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diálogos, propuestas, historias para una Ciudadanía Mundial

Soja e ervas daninhas

Luc Vankrunkelsven

08 / 2004

É sempre interessante parar para refletir sobre as palavras que usamos em nosso dia-a-dia. Por exemplo, tomemos ‘ervas daninhas’. O que são ‘ervas’ e o que são ‘ervas daninhas’.

Será que não há, por trás disso, um elevado grau de antropocentrismo?

O homem determina o que é útil e o que é daninho.

Úteis são as ervas, plantas, animais a serviço do homem.

Inúteis são as ervas daninhas, espécies silvestres e animais que usualmente não servem como alimento.

Ecossistemas? Sistemas econômicos!

Ecossistemas? Não, nunca ouvi falar. Muito menos que teriam alguma utilidade.

Ciclos econômicos? Ah, estes sim são úteis. Eu sei: estou me repetindo, mas deixe-me continuar. Aqui no Brasil, no litoral, tivemos primeiro o ‘pau-brasil’.

Depois que haviam cortado quase toda essa madeira, os portugueses trouxeram, das outras colônias, a cana-de-açúcar. No Nordeste, a vegetação inútil foi, sistematicamente, cortada e queimada. Este ciclo, que se prolonga há centenas de anos, faz com que o Brasil do século XXI ainda seja líder na produção de açúcar e que o clima no semi-árido Nordeste já esteja perturbado há séculos. Igrejas folheadas a ouro e montes sem vegetação em Ouro Preto são as tristes testemunhas do ciclo do ouro. Os turistas se encantam com as igrejas, enquanto os escravos que mineravam o ouro para esta história permanecem invisíveis. Ninguém fala das montanhas desprovidas de vegetação. Afinal, os gregos já permitiram – há 2500 anos – que suas terras férteis fossem parar no mar e, sim, a Península Ibérica também já foi desmatada há 2 mil anos atrás!

Nos séculos XIX e XX tivemos o grão/pé de café. O Santo Espírito conduziu os agricultores de Espírito Santo para as montanhas para desmatá-las. Erosão por todos os lados, lucros de todos os cantos. Até que, no século XX, os preços despencaram regularmente. Atualmente, 4 milhões de sacas de café de 60 quilos encontram-se estocadas nos armazéns do governo, numa tentativa de estabilizar os preços. Grande parte destes sacos já está armazenada há mais de 30 anos. Agora o governo quer fechar os armazéns, mas o que fazer com aqueles sacos?

O mais novo ciclo nós já conhecemos. É deles que tratam estas crônicas, repetindo exaustivamente que há um problema com esta planta milagrosa.

Antropocêntrico?

É, o homem como o centro, mas o homem empreendedor, que subjuga as pessoas com menos recursos e a natureza indefesa. Transforma-os em escravos e os explora.

Eurocêntrico?

Sim, a Europa como o centro: a Europa que ‘descobriu’ outros continentes e, em seguida, os usou para seu próprio enriquecimento.

Será que ouço você suspirar: “Isto é história. Passado!”?

Será que o Mundo Ocidental – com os consumidores compulsivos de hoje – não tem uma culpa insuportável, humana e ecológica, nisso? A crônica anterior tratava de ‘soja e a escravidão de pessoas’… Será que não há algo como escravidão de sementes, água, solo, árvores, ervas, ar, insetos, bactérias, ecossistemas, cavalos, vacas, galinhas?

Vlaams Overleg Duurzame Ontwikkeling (VODO) [Fórum de Articulação para Desenvolvimento Sustentável] e De Kleine Aarde (NL) [A Pequena Terra] realizarão, em dezembro de 2006, em Bruxelas, um ‘Tribunal Internacional sobre Dívida Ecológica e Direitos Humanos’  (1). Eles terão – em Bruxelas, sede da União Européia – muito trabalho se quiserem analisar toda a história dos últimos 500 anos! Ou será que nestes tempos pós-modernos não podemos mais tratar sobre dívidas herdadas de tempos pré-modernos, modernos e pós-modernos? Não acredito que estes articuladores desejam nos incutir um novo sentimento de culpa, e sim que procuram nos oferecer ‘óculos’ para criarmos coragem para enxergar a realidade à nossa frente.

Para enxergar, aprender a enxergar: contemplar, observar, ultrapassar a cegueira.

Julgar, aprender a julgar: analisar sem buscar culpados.

Agir, aprender a agir: entrar em ação de coração, de corpo e alma.

O jesuíta e teólogo da libertação Jon Sobrino repete exaustivamente: “Eu só preciso descrever a realidade”  (2). É que ele mora em El Salvador, “O Salvador”. Eles formavam, na universidade, uma comunidade de sete jesuítas. No final de 1989, seis deles foram assassinados pelos militares dentro de suas casas. Por acaso, Jon Sobrino estava no exterior. A descrição da realidade irrita os detentores do poder. E pode representar risco de vida.

E como é que ficamos em relação às ervas daninhas?

A língua portuguesa é muito reveladora: ‘mato’ são ervas daninhas e a floresta. O estado do ‘Mato Grosso’ é, literalmente: a grande floresta. As grandes ervas daninhas.

‘Mato’ diz exatamente o que aconteceu. Em 1824, chegaram os primeiros alemães e italianos no sul do Brasil. Antes disso, os portugueses já brincavam de caubói nos campos do Rio Grande do Sul. A intenção era ‘colonizar’ as regiões serranas e os planaltos, o que equivale a desmatar e queimar. Mato é aquilo que atrapalha os colonos, sejam ervas daninhas pequenas ou grandes. ‘Produtos coloniais’ são ainda hoje verdadeiros produtos artesanais, aqueles que também gostaríamos de ver na cesta de da organização ‘Vlaamse Voedselteams’. É um selo de qualidade: direto do produtor.

Na verdade, deveríamos ficar felizes que – após 180 anos de desmatamento e queimadas – ainda haja, no cume de montanhas esparsas, um pouco de floresta, um pouco de mato. Vamos nos maravilhar, assim como nos surpreendemos com os fragmentos de florestas nativa nas regiões montanhosas flamengas, em Linden ou em Assent.

Quando estou a caminho de meu trabalho em Chapecó, tenho a sensação de viajar por um misto de Hageland, Alemanha e Suíça. A paisagem é tão familiarmente ‘européia’… Somente aquelas palmeiras e alguns pinheiros esparsos ainda ‘destoam’. Os pinus e eucaliptos substituem as espécies exóticas de pinus e os choupos canadenses de nossa região. Da mesma maneira que foi globalizada a paisagem, do misto de alemães, italianos e portugueses surgiu o ‘Gaúcho’. Um homem-com-uma-missão. Não vamos falar das mulheres por ora. A partir da Revolução Verde, muitos perderam o emprego e as terras. Como vítimas desta modernização, partiram numa missão: por uma vida melhor para suas famílias e uma vida plena. Eles se sentiam e se sentem enviados por Deus e ordenados por Ele a levar Deus e o Progresso para as ‘regiões atrasadas’ onde ainda há muito mato. Na década de 80 eles transferiram sua área de atuação para o Paraná. Na década de 90, se espalharam pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. Mas, na verdade, os gaúchos – com suas cuias e bombas de chimarrão – já eram observados desde a década de 70 no Maranhão e em outros estados do Nordeste. A todos estes lugares levaram ‘paz e desenvolvimento’, não com pão e circo, mas com carne e soja. Atualmente, o churrasco é encontrado em todo o Brasil. Os jovens fugiram da zona rural de Santa Catarina para trabalhar em churrascarias e servir àqueles com poder aquisitivo grande variedade de carnes em enormes espetos. Churrascaria: o clone brasileiro dos restaurantes de batata-frita flamengos, só que com muuuuita carne. Eles só perdem para os americanos no Hemisfério Norte. Lá, as porções de carne são ainda maiores.

Aqui respirava a Grande Floresta

Mato Grosso. A Grande Floresta. As Grandes Ervas Daninhas. O estado é, agora, o paraíso para os grandes plantadores de soja e algodão, o governador é Blairo Maggi, um gaúcho descendente de imigrantes italianos. Ele é o maior plantador de soja do mundo, com 130 mil hectares cheios de ‘ouro verde’. Quando a voz dos movimentos ambientais ou dos agricultores familiares se faz ouvir mais forte, ele ameaça transferir seus plantios para a África. Para lá converter em dinheiro os benefícios de seu trabalho missionário.

O Pantanal – do tamanho de Portugal e a maior reserva de pássaros do mundo – fica neste mesmo Mato Grosso. Está seriamente ameaçado, pois o nível do lençol freático começa a baixar devido às lavouras de soja que o cercam  (3). Mas não se preocupem: o agronegócio é o setor que mais cresce na economia brasileira. Em 2003, o faturamento cresceu 6%. E não é por acaso que, no primeiro semestre de 2004, a importação de colhedeiras de algodão aumentou 1312%; de agrotóxicos, 64,29% e insumos para produção de fertilizantes, 77,56%. O ‘boom’ da soja dos últimos anos provocou um imenso desmatamento (25 mil km2 de floresta amazônica por ano; parte para cultivo de soja, parte para pecuária e parte é abandonada depois da retirada da madeira e acaba degradando), uma concentração ainda maior de terras nas mãos de uma pequena elite (1% detém, atualmente, 45% das terras agricultáveis), intoxicação do meio rural, poluição do solo e das águas superficiais. Só no estado do Paraná, morreram no mesmo período – janeiro a julho de 2004 – 19 pessoas devido ao uso excessivo de agrotóxicos.

Mas do que é que estamos falando? Dívida ecológica? Pare! O Brasil tem uma dívida financeira gigantesca. A soja traz divisas para pagar os juros desta dívida.

E talvez, quem sabe, chegará a vez da própria dívida.

 

Notícia posterior, na TV, 21/3/05: ‘Anualmente, são aplicados 182 mil toneladas de agrotóxicos nas lavouras brasileiras’.

1 ‘Ecological Debt and Human Rights; a new approach towards global sustainability. The International Tribunal on Ecological Debt and Human Rights.’ [Dívida Ecológica e Direitos Humanos; uma nova abordagem da sustentabilidade global. Tribunal Internacional sobre Dívida Ecológica e Direitos Humanos.] Bruxelas, dezembro 2006.Informações: VODO (leida@vodo.be) e ‘De Kleine Aarde’ (info@dekleineaarde.nl) Um dos modelos de mensuração é a ‘pegada ecológica’. VODO introduziu esta imagem do Canadá.
2 Jon Sobrino: ‘Bevrijding met geest’ [Libertação com espírito], Altiora/Averbode, 1987.
3 Ver ‘Ode aan de soja. Een spiritueel reisverslag’ [Ode à soja. Um relatório de viagem espiritual]. Em TGL (Tijdschrift voor Geestelijk Leven) [Revista para uma Vida Espiritual], março-abril 2003; 016/24 0194; info@tgl.be, www.tgl.be

Palabras claves

soja, deforestación, colonización, catástrofe ecológica, agricultura y ganadería, deterioro ambiental


, Brasil

dosier

Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano

Notas

Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.

Fuente

Libro

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