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diálogos, propuestas, historias para una Ciudadanía Mundial

Carta da Cidade do México: o direito a construir a cidade que sonhamos

María Lorena Zárate

2009

Com mais de 20 milhões de habitantes, a Zona Metropolitana do Vale de México (integrada por 16 Delegações do Distrito Federal, 40 municípios do estado de México e um município do estado de Hidalgo) é uma das regiões mais povoadas do planeta e núcleo econômico, político, religioso, histórico e cultural fundamental para o país. As ruas e praças do que foi há mais de cinco séculos a grande Tenochtitlán, tem sido testemunha das mais importantes manifestações do povo mexicano. Celebrações, eventos, protestos e mobilizações populares dão conta de um enorme caráter coletivo que vem apresentando as demandas e propostas para uma maior participação democrática e o reconhecimento, respeito e plena realização dos direitos humanos de seus habitantes.

É inquestionável que cada vez mais as políticas públicas urbanas retomam explicitamente as contribuições dos cidadãos e das lutas sociais, aos que se deve grande parte, segundo coincidem analistas e líderes de bairro, do fortalecimento dos processos de participação e o próprio governo democrático. Atualmente, estão presentes na Cidade do México impulsos de reforma política e mudança de status legal que permitem continuar avançando neste caminho, tanto para defender os direitos dos habitantes como para fortalecer o governo local, as delegações – como entidades autônomas co-responsáveis – e aumentar as capacidades de coordenação metropolitana.

Certamente inspirada no debate internacional e nos documentos locais já desenvolvidos e em implementação, Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade tem, contudo, características que a tornam única a nível mundial, tanto no processo de sua elaboração e promoção como nos seus conteúdos e propostas (1).

Surgida a partir de diversas organizações sociais e civis, a iniciativa foi formalmente considerada pelo Governo do Distrito Federal (GDF) desde princípios de 2007. Apenas um ano mais tarde conformou-se o Grupo Promotor da Carta, integrado no início por representantes de organizações do Movimento Urbano Popular da Convenção Nacional Democrática (MUP-CND), a direção Geral da Concertação Política e Atenção Social e Cidadã do GDF, a Habitat International Coalition-América Latina (HIC-AL) e a Comissão dos Direitos Humanos do Distrito Federal (CDHDF), os quais acordaram a incorporação do Estado de Coordenação de Organizações Civis sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Espaço DESC) e da Procuradoria Social do Distrito Federal (PROSOC).

Desde então foram organizadas uma série de eventos públicos de promoção, articulação e intercâmbio (também em outras cidades do país), incluindo um espaço de exposição sobre Direito à Cidade e ao Hábitat no marco do Fórum Social Mundial- México, realizado em janeiro de 2008 no Zócalo da capital. Por sua vez, no evento de abertura oficial do processo em julho desse mesmo ano, frente a um público de aproximadamente 200 pessoas e na presença de vários meios de comunicação locais e nacionais, o Chefe de Governo enfatizou que este esforço “terá muitas consequências positivas para o futuro da Cidade” e comprometeu-se a escutar as propostas e convidar a Assembleia Legislativa a construir “um instrumento jurídico que estabelecerá obrigações, políticas públicas e novas formas de gestão”.

Mais adiante, em dezembro do mesmo ano, realizou-se um Fórum que convocou membros de organizações civis e sociais, acadêmicas, profissionais, funcionários e outros atores para reunir suas contribuições dentro dos seis fundamentos estratégicos que articulam os conteúdos da Carta. Uns poucos dias depois realizaram-se entrevistas e recolheram-se opiniões e imagens do público ouvinte da Feira de Direitos Humanos que organiza CDHDF a cada ano, incluindo uma grande quantidade de crianças e jovens.

Nos últimos 18 meses a Comissão Promotora realizou mais de 35 reuniões de coordenação, discussão, sistematização e redação dos conteúdos da Carta, assim como a continuação e avaliação do processo. Neste quadro foram produzidos materiais substanciais de debate e difusão (até o momento já se conta com folheto, blog, tríptico e vídeo pensados especificamente para alimentar e animar esse processo). Seus membros têm participado também de conferências, cursos, oficinas, programas de rádio e entrevistas em diversos âmbitos para socializar o tema, provar a reflexão e reunir críticas e contribuições para a Carta. Acordada sua estrutura geral, sistematizadas e incorporadas estas contribuições, claramente surgiram questões até então ausentes ou as quais faltava desenvolvimento. Consultou-se então o Diagnóstico e os que então eram avanços do Programa de Direitos Humanos (2) e ao mesmo tempo foram incorporadas à Carta algumas propostas formuladas dentro do Conselho de Desenvolvimento Urbano Sustentável da Cidade do México, entidade popular que assessora a formulação do programa sexenal sobre a questão.

Ao redor de 3.000 pessoas tem participado até o momento de pelo menos uma destas atividades que formam parte do esforço de divulgar amplamente a iniciativa e, sobretudo, convocar os cidadãos a debatê-la e fortalecê-la com a adesão ativa de organizações de bairro, grupos juvenis, sindicais, profissionais e público em geral.

Fruto deste amplo processo existe agora um Projeto de Carta da Cidade do México pelo Direito à Cidade que, desde princípios do mês de setembro, está à disposição do Chefe de Governo e de todos os interessados. Durante estes meses e até janeiro próximo estão sendo recebidas contribuições para enriquecer o desenvolvimento da estratégia para sua implementação a curto, médio e longo prazo.

Segundo se expõe em seu Preâmbulo, a formulação desta Carta tem como objetivos específicos contribuir para a construção de uma cidade inclusiva, habitável, justa, democrática, sustentável e agradável; impulsionar processos de organização social, fortalecimento do tecido social e construção da cidadania ativa e responsável; a construção de uma economia urbana equitativa, inclusiva e solidária que garanta a inserção produtiva e o fortalecimento econômico das camadas populares. Em outras palavras, acredita-se que o direito à cidade pode ser contribuir como fator de fortalecimento social, econômico, democrático e político da população, assim como de ordenamento e manejo territorial sustentáveis. De forma mais ampla, seus promotores estão de acordo que este instrumento busca enfrentar as causas e manifestações profundas da exclusão: econômicas, sociais, territoriais e culturais, políticas e psicológicas. Explicitamente se coloca como resposta social, contraponto à cidade-mercadoria e expressão do interesse coletivo. Trata-se, sem dúvida, de uma abordagem complexa que exige articular a temática dos direitos humanos na sua concepção integral (direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) a da democracia em suas diversas dimensões (representativa, distribuitiva e participativa).

Inspirada na Carta Mundial pelo Direito à Cidade define este direito como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É, certamente, interdependente de todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais) e, portanto, tem como diretrizes: livre determinação ou autodeterminação; não discriminação, igualdade, equidade de gênero, equidade social, atenção prioritária a pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, solidariedade e cooperação entre os povos, participação, transparência e prestação de contas, co-responsabilidade e justiça na distribuição de renda.

Contudo, diferente de outros instrumentos vigentes, tomou como referência fundamental, ademais, os resultados e propostas da Primeira Assembleia Mundial de Moradores (3) realizada na Cidade do México em outubro de 2000, na qual mais de 300 delegados de organizações sociais de 35 países debateram sobre os ideais de uma cidade democrática, inclusiva, sustentável, produtiva, educadora e habitável (segura – no que se refere à proteção contra desastres e violência -, saudável, convivencial e culturalmente diversa). Assim, seu conteúdo se estrutura com base na união desta cidade que queremos com os seguintes fundamentos estratégicos:

Exercício pleno dos direitos humanos na cidade. Uma cidade na qual todas as pessoas (crianças, jovens, adultos, idosos, mulheres e homens) desfrutem e realizem todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, mediante a construção de condições de bem-estar coletivo com dignidade, equidade e justiça social.

Função social da cidade, do solo e da propriedade. Uma cidade onde seus habitantes participem para que a distribuição do território e as regras para seu uso garantam o usufruto equitativo dos bens, serviços e oportunidades que a cidade oferece. Uma cidade na qual se priorize o interesse público definido coletivamente, garantindo um uso socialmente justo e ambientalmente equilibrado do território.

Gestão democrática da cidade. Uma cidade onde seus habitantes participem de todos os espaços de decisão até o mais alto nível de formulação e implementação das políticas púbicas, assim como no planejamento, orçamento público e controle dos processos urbanos.

Produção democrática da cidade e na cidade. Uma cidade onde se resgate e fortaleça a capacidade produtiva de seus habitantes, em especial das camadas populares, fomentando e apoiando a produção social do hábitat e o desenvolvimento de atividades econômicas solidárias.

Manejo sustentável e responsável dos recursos naturais, patrimoniais e energéticos da cidade e de seu entorno. Uma cidade onde seus habitantes e autoridades garantam uma relação responsável com o meio ambiente de modo que possibilite uma vida digna para indivíduos, comunidades ou povos, em igualdade de condições e sem afetar áreas naturais, reservas ecológicas, outras cidades nem as futuras gerações.

Gozo democrático e equitativo da cidade. Uma cidade que fortaleça a convivência social, o resgate, a ampliação e melhoramento do espaço público e sua utilização para o encontro, o ócio, a criatividade e a manifestação crítica das ideias e posições políticas.

Como é possível notar, e também de forma diferente da que até o momento havia prevalecido, a Carta concebe o direito à cidade num sentido amplo; não se limita a reivindicar os direitos humanos individuais com o fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes, mas sim integra direitos e responsabilidades que os implicam na gestão, produção e desenvolvimento responsável da Cidade.

Dentro desta perspectiva, não se trata somente da construção de condições para que todos acessem aos bens, serviços e oportunidades existentes na cidade, sem discriminação, mas sim de uma abordagem mais radical de perfilar a cidade que desejamos e queremos construir para as futuras gerações.

Para poder avançar na concreção de cada um destes sonhos/fundamentos, a Carta propõe uma série de medidas de política pública e compromissos a assumir por parte dos diversos atores da sociedade. Entre as primeiras podemos destacar algumas bastante relevantes que incluem:

• Inibir a especulação imobiliária e adotar normas urbanas para uma distribuição justa dos encargos e benefícios gerados pelo processo de urbanização, mediante a captação de rendas extraordinárias (maisvalias) geradas pelo investimento público a favor dos programas sociais que garantamzo direito ao solo e à moradia, além de estimular a produção social do hábitat.

• Desenvolver mecanismos administrativos, financeiros e subsidiários que permitam gerar um solo acessível e suficiente para que os conjuntos autogestionados gerem espaços produtivos (comércio, incubadoras, etc.) e de convivência social (culturais, esportivos, sócio-organizativos).

• Reconhecer o papel que a economia “informal” cumpre no combate a exclusão social, outorgando-lhe status legal e fiscal que considere os interesses legítimos daqueles que a praticam, evitando sua exploração por terceiros.

• Capacitar e apoiar com recursos públicos e estímulos fiscais as sociedades cooperativas e outros empreendimentos sociais que promovam a economia popular e solidária.

• Localizar atividades produtivas e serviços que gerem trabalho para a comunidade e zonas habitacionais para diminuir locomoções, riscos e custos à população, além de impactos negativos a economia e a convivência urbana.

• Preservar as áreas rurais produtivas, as zonas de conservação e as florestas, fortalecendo a capacidade produtiva e econômica das comunidades e freando a especulação orientada a mudar os usos do solo.

• Estabelecer normas que obriguem a medir o impacto ambiental, econômico e social dos macro-projetos (prévios a sua realização) onde se considerem as contribuições da sociedade civil e do meio acadêmico.

• Evitar os processos de desocupação e que, em caso de necessidade, respeitem-se os direitos humanos dos afetados de acordo com os padrões e instrumentos internacionais: programas participativos de realocação de habitantes de zonas e edifícios de alto risco para áreas próximas, em condições que substituam ou compensem as perdas patrimoniais, respeitando suas redes sociais.

• Instrumentar ações de apoio a projetos alternativos de educação e das escolas que se formem nos assentamentos e bairros na perspectiva de uma educação popular.

• Aproveitar a experiência dos adultos de mais idade (trabalhadores, artesãos, mestres) na capacitação de novas gerações e na formação de aprendizes.

• Resgatar e fomentar o conhecimento e experiência dos povos tradicionais que habitam a cidade no manejo e preservação dos recursos naturais e culturais, assim como das experiências comunitárias e alternativas em questões de saúde.

• Gerar instrumentos e programas que apóiem o resgate do espaço público nos seus aspectos funcionais (encontro e conectividades), sociais (de coesão comunitária), culturais (simbólicos, patrimoniais, lúdicos e de convivência) e políticos (de expressão política, reuniões, associação e manifestação).

Sobre as medidas posteriores, estão detalhadas na Carta os compromissos que devem ser assumidos pelo Governo local, as Delegações, a Assembléia Legislativa, o Tribunal Superior de Justiça do Distrito Federal, os organismos públicos autônomos, as entidades educativas, os organismos da sociedade civil, as organizações sociais, o setor privado e as pessoas em geral. Entre outras ações, detalham-se algumas tais como:

• Reconhecer legalmente o direito à cidade;

• Potencializar ao máximo os recursos disponíveis para superar progressivamente as condições que impedem o acesso equitativo aos bens e serviços que a população requer e que a cidade oferece;

• Proporcionar capacitação aos funcionários públicos em matéria de direito à cidade e os direitos humanos que inclui;

• Estabelecer indicadores para monitorar e avaliar a implementação do direito à cidade;

• Promover esquemas de apoio e co-investimento para fomentar as atividades das organizações da sociedade civil em matéria de direito à cidade;

• Dar continuidade à implementação do Programa de Direitos Humanos do D.F. na perspectiva do direito à cidade;

• Propiciar a inclusão das questões vinculadas ao direito à cidade nos programas e atividades formativas, de pesquisa, vinculação e difusão das universidades e de outros centros de estudo;

• Difundir amplamente os conteúdos desta Carta e as boas práticas derivadas de sua aplicação;

• Documentar casos de violação ou descumprimento da progressividade;

• Promover consciência e consensos sobre as responsabilidades que os cidadãos devem assumir para construir uma cidade para todos.

Como direito complexo, num território altamente povoado, com fortes pressões sobre as condições meio-ambientais e num nó de múltipla relevância para o país, o direito à cidade deve propor necessariamente uma visão que supere os enfoques especializados das disciplinas, das práticas profissionais e da estrutura da administração pública, assim como a atitude individual e consumista predominante em grande parte dos habitantes.

Por sua vez, esta proposta coloca no centro da cena a urgência de retomar o planejamento territorial como função pública, coletiva e participativa. Os direitos humanos e a democracia não são fenômenos abstratos; são atribuições e processos de certas pessoas em certos lugares. Tal como o concebemos, o direito à cidade pode e deve ser também uma ferramenta para territorializar os direitos humanos e aprofundar a democracia.

Também é importante, e devemos afirmá-lo com veemência e com todas as letras, não haverá direito a viver dignamente nas cidades sem o direito a viver dignamente no campo. Há décadas recebemos sinais de alerta sobre a urgência de olhar nosso entorno, nosso hábitat de maneira mais integral, de revisar e modificar de forma radical nossos padrões de produção, distribuição e consumo, não somente das coisas, mas também e talvez, sobretudo, das ideias, valores, palavras e símbolos.

O direito à cidade, em síntese, propõe-se como uma ferramenta que contribui para a reflexão, o debate, a formação, a mobilização, a articulação e a prática a partir de outro ponto de vista e de uma luta renovada pela redistribuição do espaço, da riqueza e da tomada de decisões sobre o presente e futuro de nossas comunidades.

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1 Para maiores detalhes consultar a informação, documentos e outros materiais disponíveis em derechoalaciudaddf.blogspot.com/ e www.hic-al.org
2 Tanto o Diagnóstico como o Programa de Direitos Humanos do Distrito Federal estão disponíveis em www.cdhdf.org.mx
3 Em espanhol: Primera Asemblea Mundial de Pobladores.

HIC (Habitat International Coalition) - General Secretariat / Ana Sugranyes Santiago Bueras 142, Of.22, Santiago, CHILI - Tel/fax: + 56-2-664 1393, + 56-2-664 9390 - Chile - www.hic-net.org/ - gs (@) hic-net.org

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