Uma iniciativa de desenvolvimento sustentável através de um turismo responsável, à escala de um território de participação
08 / 2004
De onde… ?
O turismo convencional, de massas, industrial e desterritorializado (exemplo : um « resort » de beira mar) merece sérias críticas, que se podem resumir em alguns pontos chave :
As regiões que acolhem, geralmente países em vias de desenvolvimento, não controlam os fluxos turísticos, que estão geralmente nas mãos de grupos internacionais de países industrializados, que desenvolvem onerosas campanhas de promoção, de preços, de desregulamentação e de subvenção em proveito de grandes multinacionais de turismo e de turistas de países ricos.
O afluxo de divisas é mais fraco do que os custos porque o investimento inicial implica endividamento externo e as entradas / receitas são penalizadas pelas crescentes necessidades de produtos importados. Esta taxa de perda situa-se entre 40 e 90% dos montantes investidos para as zonas de destino.
A actividade única e a mono infraestruturação turística é frágil e perigosa já que está sujeita a uma procura com flutuações brutais, muitas vezes imprevisíveis (exemplo, o medo da “febre das aves” na Ásia).
O direito a férias e ao lazer representam uma desigualdade no consumo, nos direitos sociais e no desenvolvimento da personalidade. E essa desigualdade é mais acentuada no que diz respeito às populações desfavorecidas do Sul, com agravamento nos jovens.
Os empregos no turismo são frequentemente mal remunerados, sazonais e sem garantia de qualificação. Os atentados aos direitos dos trabalhadores são generalizados e, no Sul, a exploração (inclusive a sexual) é frequente entre as mulheres e as crianças.
O turismo fragiliza o tecido social e afecta as raízes culturais, reforçando as disparidades sociais e introduzindo hábitos de consumo insustentáveis.
Enfim, o turismo, através de transportes emissores de gases com efeito de estufa, contribui para o desequilíbrio climático do planeta. E, através dos seus impactos terrestres, polui, destrói, sobreexplora, transforma e artificializa as paisagens e cria conflitos de uso para recursos limitados como a água e a energia.
… para onde ?
A Agenda 21 Local « Turismo » « a partir de comunidades de base » (ALTICOBA 21) é uma forma de resposta a um turismo irresponsável e desrespeitador, que ultrapassa largamente este simples sector. É uma iniciativa de desenvolvimento de territórios desfavorecidos, frágeis em recursos institucionais e/ou económicos, a partir da actividade estruturante que é o turismo responsável. Insere-se na corrente de desenvolvimento sustentável preconizada ao nível local sob a forma das « Agenda 21 locais » (RIO 92, primeira cimeira do planeta Terra). Sob esta designação, ALTICOBA 21 é reconhecida no plano institucional internacional (ONU, UE, BM, …) mas dificilmente compreensível para os actores do terreno : são essenciais pedagogia, acompanhamento, organização e uma presença mais próxima.
As Agenda 21 Locais « Turismo » têm o seu início no mundo francófono (no Senegal, por exemplo, através de uma cooperação descentralizada com a região de Pas de Calais Norte e Santa Ana, na Martinica). Djibouti, com a ALTICOBA 21, torna-se um país pioneiro desde o começo das actividades em 2000.
No plano internacional, ALTICOBA 21 foi lançada em Joanesburgo, em 2002 (RIO+10), junto da CNUCED (Lisboa 2004), da UNESCO (Paris 2002-2004), durante o primeiro fórum internacional de turismo solidário (Marselha, FITS 2003) e junto de cooperações francesas e italianas.
Um seminário para troca de experiências, sensibilização e promoção aos níveis nacional e regional está previsto para Janeiro de 2005 no Djibouti (co-financiamento da UNESCO).
Em 2004, as regiões de Assamo (distrito de Ali-Sabieh) no Sul da República do Djibouti, e de Bankoualé-Ardo (distrito de Tadjoura) no Norte são os locais de implementação. Assamo tem já três anos de duração, Bankoualé-Ardo inicia agora a actividade. Um ALTICOBA21 dá os primeiros passos em Portugal, a partir da cidade de Évora (Alentejo) e da respectiva associação intermunicipal, existindo perspectivas para o Laos e para Madagáscar.
Para quê ?
O principal objectivo de ALTICOBA 21 é o desenvolvimento, se possível sustentável, de populações rurais ou de territórios desfavorecidos. Encontramos nela objectivos concretos de luta contra a pobreza, relativa, social e económica, de luta contra o êxodo demográfico, uma lógica de “resposta às necessidades”, uma organização da “sociedade civil” local (produtores, associações, cooperativas…) que permita uma maior capacidade de contrabalançar os riscos e as influências exteriores, elementos de “democracia participativa” e de gestão co-operativa de projectos de índole colectiva, uma educação para o desenvolvimento responsável, uma gestão racional (ou um restauro) dos recursos naturais raros (espécies, paisagens…)
Os “resultados” ou efeitos perceptíveis e significativos situam-se, pois, tanto ao nível material como imaterial. Após quase três anos e a partir do exemplo de Assamo/Djibouti, podemos conceber um quadro de resultados como segue :
Algumas « realizações » ALTICOBA21 (paisagens do Djibouti)
Como ?
ALTICOBA21 é uma iniciativa ascendente que parte de problemas e questões apresentadas pela comunidade, ou pelos seus representantes, para abordar as causas, as soluções e depois as acções a levar a cabo. Estas soluções são classificadas, hierarquizadas e definidas de acordo com princípios fundamentais do desenvolvimento sustentável
Tem como instrumentos :
uma carta « guia orientador », que apresenta os princípios comuns, afirma uma vontade e enquadra o trabalho,
um programa de acção, a Agenda 21 local propriamente dita, elaborada colectivamente, pelos, com e para os habitantes,
um grupo de apoio local e internacional encarregado da animação, do acompanhamento e da transferência de competências,
um acompanhamento-avaliação para passar do « fazer por fazer » ao « fazer para quê? » concretizado em instrumentos de acompanhamento e de avaliação adaptados aos objectivos e às realidades do terreno,
métodos e instrumentos que favorecem a transparência, a partilha de responsabilidades e uma forma de ajuda à decisão principalmente baseada em laços e causalidades provenientes de uma análise sistemática das situações.
As cadeias causa-efeito nas Agendas 21 locais « Turismo » (locais do Djibouti)
Quem, com o quê?
ALTICOBA21 é implementado pelas associações locais (ADDLA em Assamo), técnicos (Nicolas Prévot, Daher Obsieh, Houmed Ali Houmed…) e um grupo de apoio internacional (« T2D2 », Tourismes, Territoires et Développement Durable, com Alain Laurent, Hélène Séguéla, André Dollfus, Martine Théveniaut, Gilles Béville, Geneviève Clastres, Anne Amblès…). Mas, para que estas iniciativas tenham concretização, são indispensáveis dois tipos de financiamento : um financiamento para assegurar o acompanhamento e outro para a realização das acções/projectos.
Que perspectivas?
ALTICOBA21 apresenta-se como um teatro na periferia. É provavelmente assim que é visto. Não estará à altura das expectativas : «Há, porventura, nestas iniciativas, um problema de percepção das aspirações e das soluções […] A possibilidade de um desenvolvimento turístico nos países do Sul reside, por exemplo, tanto nas políticas nacionais de qualificação e de incentivos ao investimento, na escolha das infra-estruturas, na criação de uma real capacidade de promoção e de comercialização para contrabalançar a influência dos grandes operadores turísticos do Norte, na formação e no acesso às tecnologias… como na mobilização dos actores locais levada a cabo pelas ONG»
Três comentários, à guisa de conclusão:
ALTICOBA21 é uma iniciativa territorial global e transversal. Os actores e os analistas, todos especialistas e sectoriais, têm dificuldade em ultrapassar os limites dos seus campos específicos. O turismo, mesmo sustentável, permanece turismo.
A rede T2D2, rede que desenvolve a iniciativa, reclama, deseja e actua por garantir um reconhecimento institucional que assegure uma marca «Território responsável », forma assumida e reivindicada de um desenvolvimento coerente de um território mobilizado em torno de aspirações colectivas e de horizontes de muitas décadas.
Considerar ALTICOBA21 na perspectiva habitual de « cada vez mais » (clientes, lucros, promoção, empresas, comercialização…) é um contrasenso porque isso reforça a inviabilidade do actual desenvolvimento. ALTICOBA21 é uma pedagogia para um melhor desenvolvimento inserida no próprio sistema. E, nesta visão aberta e sistemática das situações a tratar, os turistas, os prestadores do Norte e do Sul, as autoridades locais, nacionais e internacionais, as empresas – sub contratantes, contratantes, sedeadas – são envolvidos. ALTICOBA21 não é uma forma de desenvolvimento « local ». E é aí que reside a sua força mas também a sua maior limitação.
Quem é portador, afinal, da bandeira dos territórios e das sociedades na totalidade dos seus integrantes e, portanto, da sua coerência? Onde estão as marcas transversais? Os ministérios horizontais ? Quem garante o interesse geral ? Quem, afinal, garante as tentativas de inscrever na realidade as grandes conciliações do desenvolvimento responsável : curto prazo – longo prazo, local-global, individual-colectivo, mono-poli, simplicidade-complexidade ?
agenda 21, turismo solidario, desarrollo sostenible, población rural, creación de fuentes de trabajo, creación de actividad, financiamiento del desarrollo
, Yibuti
Tradução em português: Francisco Botelho
Este artigo está também disponível em inglês, espanhol e francês.
Este artigo está disponível no blog: Boletim Internacional de Desenvolvimento Local Sustentável.