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Projeto Kit Agrodiversidade:Resgatando a qualidade de vida de agricultores familiares

Alfredo Celso Fantini

07 / 2010

A especialização da agricultura e o abandono da produção diversificada são fatores significantes no declínio da biodiversidade, incluindo os recursos genéticos para alimentação e agricultura. O processo de erosão genética decorrente desse abandono constitui uma séria ameaça não somente ao desenvolvimento de novos cultivares como da própria agricultura.

Mas são os pequenos produtores os primeiros a sofrerem as conseqüências decorrentes desse processo, especialmente pela perda das variedades locais, particularmente aquelas adaptadas às condições locais de ambiente e cultivo. Para esses agricultores, o risco da perda das variedades locais tem um significado muito mais amplo: mudança de hábito alimentar, diminuição da qualidade dos alimentos consumidos e, principalmente, perda da soberania na produção das próprias sementes.

Todas essas conseqüências indesejáveis da especialização da produção agrícola de pequenos agricultores familiares há algum tempo são sentidas no Brasil. Entretanto, há poucos registros sistematizados de situações onde o processo de perda da soberania alimentar, com todas as suas conseqüências, vem ocorrendo com intensidade. Este relato aborda o caso dos pequenos agricultores familiares do município de Guaraciaba, localizado na região oeste do estado de Santa Catarina, no Brasil, que tiveram a sua condição de vida dramaticamente alterada pela especialização no uso da terra e da sua força de trabalho.

As famílias agricultoras de Guaraciaba e a dinâmica do uso das variedades locais

A produção de milho, fumo e leite são as principais atividades das famílias entrevistadas. Há, entretanto, uma grande diversidade de fontes de renda, situação típica da agricultura familiar. Muitas famílias dependem em grande medida da aposentadoria para complementar a renda familiar.

Os agricultores identificam três períodos com relação ao uso e manejo dos recursos genéticos vegetais (RGVs): as décadas de 1950 a 1970, de 1980 e 1990 e após o ano 2000. Até a década de 1970, era praticada uma agricultura de subsistência no município. O plantio era diversificado, em sistema de consórcio, com produção própria de sementes. Sementes e mesmo alimentos eram trocados entre familiares e vizinhos. No final desse período houve o início da difusão do monocultivo do milho e do fumo, com o uso de variedades melhoradas. Segundo os agricultores, essa mudança representou o início do declínio da produção de alimentos para o consumo pela família.

O segundo período, que compreende as décadas de 1980 e 1990, foi marcado pela forte atuação da extensão rural, tida como um dos principais fatores que influenciaram a dinâmica de uso dos recursos genéticos vegetais (RGVs) pelos agricultores locais.

O uso das variedades melhoradas foi intensificado juntamente com o uso de insumos industrializados, alavancados pelo crédito rural. Os agricultores percebem nesse período o início do êxodo rural, principalmente das famílias agricultoras que não conseguiram se adequar à nova agricultura. Parte das famílias que não migraram para as cidades, entretanto, optaram pela pecuária leiteira, que começou a ser praticada intensivamente.

Para muitas famílias, a pecuária leiteira e o cultivo intensivo de fumo e milho implicaram o abandono da produção própria de alimentos.

A especialização e intensificação do sistema de produção ocasionou uma drástica redução da produção de alimentos para consumo próprio. Um estudo realizado no município revelou que 75% das famílias haviam deixado de produzir o próprio arroz que consumiam, 65% deixaram de produzir a batata, 50% o feijão e o alho, e 40% a abóbora e hortaliças folhosas, todos eles alimentos fundamentais na dieta dessas famílias. O declínio da qualidade de vida que esse período trouxe é reconhecido pelos agricultores.

Esses resultados, considerados alarmantes pelos técnicos do serviço local de extensão rural, motivou o início de ações para reverter a situação. Na visão dos agricultores, o início da década de 2000 marcou esse novo período da agricultura no município, caracterizado pela re-valorização do conhecimento dos agricultores e a pela busca pela soberania alimentar e econômica. Uma das ações mais contundentes desse esforço foi a introdução do projeto Kit Agrodiversidade.

Projeto Kit Agrodiversidade melhora a auto-estima das famílias agricultoras

Trata-se de uma estratégia desenvolvida para facilitar o acesso à agrobiodiversidade local, como base para a promoção do desenvolvimento local. Acima de tudo, visa melhorar a qualidade de vida das famílias agricultoras. Ou seja, mais do que a simples produção e uso de sementes, a estratégia tem objetivos mais abrangentes, como resgatar e aumentar a variabilidade genética local, renovar sistematicamente os estoques de sementes, promover a produção de alimentos livres de agrotóxicos, melhorar a qualidade de vida das famílias através da melhoria da renda e da saúde, e estimular a independência dos agricultores em relação às instituições que lhes dão assistência.

Os primeiros kits foram distribuídos em 2005, atingindo 300 famílias. Os kits eram compostos por 27 variedades locais de espécies de arroz, feijão, milho, milho pipoca, batata, ervilha, fava, melancia e alho. No ano seguinte, foi realizado um estudo para verificar a efetividade do projeto. Foram usados métodos qualitativos de pesquisa, incluindo questionários, entrevistas e oficinas.

O estudo revelou forte adesão dos agricultores familiares ao projeto, bem como a sua satisfação em relação a ele. O projeto atingiu um dos seus principais objetivos: diminuir a compra de alimentos básicos no mercado pelas famílias envolvidas. Um grande desafio do projeto era reduzir o número de famílias dependentes do mercado em relação aos alimentos básicos. A avaliação aqui realizada revelou que a proporção de famílias que recorreram ao mercado para comprar arroz após a implantação do projeto foi reduzida de 75% para 42%. No caso do feijão, o resultado foi ainda mais significativo: o percentual de famílias que compraram esse alimento no mercado foi reduzido de 50% para 23% das famílias, na Microbacia Ouro Verde, e para somente 8% das famílias, em Rio Flores.

Algumas razões mencionadas pelas famílias para a aquisição de alimentos no mercado foram: perda de sementes ao longo do tempo, principalmente pela estiagem prolongada por três anos consecutivos; intenso trabalho de manutenção requerido pela lavoura e ausência de unidade de beneficiamento próxima à comunidade.

Outra evidência a favor do projeto foi o resgatou do hábito de consumir maior diversidade de alimentos, como a fava e a ervilha, há muito tempo perdido pelas comunidades.

Mas, talvez o resultado mais importante do projeto foi o resgate da auto-estima das famílias agricultoras, principalmente concretizada pelo orgulho de produzir o próprio alimento e de qualidade. Os depoimentos das famílias agricultoras revelam também que, apesar da efetividade do kit agrodiversidade como mecanismo para promover o resgate e a conservação de material genético local, esta iniciativa deve ser levada a termo com outras políticas para a agricultura familiar.

Palabras claves

agricultura familiar, biodiversidad, soberanía agrícola


, Brasil

dosier

Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais (Guaraciaba, Santa Catarina, Brasil)

Notas

Este artigo faz parte de capítulo do livro Kit Diversidade: Estratégias para a Segurança Alimentar e Valorização das Sementes Locais. Organizado por Adriano Canci, Antônio Carlos Alves e Clístenes Antônio Guadagnin (2010). Editora Gráfica McLee - São Miguel do Oeste-SC- Brasil

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