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diálogos, propuestas, historias para una Ciudadanía Mundial

Os movimentos camponeses na América Latina

03 / 2011

O processo de globalização que integrou a produção e economia mundial numa escala sem precedentes, não poupando nenhum domínio da atividade humana, não se produziu sem resistências, sem encontrar oposição de vários setores da sociedade. Concomitantemente a esse processo, novas forças sociais foram se constituindo e articulações de dimensões cada vez mais amplas e diversas foram se formando até se configurarem organizações de porte internacional. No plano da agricultura, a maior força que se constituiu foi a Via Campesina, como expressão direta da emergência organizativa dos camponeses de todo o mundo. Desde então, a Via Campesina se tornou um dos principais atores no questionamento desta ordem econômica e de suas instituições representativas, como o FMI, o Banco Mundial e a OMC, sem deixar de lado a análise e crítica das funções exercidades pelas grandes empresas transnacionais e outros agentes economicos e financeiros que atuam no domínio agrícola. No continente latino-americano a Via Campesina é representada pela Coordinadora Latinoamericana del Campo – CLOC, que por sua vez é resultado de um amplo processo de articulação dos movimentos sociais do continente que havia se iniciado no final do anos 80.

Além de uma crítica do modelo economico e suas consequências, elaborada a partir da experiência vivida pelos camponeses de diversas regiões do planeta, a Via Campesina e a CLOC se tornaram formuladoras de proposições em vários níveis da produção agrícola, de direitos para os camponeses, de condições de vida, de modos de produção, de respeito a natureza, para citar somente algumas das proposições desenvolvidas pelo movimento. Os aspectos gerais do processo de formação da CLOC, seus princípios organizativos, seus programas, formulações e objetivos, assim como alguns dos principais elementos que caracterizam a Via Campesina, é o que nos propomos a apresentar no conjunto de textos que compõem esse dossiê RITIMO.

Uma introdução histórica resgatando as principais articulações que estiveram na origem da CLOC, principalmente as formadas pelas organizações de negros, indígenas, povos originários e camponeses, nos é apresentada no documento Proceso organizativo de la Coordinadora Latinoamericana del Campo – CLOC. Nesse texto também podemos ter uma idéia do desenvolvimento dos principais temas que compõem o programa da CLOC. No texto Resumen historico de La Vía Campesina, da pesquisadora canadense Annette Desmarais, que acompanha a Via desde seu início, temos a apresentação de um panorama geral da formação da Via Campesina e algumas das suas principais ações e formulações à nível internacional.

A implementação do modelo neoliberal na América Latina nas décadas de 80 e 90 foi caracterizada pela ampliação da liberalização do comércio internacional e a redução do papel do Estado, o que teve consequências importantes para as economias latino-americanas. Nesse novo contexto econômico a agricultura nos países latino-americanos assumiram novas funções, diferentes daquelas que desempenharam no período anterior, caracterizado pela substituição de importações e industrialização sob orientação do Estado. Pode-se notar um aumento da produção agrícola no período neoliberal, mas uma produção centrada em alguns produtos e em algumas regiões do continente, controlada principalmente por grandes estruturas economicas e orientada para o mercado internacional. Esse modelo de desenvolvimento agrícola teve limitadas consequências na diminuição da pobreza rural e geração de emprego. Foi a essa conclusão que a FAO da América Latina chegou, após uma análise desse processo em países de diferentes regiões da América Latina. Uma síntese dos estudos realizados pela FAO estão contidas no texto “Boom” agrícola e persistência da pobreza na América Latina: algumas reflexões.

A reforma agrária é um dos temas centrais na história dos países latina-americanos. A lutas dos povos originários, indígenas, negros e camponeses tiveram e têm uma relação central com o acesso à terra e a transformação da estrutura fundiária. Essa luta pela reforma agrária foi assumindo novos conteúdos no decorrer do avanço do processo organizativo dos movimentos sociais. Plinio de Arruda Sampaio, no seu texto La Reforma Agraria en América Latina: una revolución frustrada, faz uma análise das limitações dos processos de reforma agrária no continente e aponta os novos elementos que se configuram nas atuais lutas sociais, assinalando que um dos traços comuns aos movimentos camponeses de varios países do continente é a necessidade de ampliar o ambito da luta pela terra e transforma-la em uma “luta pela transformação não só do modelo agrícola mas também do próprio modelo econômico dos países do continente”. Outro aspecto destacado é que as reinvindicações dos movimentos vão além das demandas típicamente camponesas, como crédito, assistência técnica ou infra-estrutura e passam a reivindicar também a democracia, a universalização de direitos e cidadanias plenas, chegando a ter forte influência na eleição ou derrubada de presidentes (como na Bolivia e no Equador).

A maior amplitude do programa das organizações camponesas e indígenas pode ser também exemplificado pela tomada de posição frente às mudanças climáticas e ao aquecimento global. A CLOC e a Via Campesina estiveram presentes na Conferência Mundial dos Povos sobre Mudanças Climáticas e Direitos da Madre Tierra, realizada na Bolívia e convocada pelo presidente Evo Morales após o fracasso das negociações na Conferência de Copenhague. As reflexões sobre os impactos do modelo indústrial de produção agrícola nas mudanças climáticas e no aquecimento global, assim como as proposições das organizações camponesas e indígenas para conter os problemas, são apresentadas no documento La CLOC/Vía Campesina ante Conferencia Mundial de los Pueblos sobre el Cambio Climático y los Derechos de la Madre Tierra.

Uma das concepções estratégicas da CLOC e da Via Campesina é a implementação da Soberania Alimentar. Esse conceito é resultado de um enfrentamento político às proposições feitas no quadro das instituições internacionais, pricipalmente da FAO, que propunha medidas para a solução do problema da fome no mundo numa lógica essencialemente de mercado. Resultado de uma longa prática dos movimentos sociais, as dimensões fundamentais da concepção de Soberania Alimentar são apresentadas no texto Soberanía Alimentaria: aproximaciones a un debate sobre alternativas de desarrollo.

A pluralidade de povos que compõem a América Latina e suas formas de organizações e visões de mundo são um dos aspectos de crescente importância para a CLOC e de longa tradição nas lutas políticas e sociais no continente. Os povos indígenas e as populações originárias possuem tradições milenares que continuaram a se desenvolver e constituem um elemento organizativo importante, além de um dos aspectos fundamentais da cultura e dos modos de vida. A importância desse tema atinge hoje dimensões sem precedentes na história do continente. Uma das expressões dessa importância e a constituição, pela primeira vez desde a colonização, de Estados plurinacionais. Selecionamos aqui dois textos que nos introduzem alguns elementos sobre esse tema, formulados por organizações membras da CLOC: Tendencias en el Abordaje de la Realidad de los Pueblos Indígenas u Originarios e Cosmovisión Dominante, Cosmovisión Indígena y Territorio.

Em outubro de 2010, no Equador, foi realizado o último congresso da CLOC. Foi um momento importante para a realização de um balanço da organização após seus mais de 15 anos de existência. As profundas transformações políticas e econômicas ocorridas nesse período no mundo e no continente e os novos desafios que as organizações camponesas devem enfrentar são elencados no texto Desafíos políticos y organizativos de los movimientos campesinos de América Latina. Coordenadores históricos de diversas regiões e países do continente fazem também uma reflexão sobre a CLOC o périodo no texto V Congreso de la Coordinadora de Organizaciones del Campo – CLOC: Balance político y organizativo.

Esperamos que este conjunto de textos permitam uma melhor compreensão dos processos organizativos, reflexões, proposições e objetivos das organizações camponesas que atuam na América Latina. Como poderemos ver nos documentos, uma das questões fundamentais é a ampliação das alianças com outros setores sociais, principalmente com os setores urbanos, com o objetivo de que a discussão sobre os modelos de agricultura e suas consequências sejam debatidos não só pelos camponeses, mas pelo conjunto da sociedade. Esperamos que esse dossiê possa contribuir na implementação desse objetivo e que as organizações sociais e todos aqueles e aquelas interessados por um mundo mais justo, igualitário e respeituoso possam encontrar aqui subsídios para suas ações.

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