Alejandra Elgueta, Felipe Morales
2009
Um problema transversal a todos os conflitos vivenciados na cidade de Santiago é a falta de participação popular, tanto na tomada de decisões como na utilização da cidade. Considerando que a apropriação do entorno e a comunicação entre habitantes de um mesmo local é uma ferramenta fundamental na construção de espaços públicos, apresentou-se a ideia de levar a cabo uma oficina sobre educação ambiental urbana para as crianças da zona de San Judas Tadeo, na comuna (1) de Peñalolén, de modo a explorar o bairro e sua história, utilizar o espaço público e impulsionar o reconhecimento entre as crianças do referida zona.
Na sequência, expõe-se uma síntese das ideias sobre as quais a oficina foi planificada e uma avaliação dessa experiência, o resultado no que se refere à participação popular efetiva.
O caráter social da cidade
O conceito de construção social do espaço considera que a cidade também é uma construção social. Segundo Henry Lefebvre, esta construção está baseada na produção do espaço. A cidade iria se adaptando ao processo de produção de capital, destruindo as estruturas antigas para construir novas formas urbanas, conceito que David Harvey define como destruição criativa (HARVEY, 1980).
Em outras palavras, a configuração que a cidade adquire surge da tensão entre as relações de poder de grupos sociais pelo controle e articulação do espaço em função de seus próprios interesses. Estas formas podem não ser originalmente geográficas, mas terminam por adquirir uma expressão territorial (Santos, 1986).
O planejamento urbano no Chile
Na carta mundial sobre direito à cidade, este se define como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e de organização, com base em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a livre autodeterminação e a um nível de vida adequado.
Esta visão guia os discursos políticos sobre os eixos de desenvolvimento urbano nas cidades chilenas, como é o caso do Ministerio de Habitação e Urbanismo (2), que se traduzem em cidades com integração, sustentabilidade e competitividade. No entanto, se no discurso político estes três eixos se colocam num mesmo nível, as ações priorizam a competitividade, ao ponto de sobrepor a sustentabilidade e a integração para consegui-la.
Na prática, o planejamento da cidade responde aos interesses de poucos cuja posição privilegiada nas redes de poder político e econômico faz com que sua voz seja mais ouvida. Definitivamente, a opinião dos cidadãos na organização da cidade não é considerada. Reflexo disso são as constantes situações de descontentamento e conflito dos habitantes e o pouco peso que tem nas decisões que tomam os governantes e profissionais de planejamento. Assim, torna-se válida a seguinte afirmação: “hoje os mesmos que governaram por décadas continuam confundindo desenvolvimento urbano com crescimento imobiliário. Sua fórmula é que nós, os moradores, adaptemo-nos às cidades e não as cidades se adaptem a nós.” (3)
Peñalolén. “A melhor comuna do Chile”
Na cidade de Santiago, especificamente na comuna de Peñalolén, os moradores conheceram em junho de 2009 a proposta do Plano Diretor da Comuna elaborado pela URBE consultores a pedido do município. Ao que parece se busca atrair investimento imobiliário orientado a setores com mais recursos em relação aos habitantes que estão vivendo tradicionalmente no lugar. Isso pode trazer como conseqüência a expulsão silenciosa dos mais pobres para outras comunas.
O processo de participação dos cidadãos levado a cabo em Peñalolén se caracterizou pelo temor dos que planejam em escutar a voz dos “planificados”. Também pela incompetência da maioria das autoridades municipais que, definitivamente, tem o poder de decisão. A proposta de planejamento já veio elaborada, planejada, desenhada da prancheta da consultora, pronta para ser aplicada. Pode-se dizer então, que as instâncias governamentais de participação popular são simbólicas, porém irreais.
Como construir uma cidade mais justa?
A figura da criança como referência para o planejamento urbano
Quando se pensa em como fazer da cidade um lugar acolhedor para todos os seus habitantes, onde todos possam acessar livremente o espaço e satisfazer seus desejos de se locomover de maneira cômoda ou recreação sem impedimentos nem limitações, então se encontra um primeiro problema: a partir de que perspectiva pensar a cidade.
Tomando como base as ideias e experiências do pedagogo italiano Francesco Tonucci, propõe-se pensar a cidade a partir da perspectiva infantil como uma estratégia de integração dos cidadãos na sua cidade, por meio da recuperação dos espaços públicos. Tonucci, preocupado com o problema da solidão das crianças em cidades ricas começa pesquisar e experimentar formas de planejar a cidade considerando a perspectiva das crianças. Porém, por que optar por esse grupo da população e não outro? Sem importar sua condição socioeconômica, étnica ou outra, a criança se vê excluída da cidade devido a sua idade. Não é parte da massa votante, vive sob a supervisão de adultos que decidem o que é bom ou não para ela, sendo que ninguém lhe pergunta como gostaria que fosse sua cidade. Isso fortalece a figura da criança como referência, já que sua exclusão é um problema que atravessa a totalidade de camadas da sociedade. Existem crianças em todas as classes sociais, religiões, etnias e crianças imigrantes de todas as nacionalidades.
Por outro lado, a criança é uma figura forte, capaz de sensibilizar toda a sociedade, devido ao fato de que representa o passado, o presente e o futuro. “A criança é nosso passado, um passado amiúde rapidamente esquecido, mas que nos ajudará a viver melhor com nossos filhos e a cometer menos erros se conseguirmos mantê-lo vivo e presente. A criança é nosso presente porque a ela está dedicada a maior parte de nossos esforços e sacrifícios. A criança é nosso futuro, a sociedade do amanhã, quem poderá continuar ou frustrar nossas decisões e nossas expectativas”. (Tonucci, 1996).
A educação ambiental como ferramenta para a participação dos cidadãos: A experiência da oficina
A experiência da oficina permitiu avaliar a educação ambiental como ferramenta para a participação popular. A ideia é levar a cabo uma oficina (e não aplicar questionários ou entrevistas) radicalizada em sua qualidade do ponto de reunião e organização. A oficina permite conhecer e interpretar a opinião de um grupo e não como a soma de opiniões de seus indivíduos. As pessoas, neste caso as crianças, emitem suas opiniões conhecendo a dos demais, o que estimula a discussão e compreensão.
A educação ambiental permite desenvolver o pensamento espacial. Neste caso, pensou-se no ser humano como parte de seu entorno e, portanto, protagonista do espaço em que vive. Enfatizou-se que os atos (elementos e ações) no meio ambiente não são isolados, e sim atuam sob certa lógica e se afetam uns aos outros. Por se tratarem de crianças, deve-se assumir que sua principal motivação é a brincadeira. Para as crianças brincar não é uma simples recreação, mas sim também exploração e aprendizagem. As crianças apreendem o mundo brincando. Contudo, devido aos seus objetivos, a oficina deve estimular o pensamento urbano crítico, tanto como o conhecimento e a apropriação do bairro. Um dos principais desafios foi como fazer uma oficina que através de atividades similares a brincadeiras estimulasse as crianças a conhecer, entender e avaliar seu entorno.
É necessário planejar atividades que contemplem a diversidade de crianças que assistirão a oficina. Em Peñalolén, foi de grande importância a faixa etária. Nas primeiras sessões trabalhamos com roteiros escritos e muitas crianças, que não sabiam escrever bem, ficaram excluídas, distraíram-se e começaram a fazer outras atividades, desviando a atenção daqueles que estavam trabalhando. À medida que a oficina foi avançando, decidimos trabalhar com “secretárias”. Entre as crianças existem interesses e personalidades diferentes. Existem crianças que não ficam quietas e outras que não se atrevem a falar, sendo que uma atividade exitosa deve permitir que todas participem à vontade.
A ideia anterior se conseguiu com a realização de um vídeo que reconstruiu a história do bairro, no qual as crianças deviam se organizar e cumprir todas as tarefas (incluindo a de cameraman). As crianças deveriam se sentir à vontade para opinar. O monitor não pode representar uma autoridade ou muito menos o dono da verdade, já que a oficina deve ser uma busca do grupo, na que se inclui o monitor. Os desejos expressados devem ser materializados de maneira que as crianças vejam os resultados da oficina e se motivem a continuar participando. Existem atividades que requerem algum tipo de preparação para serem executadas (4) sendo que é importante dedicar o tempo adequado, além de possuir a capacidade e os recursos para que se realizem em toda sua extensão.
Recomendações
A oficina debe ser orientada a:
• Ser o menos parecida possível com a escola.
• Apropriar-se do bairro por meio da observação direta e atividades no local.
• Realizar atividades que contemplem a diversidade do grupo (idade, personalidade)
• Materializar os desejos e necessidades acordados na oficina.
Conclusão
As oficinas de educação ambiental se perfilam como uma ferramenta útil para serem incorporadas nos processos de participação popular. Tal processo é muito mais que instâncias de governo nas quais se permite à população dar sua opinião a respeito do desenvolvimento urbano. A participação guarda relação também com fomentar o uso do espaço público e com o sentir-se cidadão. Neste sentido, a oficina de educação ambiental urbana estimula a ocupação e compreensão da cidade (neste caso o bairro), utilizando a cidade como recurso educativo, entendendo que os problemas da cidade podem ser resolvidos a partir da rua.
A oficina permite às crianças pensar e entender seu entorno como algo próprio, avaliando em grupo de maneira crítica e consciente. Esta forma de entender o bairro pode ser utilizada na compreensão dos desejos e necessidades dos habitantes para o planejamento da cidade. No entanto, a realidade indica que não existe vontade política por parte das autoridades governamentais em criar verdadeiras instâncias de participação popular no planejamento.
Enquanto isso, o que se deveria fazer é inserir a oficina dentro de algum tipo de organização popular, por exemplo, através da criação de uma assembléia de crianças, cuja opinião construída em conjunto através das brincadeiras, explorações e discussões, seja considerada e apoiada pela organização dentro da qual está inserida.
Este tipo de iniciativas e outras que a precedem fazem refletir sobre o rol que cumprem os habitantes da cidade na construção da mesma. Por que não se permite às crianças participarem da construção de seu bairro? Os habitantes continuarão esperando que as autoridades resolvam as problemáticas relacionadas com seus espaços públicos?
Se acaso se espera uma resposta, o mais provável é que a qualidade de vida da cidade já seja uma vaga lembrança. Talvez seja o momento em que as pessoas organizadas começam a se apropriar dos lugares, exercendo seu direito identidade dos territórios, para fazer frente a planos e intervenções que escapam à lógica local do bairro.
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, Chile
Referências
Elgueta, Alejandra. Morales, Felipe. Ugarte, Akza. “Los Niños en la creación de la Ciudad”.
Revista CECU Centro de Estudios Críticos Urbanos. Año 1. Nº 1. Santiago.
Harvey, David. 1998. “La condición de la Posmodernidad”. Editorial Amorrortu.
Lefebvre, Henry. 1972. “La Revolución Urbana. Alianza Editorial. Madrid.
Santos, Milton. 1986. “Espacio y Método”. Revista Geocrítica Año XII. Número: 65. Universidad de Barcelona.
Santos, Milton. 1995. “Metamorfosis del Espacio Habitado”. OIKOS – TAU. Barcelona.
Tonucci, Francesco. 1996. “La Ciudad de los Niños”. Barcelona.
Valdeverde, Jesús. 1995. “La Ciudad como Recurso Educativo. Los Recursos Educativos en la Ciudad”. Revista La Ciudad Didáctica del Medio Urbano. Barcelona.
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