Nos e a Terra: inquilinos ou proprietarios?

Os jornais de hoje trazem materia paga, assinada por uma instituiçao que ha alguns anos nao dava sinal de "vida": Sociedade Brasileira de Defesa da Tradiçao, Familia e Propriedade. Sob o titulo "Reforma Agraria e favelizaçao rural a luz da Doutrina Catolica" afirma, dentre outras coisas, que a Reforma Agraria se opoe a Doutrina Catolica, infringe dois mandamentos da Lei de Deus, o 7o.(nao roubar)e o 10o. (nao cobicar as coisas alheias). E que uma Reforma Agraria nessas condicoes produz necessariamente a miseria, pois atenta contra a ordem natural das coisas, especialmente no que diz respeito a produçao economica.

O Brasil se constitui no exemplo mais extremo de injustica social, e ai se inclui a questao da terra, tao farta e tao mal distribuida, como de resto acontece com toda a renda e riqueza de nosso pais. Vivemos um momento especialmente rico de luta pela redistribuiçao da propriedade da Terra: o Movimento dos Sem-Terra, apos anos de luta, se faz agora ouvir e respeitar pelo governo e pela sociedade como nunca o foi. Talvez - e infelizmente - nao a partir de um desejo genuino de justica social, mas sim pela compreensao de que a crescente violencia urbana tem origem, em boa parte, na impossibilidade de sobrevivencia no campo.

A ALIANCA e seu hori zonte de longo prazo conduz a outra reflexao: defendemos a reforma agraria, com o objetivo de que cada ser humano tenha a posse de um lote de terra que permita sua subsistencia. Posse ou, quem sabe, uso da terra? Somos, afinal, proprietarios ou inquilinos - ao lado de outras especies - deste planeta? Nao seria este sentido de posse justamente o estimulo, a autorizaçao a destruiçao do que supostamente nos pertence, em nome de um tambem suposto "bem-estar"?

Criamos um paradoxo. Todas as demais especies de vida, vegetais ou animais, ao nascerem, conseguem obter da terra seus meios de subsistencia. O ser humano, ao contrario, encontra um planeta loteado: cada palmo de terra "pertence" a alguem. Para sobreviver, os filhos desta especie "superior" dependem dos bens que seus pais tenham porventura acumulado. Alguns poucos prosseguem na tarefa insana de acumular uma quantidade de riqueza que jamais serao capazes de utilizar. E nos? Somos a favor, afinal, de uma reforma agraria que apenas redistribua o que de fato nao nos pertence? Ou podemos ir mais fundo, defendendo o uso racional dos recursos de nosso planeta-casa, em nome da preservaçao de todas as especies - inclusive a do auto-denominado Homo-Sapiens?