O “saber” em saúde
07 / 2010
A construção do saber se deu de várias formas nas diferentes civilizações. É certo que hoje temos muito mais acesso à informação, e essa deixou de ser privilégio para, em alguns casos, contribuir de verdade para a mudança no estilo de vida da comunidade. Muitas comunidades, em especial as que produzem seu próprio alimento, deixaram de polir seus cereais, porque aprenderam que nas cascas estão as maiores concentrações de vitaminas e fibras; começaram a usar menos agrotóxicos, pois sabem que seu uso excessivo está relacionado a uma série de doenças agudas e crônicas; têm consciência que algumas ervas e o mel podem ter efeito curativo para problemas de saúde corriqueiros.
O organograma abaixo exemplifica essa troca de experiências e de saber na área da saúde.
O ato de plantar e colher, separar e melhorar as sementes, e principalmente, ensinar os filhos a ter uma alimentação nutritiva e saudável, longe de serem conhecimentos estanques e individuais, fazem parte do acervo universal e coletivo e, por consequência, traz mais saúde a todos nós. Saúde aqui entendida como recomenda a Organização Mundial da Saúde: um sentimento (auto-crítica) de bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas ausência de doença.
“Pragas” como entraves à produção
Todo agricultor se preocupa com as condições climáticas, qualidade das sementes e do solo, e a ocorrência de pragas. Essa preocupação é mais antiga que a bíblia e nos primórdios já havia conhecimento de formas de cultivo que aproveitassem esse ou aquele solo, a condição climática local e o manejo das pragas. É bem recente, no entanto, o emprego de agrotóxicos para o controle das pragas, a adubação química e a correção do solo através de medições do pH (acidez), entre outras práticas.
Nenhum de nós, em sã consciência, está contra os avanços do conhecimento e manejo da produção de alimentos. Com tantas bocas no mundo para alimentar, seria mesmo uma falta de sensibilidade não desejar o aumento da produção e a qualidade dos alimentos colhidos.
Mas, não esqueçamos que sempre há vários interesses quando do desenvolvimento de uma tecnologia. A maioria das vacinas, boa parte dos medicamentos, recursos diagnósticos como o ultra-som, foram desenvolvidos durante as guerras, com a intenção de salvar seu exército, e não a humanidade! Da mesma forma, os assim chamados “defensivos agrícolas” também possuem os dois lados da moeda.
Quanto atualmente se gasta para determinar os reais efeitos dos agrotóxicos que se fixam ao solo – como o Roundup (randap) e Thordon – e sobre a saúde daqueles que consomem os produtos das lavouras tratadas com eles? E outros tantos produtos nocivos comercializados livremente? Para o pequeno agricultor é quase uma promessa de avanço (excluindo o trabalho árduo que é o da roça) e não existe a consciência, muitas vezes, dos malefícios de seu uso. Esses produtos deveriam, sempre, ser usados sob a supervisão do agrônomo e, quando para o uso animal, do veterinário.
Os agrotóxicos lançados ao solo, aos poucos o tornam impróprio para cultivo. Os “mata-matos” também são super perigosos, pois contaminam o solo durante muitos anos.
Não temos intenção de pragmatismo ou propaganda “do contra”, porém, a todo o pequeno agricultor cabe a pergunta: vale a pena arriscar a produção para seu consumo sem saber as reais conseqüências ?.
É preciso criticar, à luz das evidências atuais, o uso de agrotóxicos, e também buscar soluções para melhorar a produção de alimentos.
Você sabia? 1. Fetos malformados; 2. Abortamentos; 3. Doenças da respiração, pele e nervos; 4.Câncer de estômago, medula óssea e outros….também são o resultado da escalada de uso de agrotóxicos e da poluição ambiental (do ar, solo e mananciais). Alguns tipos de venenos, já proibidos internacionalmente, continuam sendo usados no Brasil. Nosso morango e tomate são campeões mundiais na concentração de agrotóxicos.
Que tipo de sustentabilidade nós queremos? Ela precisa custar tantas vidas?
Acredito que muita gente da roça já sabia de tudo isso, e por isso mesmo plantou sua horta sem veneno. Será que essas pessoas não usam pequenos “truques” para enfrentar as pragas?
É esse um conhecimento que também já foi passado de pai para filho, porém, dobrou-se diante do poder de fogo da tecnologia da produção agrícola… pode ser a melhor solução para o pequeno agricultor, aquele que produz para seu gasto o milho, a pipoca, o feijão, a verdura, legume, amendoim…
Mais um enfoque: os remédios da roça perderam força para os antibióticos. Atualmente, entretanto, a indústria farmacêutica volta seus olhos para a riqueza da flora brasileira e começa a produzir em escala industrial os fitoterápicos (remédios produzidos com plantas). Não será hora de termos em nosso próprio quintal uma farmácia viva também?
Podemos plantar vários tipos de sementes:
Sementes de alimentos
Alimento é todo produto da natureza que comemos para poder reabastecer de energia os nossos órgãos. Quanto melhor a terra, menos produtos químicos, maior a energia do alimento produzido.
Sementes de temperos
Tempero é todo produto da natureza destinado a melhorar o sabor ou conservar os alimentos, como a pimenta, orégano, louro…
Ervas para chás e remédios caseiros
São plantas específicas para fornecer equilíbrio ao organismo doente, mas também podem ser usadas para alívio da dor, como estimulantes (chimarrão, café) ou calmantes (maracujá, camomila, erva-cidreira).
Vamos ampliar nosso kit! O conhecimento e o manejo de ervas medicinais são, ainda, excelente fonte de renda para o agricultor, mas independente disso, seu consumo habitual fará de sua família usar menos antibióticos. E por quê? Porque reequilibram, desintoxicam, agem como antiinflamatórios e restabelecem a imunidade (defesa) do organismo humano.
Foi reconhecido, há pouco tempo, que o tratamento com plantas é mais do que tratar-se com as propriedades contidas na sua tintura. A planta é um ser vivo complexo e, como tal, transfere muitas propriedades – inclusive hormonais – para nós. Não é à toa que por vezes recomendamos a quebra-pedra para homens e o estigma (cabelo) de milho para mulheres no tratamento de cálculos renais. Algumas plantas não são recomendadas para crianças, e outras são bem tóxicas. Têm o uso terapêutico restrito a situações bem especiais (como adjuvante nos casos de câncer, por exemplo).
O conhecimento das plantas com relação às indicações masculinas e femininas, de acordo com o metabolismo pessoal é muito mais difundido no oriente que no ocidente. Nossa visão está longe de ser equivocada – apenas são formas diferentes de construção do saber. E por esse motivo, quanto mais estudamos e nos aperfeiçoamos, percebemos que são grandes as possibilidades de usar coisas que estão ao nosso alcance, plantadas no nosso quintal.
Ninguém deve se automedicar sem um diagnóstico. Mas saber mais a respeito da sua própria saúde, e quebrar determinados tabus, é muito positivo para todos.
Hábitos de higiene + esclarecimento = mais saúde
Produzir sem envenenar o solo = mais saúde
Pirâmide alimentar
Há muitas décadas se fala da pirâmide alimentar, que de tempos em tempos muda um pouquinho, conforme aprendemos mais sobre o funcionamento do nosso corpo e do porquê nos alimentamos melhor ao usarmos esse ou aquele produto.
Na base da pirâmide estão os alimentos que precisamos em maior quantidade, para nos fornecer mais energia no dia a dia: cereais integrais (arroz, milho, trigo, aveia) e gorduras vegetais (azeites vegetais, gordura de amendoim). Precisamos de seis a oito porções diárias desses alimentos.
Logo acima, percebemos a riqueza de variedades nas frutas, verduras e legumes. Verduras podem ser consumidas à vontade. Frutas, duas a três porções diárias.
Em menor quantidade, precisamos de legumes, nozes e castanhas, aproximadamente duas porções diárias. Acima, carnes, leite e seus derivados, doces e pão e arroz branco. Pode notar que nessa pirâmide está incluído o vinho e as vitaminas (suplementos), para casos especiais.
Vamos refletir:
por tudo o que já foi apresentado, por que é melhor consumir cereais integrais (com a casca)?
que alimento representante dos diversos graus da pirâmide alimentar podemos produzir na propriedade?
que hábitos eu posso modificar em casa, para que minha família tenha mais saúde alimentar?
eu já tive intoxicação alimentar? Como foi essa experiência? Como eu poderia ter evitado essa doença?
a cada quanto tempo eu estou necessitando de antibióticos? E meus filhos?
quais as medidas práticas podemos ter para não usar agrotóxicos na lavoura? E menos antibióticos e hormônios para a criação?
E ainda lembrar que:
alimentação é um bem coletivo;
alimentar-se bem traz alegria e saúde (espanta a depressão);
pequenas mudanças nos hábitos de comer e de preparar os alimentos fazem muita diferença para a saúde;
os tabus alimentares podem ser questionados, e essas informações discutidas com a família e com a comunidade;
saúde é para todos!
semilla, agricultura campesina, biodiversidad, alimentación, conocimiento campesino
, Brasil
Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil