Definição: o que entendemos por finanças solidárias na França?
Pauline GROSSO, Rosemary GOMES
06 / 2003
Conceito
Entende-se por finanças solidárias um sistema financeiro concebido para encaminhar, através de estruturas e ferramentas especializadas, financiamentos para projetos geradores de desenvolvimento econômico sustentável e de integração social.
Na França as finanças solidárias surgiram no início dos anos 80 com o intuito de propiciar:
Recursos financeiros para criação de pequenas atividades econômicas, consideradas uma forma de luta contra o aumento do desemprego.
Uma oportunidade para a população se envolver concretamente na construção de uma sociedade economicamente mais justa e transparente, oferecendo alternativas de aplicação de seu capital através de poupança solidária.
Ao contrário das instituições financeiras solidárias do Hemisfério Sul, as instituições mutualistas financeiras (IMFs) na França geram através de suas intervenções uma ligação entre poupadores (com recursos financeiros) e devedores (sem recursos financeiros), atribuindo um caráter ético a sua poupança. Um laço social é criado entre à população com capacidade de financiamento (mais favorecida) e os que se encontram excluídos dos circuitos tradicionais (mais pobres).
As instituições financeiras solidárias intervêm numa lógica de trocas e numa base econômica; trata-se de financiamentos concedidos a atividades econômicas os quais deverão ser devolvidos e não apenas de ação social baseada na doação. Os primeiros atores apareceram desde o início sob formas muito variadas:
Associações de pessoas (com estatuto de indivisão) preocupadas em auto-gerir a poupança a fim de aplica-la na criação de empresas (os clubes Cigales)
Associações que se especializaram no financiamento de microempresas ou empresas de inclusão, através de parcerias bancárias (Adie, France Active)
Sociedades de capital de risco usando uma forma original de financiamento: o aporte financeiro que possibilita tornar-se sócio da empresa financiada
Sociedades financeiras, tipo microbancos alternativos, cerca de 15, aglomerados na rede Finansol
As instituições financeiras solidárias têm uma aproximação específica com o público tanto no tipo de financiamento concedido (financiamentos de pequeno valor, segundo modalidades adaptadas às necessidades) quanto na recepção e acompanhamento dos projetos financiados (escuta, treinamento, patrocínio). Elas preenchem uma função não assumida pelos atores financeiros clássicos, por estes serem mal aparelhados ou pouco motivados para atender este tipo de público. Desempenham um papel relevante não apenas pelos financiamentos concedidos, como ainda pelo efeito de alavanca proporcionado; freqüentemente, a intervenção destas instituições financeiras é um elemento desencadeador de um processo de inclusão na economia clássica, um tipo de ante-sala dentro do sistema financeiro.
Seus recursos são híbridos. Envolvem recursos de atividades por se tratar na verdade de atividade econômica (juros cobrados sobre empréstimos, dividendos e lucros sobre investimentos realizados), mas necessariamente envolvem também recursos não reembolsáveis (subsídios públicos ou doações privadas) e recursos de baixo custo (parcerias com bancos, refinanciamentos bancários e poupança solidária). Esta última é recolhida através de produtos financeiros (contas a prazo, contratos de seguro de vida, participações no capital de sociedades administradoras, de garantia, ou de capital de risco, participações com indivisões...) que possibilitam encaminhar fundos para o financiamento de atividades econômicas solidárias, através do uso direto operado com efeitos a receber (encours) e/ou doações geradas pela partilha da renda que propiciam, sendo por isso uma poupança por natureza, sub-remunerada em relação ao mercado. Apesar de representar apenas uma parte bastante reduzida dos recursos de algumas instituições financeiras solidárias, a poupança solidária é simbolicamente muito importante. Na realidade, ela cria uma verdadeira corrente entre os poupadores, instituições e projetos financiados. Além disso, oferece aos cidadãos uma alternativa na escolha das aplicações. Assim, eles têm a oportunidade para considerar critérios diferentes, certificando-se que sua poupança terá uma influência positiva na sociedade.
Atualmente, na França, as finanças solidárias são ainda bastante restritas. Sua notoriedade é relativamente pouca. No entanto trata-se de um setor recente. Os primeiros atores apareceram há menos de 20 anos. Contudo, os 27 produtos derivados da poupança solidária representam 260 milhões de euros. As 15 instituições agrupadas na Finansol financiaram 7.000 projetos. Os números crescem rapidamente, já que atingiram mais do que o dobro no fim dos últimos cinco anos. O aumento é hoje na ordem de 25% ao ano.
Atores: quem pratica as finanças solidárias na França?
A maioria dos atores das finanças solidárias encontra-se reunida na associação Finansol (Finança e Solidariedade). Podemos classificá-los em várias categorias:
Instituições Financeiras Solidárias, isto é, atores de campo diretamente em contato com populações beneficiárias: Adie, Autonomie et Solidarité, Caísse Solidaire Nord-Pas de Calais, Cigales, Cofides Nord Sud, France Active, Garrigue, Habitat et Humanisme, Ides, lês, la Nef, Love Money pour l’Emploi, OikoCredit, Racines, Sidi, Sifa
Estabelecimentos financeiros envolvidos numa abordagem de solidariedade, isto é, atores do sistema financeiro clássico que tiveram interesse nas finanças solidárias, especificamente no recolhimento da poupança solidária: CDC IXIS Asset Management / Caísse de Dépôts et Consignations, Caísse d’Epargne, Crédit Coopératif, Crédit Mutuel.
Instituições e personalidades qualificadas que apóiam as ações de finanças solidárias: CCFD, Fondation Charles Léopold Mayer pour le progrès de l’Homme, Fondation Macif, Claude Alphandery, Pierre Courtoux, Benoit Granger, Nicole Reille et Henri Rouillé d’Orfeuil.
Mencionamos acima, essencialmente atores franceses que apresentam uma especialização na aplicação de financiamentos para projetos solidários situados no território francês.
Há igualmente, um conjunto de atores especializados na problemática das finanças solidárias nos países do hemisfério sul. Citaremos particularmente o CIDR, IRAM, GRET, CIRAD (reunidos na rede CERISE), Cofides Nord-Sud, Oiko-Credit, SIDI (membros da Finansol), Peuples Solidaires... Alguns deles encontram-se na Associação das Ongs francesas, Coordination Sud.
Ilustrando práticas de finanças solidárias na França
Nef
Trata-se de um pequeno banco alternativo (regido pela lei bancária) que recolhe uma poupança cidadã sob a forma de depósitos a prazo, além disso, abrindo o capital aos subscritores solidários. Este estabelecimento se especializou no financiamento de projetos solidários, ambientais e culturais. Alguns números significativos para o ano de 2001: 5.755 associados cooperativistas detém o capital da Nef, dentro do respeito ao princípio cooperativista “um homem = um voto” (dos quais 949 novos associados que entraram na Nef no decorrer do ano de 2001). O conjunto da poupança recolhida representa, junto com o capital, 55 milhões de euros; 83 projetos foram financiados em 2001 para um total de crédito disponibilizado de 2,9 milhões de euros. 146 empregos diretos foram criados.
Clubs Cigales
Os Clubs Cigales (Club d’Investisseurs pour une Gestion Alternative et Locale de l’Epargne Solidaire – Grupo de Investidores para uma Gestão Alternativa e Local da Poupança Solidária) são pequenas estruturas de capital de risco. Cada grupo mobiliza a poupança de cinco a vinte de seus membros a serviço da criação e do desenvolvimento de empresas e financia de 0 a 3 empresas em média por ano. Os Cigales apóiam em primeiro lugar, empresas com características de utilidade social, cultural ou ecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável. Em 2001, no conjunto dos 105 grupos, 240.335 euros foram investidos em 68 empresas contribuindo assim para a criação ou/a manutenção de 126 empregos. Vários grupos podem investir numa mesma empresa.
Propostas de trabalho e solicitações de políticas públicas na área de finanças solidárias na França
A finança solidária, em razão de suas especificidades, deve levar em consideração os sobrecustos. Quem deve assumir esses sobrecustos? Há custos pontuais (principalmente os ligados ao começo e aos primeiros anos de funcionamento) para os quais financiadores externos (com subsídios públicos e privados) pontuais podem ser encontrados.
Para os custos recorrentes é preciso descobrir modalidades de financiamento contínuas. Uma parte dos custos pode ser assumida:
Por clientes, através da organização de sua partipação beneficiente e de certas atividades. Isto representa uma taxa de juros nos empréstimos que pode ser um pouco acima da taxa do mercado (ao contrário dos países do sul, na França não é aceita a idéia de que os sobrecustos devam ser cobertos por taxas de juros elevadas, cobradas aos clientes que peçam empréstimo) e por uma taxa de remuneração da poupança abaixo da taxa do mercado (atingindo até 0).
Pelos credores públicos ou privados. Levando em consideração que os laços sociais e o impacto sobre o emprego, a inserção das pessoas e dos territórios, a preservação do meio-ambiente... estão ligados ao interesse público, torna-se legítimo que o governo e as entidades públicas contribuam ao financiamento das finanças solidárias. Fundos específicos podem ser criados com esse intuito.
É preciso destacar a necessidade de poder avaliar e garantir a incidência das finanças solidárias, para justificar o investimento em dinheiro público ou ainda o “sacrifício financeiro” a partir do interesse dos clientes, poupadores e devedores.
Propostas
1. Reforçar as bases empíricas nas quais deva se estabelecer a demonstração do valor agregado à finança solidária: estudos de incidência sobre o capital social envolvendo os vários conjuntos de abordagens metodológicas, a definição de indicadores no desempenho da consolidação do capital social e laços sociais, ou benchmarking de critérios não financeiros.
2. Analisar os custos e os ganhos das IMFs (Instituições Mutualistas Financeiras) que reforçam o capital social.
3. Definir as áreas de aplicação pertinentes à finança solidária em termos de interesse público e utilidade social.
4. Definir a finança solidária em termos de competências específicas, profissão, regras de gestão e de funcionamento... e transformar essas normas em regulamentações profissionais para criar um novo tipo de instituição financeira no âmbito da lei bancária.
5. Conseguir políticas públicas nacionais, a partir do reconhecimento de que as finanças solidárias são específicas e úteis no ponto de vista do interesse geral, além de criar medidas de incentivo a seu benefício e conceder vantagens fiscais aos poupadores solidários.
6. Implantar um fundo nacional de apoio a finança solidária, alimentado por várias fontes públicas e privadas e pelas próprias IMFs, com o objetivo de financiar os sobrecustos do setor.
finance solidaire, système financier, système d’épargne et de crédit, micro finance
, France
Economie solidaire en France et au Brésil
Livre
CHAO BEROFF Renée, PRÉBOIS Antonin (coordenado por) Finance solidaire (Finança solidária) dossiê de propostas CPP39 da Alliance pour un monde responsable, pluriel et solidaire, (Aliança para um mundo responsável, plural e solidário) Paris, nov, 2001, 20 páginas
GROSSO Pauline, Compte-rendu de l’atelier Commerce équitable et finances solidaires (Relatório do Seminário Comércio Eqüitativo e Finanças Solidárias), Fórum Social Mundial, III de janeiro de 2003, Rio, março de 2003, 3 páginas
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