Viajo no ônibus-leito Guarapuava São Paulo. Eu já sabia que, no Brasil, estes ônibus costumam ser bem ‘chiques’. Mas não podia prever que esta noite eu teria a sensação de realmente estar nos Estados Unidos da América.
Abro o jornal e leio que 38,6 milhões de brasileiros estão acima do peso. Isto representa 40,6% da população adulta. Cerca de 10,5 milhões de pessoas já podem ser consideradas realmente obesas. O tema vem sendo explorado há várias semanas no programa dominical ‘Fantástico’.
Estarrecido, olho à minha volta: no ônibus há cinco passageiros obesos. Cinco dos 30 viajantes! Talvez este número expressivo de obesos se explique porque o ônibus-leito tem poltronas reclináveis mais largas. Numa poltrona larga os corpos se acomodam melhor.
A aviação comercial norte-americana já precisa incluir em sua programação orçamentária anual algumas centenas de litros de querosene a mais para transportar o número crescente de americanos obesos. Será que as empresas de ônibus brasileiras devem começar a incluir mais biodiesel de soja em seu planejamento?
Dupla tendência: sanduíche natural e ‘fast-food’
No Brasil, há duas tendências que ocorrem simultaneamente: por um lado, a tendência mundial de uma alimentação mais saudável, mais frutas e verduras. Mesmo sendo o Brasil a terra da soja, os produtos de soja continuam tendo um baixo consumo na média dos domicílios. Na classe média, a utilização de produtos de soja fica abaixo de 5%. Entre os pobres, o consumo é praticamente zero, mesmo que esteja sendo considerada a idéia de incluir no programa governamental ‘Fome Zero’ estas proteínas produzidas no próprio território. Porém, um produto está em ascensão: ‘leite de soja’. No mundo, o consumo desta bebida cresceu 31% em 2004; no Brasil, 19%. Um dos produtos que apresentou maior crescimento – e que também proporciona os maiores lucros – é água mineral.
Uma outra tendência no Brasil é alimentar-se de maneira cada vez menos saudável do que o habitual. Há séculos os brasileiros consomem muito açúcar e doces. Além disso, atualmente, a cultura do ‘fast-food’ vem ganhando cada vez mais penetração. Enquanto McDonald’s & Cia. estão perdendo espaço nos Estados Unidos, Canadá e muitos países europeus, no Brasil o lucro ainda vem aumentando ano a ano. Em 2004, o faturamento de McDonald’s no Brasil foi de R$ 1,9 bilhão. Diariamente, 1,5 milhão de pessoas freqüentam suas 1.200 lanchonetes e são servidos por 36 mil sorridentes funcionários. Para manter sua clientela, eles endossam a tendência da alimentação natural oferecendo saladas. A venda destas últimas cresceu 40% em 2004. McDonald’s ainda é o líder, mas tem ganhado cada vez mais concorrentes. É que os brasileiros gastam muito mais com ‘fast-food’ do que fazem supor os números da registradora do McDonald’s. Para ser exato, R$ 20 bilhões.
Soja como salvação
Há, portanto, crescimento e ‘expansão’ na parte bem alimentada da população. Mas não se desespere! A salvação está a caminho. Enquanto um colosso de homem ao meu lado termina de devorar o último pedaço de seu hambúrguer, meu jornal proclama: “Um jovem pesquisador no Rio Grande do Sul descobriu que a adição de soja ao chocolate reduz o envelhecimento. E… não engorda!” À noite, o telejornal anuncia que, na Bélgica, foi fabricado o maior ovo de Páscoa do mundo. Esta notícia recebe o mesmo destaque dado à notícia de que o Papa está acamado e, pela primeira vez em 26 anos, não poderá participar das comemorações de Páscoa.
E eu que aconselhei aos membros de Wervel que virão para o Brasil a não deixarem de trazer um pouco de chocolate Côte d’Or. Os brasileiros adoram e ‘nós, belgas’, nos orgulhamos de fabricarmos o melhor chocolate do mundo, ainda que a norte-americana Kraft tenha adquirido e incorporado nossa tradicional Côte d’Or. Não foi a imprensa que chamou um dos encontros ministeriais da Comunidade Européia em Bruxelas de ‘Pralinetop’ [encontro ministerial na ‘terra do bom-bom’]? O primeiro-ministro Verhofstadt ainda ficou orgulhoso com o fato!
Soja brasileira contra o produtor de cacau de Gana
E daí lembrar que, na década de 90, nós junto com as ‘Lojas Mundiais’ e outras ONGs lutamos tanto para que a manteiga de cacau não fosse substituída por gorduras (mais baratas) como o óleo de palma ou de soja. Nós tínhamos aliados sérios no Parlamento Europeu. Principalmente algumas parlamentares belgas, lideradas por Magda Aelvoet, lutaram como leoas por nosso verdadeiro chocolate contra a leoa Marianne Theyssen, de CD&V [Christen Democratische Partij – Partido Democrata Cristão]. Aparentemente, ela estava do lado da indústria alimentícia internacional, que desejava substituir a manteiga de cacau.
Mais barato, portanto mais lucro para Kraft & Cia. E dezenas de milhares de produtores de cacau em Gana e outros países veriam sua renda desaparecer, ‘fritada’ no óleo de soja.
Desejo saudável?
Ou será que esta descoberta é mesmo a solução para o brasileiro que não consegue escolher? Por um lado, os gastos dos brasileiros com ‘alimentos saudáveis’ aumentaram consideravelmente. Por outro lado, uma parte do orçamento é destinada a produtos que saciam seus desejos: chocolate e doces.
Chocolate que, simultaneamente, atende à mania de saúde e sacia o desejo de comer doces! Descobriu-se o ovo de chocolate ideal.
A pergunta é se o ‘chocolate de soja’ estimula o cérebro do mesmo modo que o chocolate de verdade. Afinal, é este que defendemos na Bélgica.
Aparentemente, o chocolate de verdade estimula os mesmos neurônios que são estimulados pela excitação (ou frustração) sexual. Nos fins de semana do trabalho de apoio a vítimas de incesto, no mosteiro em Averbode, uma pilha de chocolates fica à disposição dos participantes. Há anos dizemos que deveríamos abordar este tema num dos próximos fins de semana…
P.S.: Estou digitando esta crônica no ônibus para o aeroporto Guarulhos. Jean-Pierre e Lu aterrissaram. As três semanas de entrevistas para Rádio Klara podem começar.
Lu me presenteia com um miniovo de páscoa e um grande pacote de Côte d’Or. No canto inferior direito, Kraft imprimiu orgulhosamente em nosso produto belga: “Chocolate feito com pura manteiga de cacau.”
soja, salud pública, nutrición, competencia comercial
, Brasil
Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano
Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.
Libro
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