2009
Em muitas cidades o acesso às estruturas e instituições a cargo das políticas, programas e projetos que poderiam melhorar a vida dos cidadãos, está vedado. Brown (2009) assevera que para erradicar a pobreza é necessário reconsiderar nossa forma de entender a cidade, as políticas urbanas, os direitos e responsabilidades de cada um. Em países democráticos como o Canadá, os cidadãos podem votar e eleger seus representantes a cada quatro anos. Contudo, as áreas de rendas menores registram a menor quantidade de votantes (1).
Satterthwaitte (2002: 10) assinala sete aspectos relacionados à pobreza urbana: rendas insuficientes; base de ativos insuficiente, instável ou de alto risco; moradia inadequada; disposição inadequada de infraestrutura pública; deficiência dos serviços básicos; ausência de redes de segurança; e proteção inadequada dos direitos através das leis. A construção do direito à cidade significa tomar o controle dos processos democráticos e construir processos participativos inclusivos que aumentem o poder e os recursos sociais e políticos. Isso, por sua vez, permitirá que as pessoas lutem por suas necessidades básicas e por seus direitos (2). São muitos os obstáculos no caminho e poucas vezes são acidentais. ACORN Canadá é uma organização sem fins lucrativos que busca modelos de organização comunitária para atingir tais objetivos (ACORN Canadá: 2009a). As organizações reúnem pessoas para alcançar mudanças em suas comunidades a nível local, regional, estadual e nacional. Ao fazê-lo, as organizações também constroem poder político e social, transformando assim a forma como as cidades são administradas. Este é o efeito expansivo que tantas vezes se busca atingir nos processos de participação eficazes.
Este artigo analisa a forma como os membros de ACORN, por meio da ação social, desenvolvem uma campanha a nível de cidade, ameaçando com o aumento de 25% na quantidade de votantes locatários para o ano de 2010 em alguns distritos eleitorais específicos, convertendo assim os problemas dos locatários numa questão controvertida nas próximas eleições. Graças a estas atividades, os membros de ACORN em Toronto puderam se fortalecer e fortalecer suas organizações associadas; desenvolver recursos sociais e políticos; conseguir acesso aos políticos, meios e autoridades públicas; melhorar suas vidas lutando e a partir daí obtendo o direito à cidade.
Contexto do Planejamento e desenvolvimento em Toronto: um programa para a exclusão social e econômica
Pobreza e organização comunitária em Toronto, Canadá
Apesar de sua economia crescente e sua baixa taxa de desemprego o Canadá tem sido cada vez mais criticado pelos cidadãos por não contar com uma estratégia habitacional, a nível nacional, e de planejamento, a nível de cidade e de estado, que garantam moradia segura e decente para todos. A Comunidade de Moradia de Toronto (Toronto Community Housing) conta com mais de 200.000 unidades, a maioria das quais se encontra em más condições, sendo que muitas estruturas requerem investimentos de milhões de dólares em reformas. Muitos desses edifícios não cumprem os regulamentos da cidade referentes aos padrões de segurança. Estima-se que existam cerca de 70.000 famílias na lista de espera e são estas mesmas que não podem participar do programa de habitações sociais, comprar propriedades ou custear uma hipoteca (ACORN Canadá 2008). Existem 6.385 edifícios multifamiliares (MRABs na sigla em inglês) em Toronto. Cerca de 80% destes edifícios possuem mais de 40 anos e necessitam urgentemente de sérias reformas e 95% destes têm mais de 25 anos. Os edifícios em piores condições se encontram nas áreas de menor renda, na periferia da cidade, que dia após dia agregam mais trabalhadores pobres. Além disso, os rendimentos dos lares caíram em comparação com os custos de aluguel segundo o mercado. (Município de Toronto 2008 a & b).
Toronto tem uma população de mais de 2,6 milhões de habitantes, os quais se distribuem em 44 distritos eleitorais (Município de Toronto 2008ª). ACORN Canadá inaugurou seu primeiro escritório em Toronto há cinco anos com o objetivo de organizar as comunidades de baixos recursos. Por meio desta organização, as comunidades podem enfrentar melhor os problemas que se apresentam (ACORN Canadá 2009ª). ACORN Canadá faz uso de uma estratégia de organização comunitária desenvolvida originalmente por Saúl Alinski em Chicago e, posteriormente, por ACORN nos Estados Unidos. O enfoque é simples: o poder está nos números. Os membros de ACORN Canadá, que são a base da organização, são também seus proprietários e representantes, encontrando-se no centro de sua estrutura, ou seja, a divisão de vizinhança (Miller et al 1995). Atualmente, ACORN Canadá conta com quatro escritórios (Ottawa, Hamilton, Toronto e Vancouver), com mais de 12.000 membros e onze divisões locais, as quais estão presentes em cerca de 10 dos distritos eleitorais de mais baixa renda de Toronto. Os membros atuam de maneira direta para protestar contra os objetivos específicos, afrontando assim seus problemas. Cada vitória significa para eles maior credibilidade e poder para sua organização. Quando se organizam e conseguem vencer um locador injusto dão força aos membros que vivem no outro extremo da cidade.
Da luta pelos direitos dos inquilinos à mobilização em busca de eleições municipais
ACORN Canadá constrói suas divisões locais enviando organizadores comunitários para zonas de baixa renda. Eles vão de porta em porta falando com os residentes sobre questões locais, conseguindo assim novos membros a cada dia (Miller et al 1995). As questões referentes aos locatários se transformaram num item bastante importante nos bairros mais necessitados, o que motivou os membros de ACORN a organizar atividades independentes na cidade, denunciando as companhias ineficientes de administração de edifícios e os donos de propriedades em bairros pobres. Desta maneira, os membros obtiveram reformas nos elevadores, dedetizações, coleta de lixo, melhorias na segurança, parques e complementos de renda. Contudo, isso não foi mais do que a ponta do iceberg (ACORN Canadá 2009a).
Em 2006, um candidato pouco conhecido do distrito eleitoral 8 obteve um cargo no município graças a sua defesa dos locatários e a concessão de licenças aos mesmos. A Campanha Concessão de Licença de Locatários de ACORN Toronto está amplamente baseada na experiência de Los Angeles e de outras cidades. A concessão de licenças contempla uma tarifa nominal, normas e também busca estabelecer uma conta sob a custódia de um terceiro para evitar que os locatários que violam os regulamentos e que não cumprem com os padrões fiquem com o dinheiro (Município de Toronto 2008b). O êxito do candidato surpreendeu igualmente aos opositores e partidários, trazendo a campanha à luz de forma eficaz. Na campanha discutiam-se questões locais a nível de cidade, o que culminou, dois anos mais tarde, num informe com recomendações elaborado pelo departamento de Segurança e Normas Municipais (Municipal Safety and Standards) e apresentado à câmara municipal para fazer frente a estas questões. Apesar do forte lobbying, das atividades que se realizaram e da participação dos membros e oradores presentes na reunião da câmara municipal, a solução apresentada no informe resultou insuficiente (3).
A cidade lançou o Programa de Auditoria de Edifícios (MRAB na sigla em inglês), que começou inspecionando quatro edifícios em cada distrito eleitoral (sem priorizar os distritos que apresentavam problemas de alta densidade nos edifícios). Embora o resultado tenha sido decepcionante, este evento significou um novo enfoque para a campanha. Os membros, por sua vez, conseguiram estabelecer uma relação de cooperação com a entidade encarregada das Permissões e Padrões Municipais (ML&S, na sigla em inglês) depois de uma atuação forte e decidida durante a primeira inspeção. ACORN Toronto estava centrada em escolher edifícios com problemas e, para a primavera de 2009, os membros já se reuniam regularmente com a ML&S para ajudar no processo de regularização e de melhoria do programa MRAB. Logo se começou a observar melhorias nos edifícios selecionados, dado que os locatários problemáticos começaram a se preparar para as inspeções. Embora a concessão de licença de locatários ainda era considerada uma campanha importante, ACORN Toronto começou a enfocar mais o programa de auditoria, que apresentava maior potencial.
As primeiras inspeções realizadas nos edifícios são consideradas como projeto piloto. ACORN Toronto está trabalhando em conjunto com a entidade encarregada de Segurança e Normas para transformar o programa em algo que possa mudar o enfoque e a magnitude da forma como a cidade lida com os locatários problemáticos. Assim, ao mesmo tempo, poderá exercer a pressão suficiente com o objetivo de que se realizem custosos trabalhos de reforma e manutenção dos edifícios. Ainda mais importante, com a finalidade de impulsionar a campanha e levá-la a um passo adiante, a organização buscou tirar proveito de suas vitórias mais recentes e de seu papel como sócio e colaborador.
Primeiro, com o lançamento, em julho de 2009, de sua campanha Voto de Inquilino 2010 e, segundo, ameaçando com um incremento de 25% do número de votantes em distritos específicos (ACORN Canadá 2009b) como uma forma segura de captar a atenção dos municípios e de passagem, colocar novos aliados no poder político.
Vitória
A obtenção de mudanças tangíveis em bairros de baixa renda
Não se deve ignorar o fato de que a campanha começou a atingir melhorias nas condições de vida e conseguiu reformas urgentes em construções e edifícios. Mesmo que os residentes já tenham notado mudanças significativas nos edifícios nos quais ACORN esteve lutando durante anos, ainda estão por ver se o MRAB e a campanha Voto do Inquilino 2010 terão o impacto e a magnitude desejados. De qualquer maneira, a campanha e as atividades a ela relacionadas produziram mudanças importantes em relação ao poder e ao planejamento, a tomada de decisões e as condições de vida físicas dos habitantes de Toronto.
Os membros de ACORN, que haviam sido ignorados pelos administradores de seus próprios edifícios, estão sendo testemunhas das mudanças patentes, tais como a erradicação de pragas (ratos, percevejos e baratas), reformas de janelas, telhados, sistemas de calefação (uma questão importantes para os canadenses no seu inverno), elevadores e muitas outras infrações indicadas nas ordenanças de construção e urbanização. Antes do MRAB, ACORN Toronto empreenderia ações diretas com os administradores para pressioná-los a assumir sua responsabilidade. Depois de 188 inspeções realizadas na cidade, sua influência aumentou consideravelmente, de modo que a campanha permitiu que os membros trabalhassem diretamente com conselheiros e funcionários municipais para obter a medição e a avaliação necessárias (4).
A construção de poder e de recursos políticos e sociais
ACORN Canadá trabalha dia após dia para conseguir mais sócios, fortalecer suas divisões locais e impulsionar as ações para atingir melhorias nos bairros de média e baixa renda. Desta maneira, a rede social que se estabelece entre os membros reduz o isolamento e a impotência. Graças ao trabalho em conjunto com os conselheiros e locatários para promover seu programa em edifícios específicos, os membros de ACORN adquiriram acesso a processos democráticos. A ML&S se mostrava reticente a trabalhar com os membros de ACORN, porém através da ação direta da campanha, estes foram capazes de atraí-los e desta forma, conectálos com o planejamento de estruturas da cidade. Adquirir a capacidade de atuar contra a administração e os locatários empodera os membros e lhes proporciona uma voz que em algum momento foi facilmente ignorada.
Os membros se reúnem para desenvolver planos de ação e campanhas para pressionar as pessoas cujas decisões têm efeito em suas vidas. Por outro lado, as conquistas e a atenção mediática recebida lhes dão confiança e os ajuda a captar novos sócios. Os novos aliados no poder político, a criação e melhoria das políticas, novas e antigas, também fortalecem e conferem credibilidade aos membros e à organização. Como resultado, menos pessoas ficam excluídas das estruturas e dos processos da cidade.
A transformação das estruturas e dos processos da cidade
A campanha iniciou-se com pequenos grupos de membros de ACORN Toronto, que se organizavam para tomar medidas diretas em seu entorno. Os objetivos consideravam desde administradores e locatários individuais até Companhias de Administração e grupos de Lobby de Desenvolvimento de Arredores. Graças aos novos aliados políticos obtidos, o grupo pôde se organizar a nível municipal para exercer pressão sobre o informe dos MRABs. Embora o informe não tenha sido satisfatório, a discussão em torno da concessão de licenças de locatários na imprensa e o próprio informe podem ser considerados como uma espécie de vitória, revelando também o importante papel que os membros de ACORN tiveram na realização do informe.
Durante algum tempo, a ML&S foi considerada pelos membros como um objetivo, dado que era um organismo público que raras vezes respondia as ligações ou se fazia presente nos eventos e atividades da comunidade, quase sempre ignorando as queixas. De repente os membros começaram a receber ligações da ML&S perguntando-lhes acerca de seus edifícios e do Programa de Auditoria de Edifícios MRAB. Os inquilinos de baixa renda que antes haviam sido excluídos, agora eram recebidos na prefeitura para participar de reuniões e planejar o novo programa de auditoria. A situação estava mudando.
Conclusão: Reduzindo a exclusão, obtendo segurança habitacional e construindo o direito à cidade
O traçado e o planejamento físico da cidade de Toronto revelam a forte influência que as companhias imobiliárias exercem sobre a cidade. O resultado desta influência significa a exclusão física, econômica e social para as famílias de média e baixa renda, as quais são obrigadas a optar por condições de vida violentas e em deterioração. Por meio da organização, protestos, mobilização, propostas, criação de associações e a identificação de objetivos de pressão, os membros da ACORN Toronto foram capazes de pressionar pela obtenção de melhorias imediatas, influência política pública, transformando o processo de planejamento a fim de que fossem incluídos, como locatários de baixa renda, no planejamento estratégico da cidade.
A influência que ACORN Toronto terá nas próximas eleições municipais em 2010 é uma ameaça para qualquer candidato que não esteja disposto a apoiar os direitos dos inquilinos, uma vez que até os locatários já estão enviando advertências sobre sua intenção de mudar a estrutura e a ordem das prioridades do município. Utilizando as estratégias de organização comunitária, os membros de ACORN têm sido capazes de construir o poder social e político necessário para ir à comunidade e começar a reivindicar, efetivamente, a cidade que lhes pertence por direito.
popular participation, participation of inhabitants, election, urban policy, mobilization of the inhabitants, living conditions, social housing
, Canada, Toronto
Bibliografia
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ACORN Canada 2008, Affordable Housing Report, retrieved from acorn.org/fileadmin/International/Canada/Reports/affordable_housing_report_-_FINAL.pdf, 21/09/2009
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City of Toronto 2008b, Regulatory Strategy for Multi-Residential Apartment Buildings (MRABs), Staff Report to the Executive Committee from the Executive Director, Municipal Licensing and Standards, ref. no. P:\2008\Cluster B\MLS\MRAB Report Final Version October 27.doc, retrieved from www.toronto.ca/licensing/mrab.htm, 21/09/2009
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HIC (Habitat International Coalition) - General Secretariat / Ana Sugranyes Santiago Bueras 142, Of.22, Santiago, CHILI - Tel/fax: + 56-2-664 1393, + 56-2-664 9390 - Chile - www.hic-net.org/ - gs (@) hic-net.org