sobre várias dimensões da segurança alimentar. Facilita o acesso cada vez maior aos alimentos, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade – e isso em curto prazo, por meio da transferência direta de dinheiro –, além de, no futuro, propiciar maior acesso aos alimentos pela acumulação de capital humano.
Os programas de transferência de renda aprimoram a utilização dos alimentos incentivando uma demanda cada vez maior por nutrição e serviços de saúde. Finalmente, reduzem a vulnerabilidade à insegurança alimentar dos domicílios das pessoas beneficiadas. Será, entretanto, que constituem a melhor política de segurança alimentar? Depende da natureza da insegurança alimentar em determinado contexto: quem sofre de insegurança alimentar, o que é e qual é a natureza da insegurança alimentar.
Se a insegurança alimentar for uma questão de falta de acesso em áreas onde existem mercados em funcionamento, a TCR poderia, certamente, constituir uma parte da solução. Se for uma questão de desnutrição infantil, então a TCR terá, certamente, impacto positivo. A TCR não constitui, entretanto, a melhor política se a compararmos à transferência direta incondicional às mães ou ao aprimoramento da qualidade dos serviços e à promoção de seu uso.
Além disso, os programas de transferência condicionada de renda levantam problemas para as iniciativas existentes ou planejadas de segurança alimentar. Comandam recursos financeiros e institucionais cada vez maiores – o que poderá vir a asfixiar os programas especificamente voltados para a segurança alimentar.
Pior, a orientação quase exclusiva para acumulação de capital humano, como solução para o desenvolvimento rural, minimiza a importância estratégica do setor de pequenos produtores na agricultura, em termos de alivio à pobreza e redução da insegurança alimentar. Dessa forma, drena o apoio político para programas voltados a esses setores.
Por outro lado, tais programas representam uma formidável oportunidade de combate à fome. Primeiramente, porque se traduzem em um fluxo de recursos financeiros em direção aos domicílios mais pobres e que sofrem de maior insegurança alimentar nas áreas rurais mais marginais. Em segundo lugar, pelo fato da ênfase no crescimento da demanda tanto de serviços de saúde quanto de serviços de nutrição, ser componente crucial para assegurar a segurança alimentar.
De qualquer forma, os programas estão em movimento e nada, em um futuro previsível, sinaliza a desaceleração de sua expansão e seu aprofundamento. A questão de maior relevância seria saber como introduzir a TCR com maior impacto e conteúdo possível na segurança alimentar sem asfixiar outros programas necessários. As partes envolvidas na segurança alimentar, incluindo a FAO e o Programa Especial para a Segurança Alimentar, precisam formular estratégia coerente a esse respeito.
sécurité alimentaire, pauvreté, lutte contre la pauvreté, politique sociale, revenu minimum
, Brésil
REFERÊNCIAS
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