O surgimento do movimento de moradores em Santiago do Chile (1)
Os movimentos de moradores do princípio do século XXI, no Chile, têm suas raízes na sua longa história de lutas durante o século XX. É por isso que carregam traços similares nas suas demandas e ações. Contudo, diferenciam-se dos movimentos dos anos 60, 70 e 80 por três razões (2): a fragmentação da identidade de morador, a aspiração à igualdade e a ação fragmentada.
A fragmentação da identidade do “ser morador” é resultado das mudanças políticas que o Chile vem sofrendo desde a ditadura militar (1973-1990) com a instalação de um modelo econômico, social e cultural neoliberal que teve consequências no tecido social do país. Embora durante os anos da ditadura, a violência e a pobreza dos moradores, o inimigo era visível e a luta clara, com a volta da democracia, não é tão simples definir para que e contra o que vai a sua luta.
A identidade do morador se torna mais complexa a partir da mesma individualização gerada pelas reformas neoliberais da ditadura e da democracia, que criaram um habitante de conjunto habitacional popular (3) que pode não se reconhecer como “morador”, com pouca identidade no seu território marginalizado e de pouca notoriedade. Os moradores de hoje em dia são “duplamente despossuídos: da herança de seus antepassados e das promessas da modernidade contemporânea” (4). Uma das causas desta perda de identidade pode ser explicada pela mesma política habitacional que começou durante a ditadura e continuou na democracia com os diferentes governos da Concertación (5), traduzindo-se, entre outras coisas, na erradicação dos assentamentos precários (acampamentos, terrenos invadidos).
Com efeito, a realocação das famílias dos acampamentos para os conjuntos habitacionais populares, bairros de habitações sociais de baixa qualidade e de poucos metros quadrados gerou, em muitos casos, uma perda de vínculos sociais fortes que foram tecidos por meio da luta pela sobrevivência no acampamento. Esta perda de redes fortes, que eram um suporte no dia a dia, é vivida pelos recém-chegados aos conjuntos habitacionais populares com uma sensação de pobreza ainda maior. Embora satisfeitos pelas novas comodidades que encontram nas habitações sociais, as famílias recém chegadas sentem-se num ambiente de “desconfiança, medo e insegurança” (6).
É a partir desta mesma situação, de aproximação das famílias, de carência de moradia digna, que os moradores se organizam. Isto se traduz em lutas para retomar o espaço público a partir da organização comunitária, fazendo uma ponte entre os movimentos de moradores antigos e a situação atual, buscando recuperar e fortalecer os vínculos sociais entre os moradores.
História da construção do MPL: reuniões de irmãos para obter moradia digna
Em mapudungun, idioma dos mapuches, Peñilolén significa “reunião de irmãos”, o que deu lugar ao nome da atual comuna (7) de Santiago do Chile, Peñalolén. No século XIX, estas terras eram divididas em diversos fundos entre as poderosas famílias de proprietários de terras. Desde os anos 60 começaram as invasões dos terrenos – ocupações irregulares de terras – como resposta a falta de moradia em Santiago, sendo que grande parte da comuna foi construída dessa forma.
A última ocupação em Peñalolen aconteceu em 1999 quando 1700 famílias ocuparam um terreno de vinte e seis hectares, fato notável não apenas por sua escala (em termos de número de famílias e tamanho do terreno ocupado), mas também porque o fato ocorreu após dez anos de suposto êxito da política habitacional do governo chileno de transição democrática, assim como num período de redução da pobreza no país. A ocupação de 1999 é marcada por um contexto diferente da realidade das ocupações dos anos sessenta e setenta. Naquela época os moradores lutavam por uma moradia digna num contexto político e econômico muito diferente, alcançando construir, num começo, grande parte da cidade desta forma e em seguida, de forma adversa, com a repressão da ditadura militar para os setores mais pobres do país.
A ocupação de 1999, no entanto, tem as características tradicionais das invasões de terreno mais emblemáticas de Santiago do Chile, e deu lugar a uma organização eficaz de moradores que demonstraram sua vontade de integrar a cidade que os exclui. Conseguiram mostrar que eram atores indispensáveis, protagonistas da construção da cidade, ao contrário do que mostra a política habitacional dos diferentes governos da Concertación (aliança de partidos de centro e centro-esquerda que governam desde o retorno da democracia), continuadora da política habitacional da ditadura, que reconhece somente dois atores: o estado e o mercado.
Os moradores, através de sua luta, determinação e trabalho conseguiram, com a ocupação de Peñalolen, encontrar diversas saídas para as justas demandas de vida digna com a liberdade e a solidariedade que se desenvolvem no interior desta comuna. Cabe destacar aqui que dez anos depois, a ocupação de Peñalolén continua existindo, com mais de 400 famílias vivendo em condições de vida pouco digna, constantemente vigiados pela polícia e vivendo sob pressão para abandonar a área.
Lucha y Vivienda (Luta e Moradia)
A tradição de luta por um lugar na cidade e uma moradia digna continuou viva nos moradores de Peñalolen mesmo depois da ocupação de 1999. Em 2003 nasceu a organização Lucha y Vivienda (Luta e Moradia), contando com assembléias de bairro e conselho de delegados, para poder descentralizar o poder de decisão dentro da organização geral. Apesar do discurso oficial de êxito da nova política habitacional chilena dos anos 90 e da implementação, em 2006, da Nova Política Habitacional pelo atual governo de Michelle Bachelet, as novas organizações de moradores como Lucha y Vivienda se organizam para reivindicar suas aspirações a uma moradia digna, num lugar onde seus vínculos sociais tenham sido tecidos historicamente. Em resumo, aspiram gozar do direito à moradia e à cidade, permanecendo na mesma comuna que os viu nascer.
O Movimento de Moradores na Luta (MPL), novo nome, a mesma luta
A partir do ano de 2006 surge o MPL, a partir da organização original Lucha y Vivienda, como nova referência dos moradores da comuna de Peñalolén para continuar a luta pelo direito à moradia e à cidade. Esta organização se destaca pelo dinamismo de seus integrantes e a vitalidade de um de seus representantes, Lautaro Guanca, 26 anos, estudante de direito e morador da comuna de Lo Hermida, conjunto habitacional popular histórico de Peñalolen. Nos últimos anos os moradores de MPL alcançaram vários êxitos, em diversos níveis, para tornar realidade o direito à cidade e a moradia nesta comuna. Estes esforços nascem da vontade de recuperar um papel ativo na tomada de decisões e transformar em realidade a participação dos moradores, recuperando o tecido social perdido durante os anos de ditadura militar e de política neoliberal, assim como durante a democracia e a política habitacional subsidiária dos diferentes governos da Concertación, que trouxe efeitos de individualização e pouca participação dos moradores.
Abordagem ideológica: do beneficiário ao “novo morador”
Muitos enfoques de políticas públicas, pesquisas acadêmicas e outros consideram os conjuntos habitacionais populares das periferias pobres urbanas como anomalias, problemas a resolver através das políticas urbanas, habitacionais, etc., porém poucas vezes são abordadas como espaços com potencialidades emancipatórias, como territórios onde os moradores são capazes de exercer poder a partir “de baixo”.
Um caminho para avançar neste sentido seria adotar o enfoque do direito nas políticas públicas, as quais se baseiam na participação das camadas excluídas no desenho e implementação das mesmas. Trata-se de entender os moradores, não como meros objetos da política pública, mas sim como sujeitos com direitos, atores e protagonistas dos processos de construção social do território, assim como da produção do hábitat. Concretamente, a proposta do direito à cidade nos entrega um quadro para o desenho de políticas públicas urbano-habitacionais abordadas a partir do direito.
O que as políticas públicas subsidiárias dos últimos trinta anos no Chile conseguiram foi transformar os pobres – considerados como marginais, vulneráveis, excluídos – em simples beneficiários, assistidos por programas sociais, tornando-se objetos focalizados da política pública. A transformação está em retomar o papel histórico dos moradores como construtores da cidade e sua participação nos processos políticos, especificamente nas políticas públicas. Trata-se de entendê-los como força política e produtiva, como sujeitos de direito, que se posicionam a partir da conquista de novos territórios físicos, culturais, sociais, econômicos e políticos. Desse modo poderão mudar a lógica de assistidos ou beneficiários, para instaurar uma nova posição frente ao estado, mudando suas práticas, apropriando-se dele, redistribuindo a mais-valia, exercendo a cidadania, sem esperar conquistar todo o poder – como era o paradigma do século XX – mas sim exercendo tal poder a partir do seu território.
A visão negativa do estado para os territórios de pobreza urbana tem sido um terreno fértil para fomentar a segregação física e simbólica que pesa sobre eles. Propomos um olhar diferente para as periferias urbanas, o qual também coincide com o enfoque do direito nas políticas públicas centradas no habitante. Também entendemos que “os subúrbios das cidades do terceiro mundo consistem num novo cenário geopolítico decisivo” (8).
Alienações urbanas do estado subsidiário e desalienações coletivas dos territórios
A mesma ação do estado subsidiário tem sido talvez a maior causadora de problemas sociais nas cidades. Deve-se olhar a crise gerada pela ação da política habitacional, criando “guetos” de pobreza urbana de moradores “com teto” (9), os quais deixaram de ser sujeitos de direitos, transformando-se somente em beneficiários ou objeto de programas sociais focalizados. “O mundo da marginalidade é, de fato, construído pelo estado, num processo de integração social e mobilização política, em troca de bens e serviços que somente ele pode proporcionar” (10).
Podemos fazer referência ao conceito de alienação, instaurado pela política habitacional subsidiária, de uma perspectiva de alienação no trabalho, entendido agora como uma alienação resultante da política pública subsidiária. Entendemos o conceito de alienação como essa situação “imposta em todas as facetas da vida cotidiana do indivíduo através de instituições e organizações que não permitem sua participação na provisão de serviços” (11).
Turner culpa esta alienação pelos sistemas heterônomos, administrados centralmente e dependentes das grandes estruturas piramidais de crescimento contínuo, baseadas nas tecnologias centralizadoras (12). Refere-se à redução da liberdade cotidiana, fundamentada numa atitude feudal por parte do estado para com as classes sociais. Assinala que esta atitude não é responsabilidade exclusiva dos políticos ou dirigentes, mas também dos profissionais e funcionários que implementam a política e consideram como cidadãos “ordinários” os moradores, dependentes deles e de suas decisões e como cidadãos “extraordinários” os especialistas. Todos, políticos e profissionais, realizam uma “administração de serviços a beneficiários dependentes, cuja ignorância e incapacidade são aceitas como dado imutável”, colocando em prática uma forma de relação paternal e de dependência entre o estado e os moradores (13).
Não se trata de negar a existência do estado, nem de culpá-lo por todos os males, mas sim de abordá-lo como necessário para a existência de certas instituições, estruturas, regulações e financiamentos. Insistimos que a responsabilidade se relaciona com o paradigma que tratam os “especialistas”, profissionais, executores da política, que não abrem espaços de participação aos moradores. Para implementar uma política com enfoque do direito é necessária, então, uma mudança ampla de paradigma, que inclua os políticos, os que desenham as políticas e os que a executam, supondo que estes papéis estagnados comecem a se “mobilizar”. Graus maiores de participação e o empoderamento no caminho para o direito à cidade são a base fundamental da ação dos movimentos de moradores.
As práticas territoriais dos movimentos sociais, neste caso do MPL, podem chegar a se transformar em processos emancipatórios e, conforme a ideia de Zibechi (2008), em “desalienações coletivas”. Neste sentido, elas são entendidas no processo de empoderamento do enfoque de direito, além de ponto de partida sob os prismas do direito à moradia e, em segundo lugar, de modo mais incipiente, do direito à cidade, a partir de um movimento social urbano em formação. Enquanto os moradores, em última instância, a classe trabalhadora “não aprender a enfrentar essa capacidade burguesa de dominar o espaço e produzi-lo, de dar forma a uma nova geografia da produção e das relações sociais, sempre jogará numa posição de maior debilidade que de força” (14).
As ações do movimento de moradores MPL para o direito à cidade
O MPL se coloca como uma organização territorial, o que supõe fazer uma análise do movimento social a partir de outra perspectiva: não das formas de organização nem dos repertórios de mobilização, mas sim das relações sociais nos territórios. “Existe uma batalha de descolonização do pensamento na qual a recuperação do conceito de território talvez possa contribuir” (15).
O MPL não se limita levar demandas ao estado numa lógica de reivindicação assistencialista e sim critica as atuais políticas, propondo por sua vez alternativas a partir de um território específico – os conjuntos habitacionais populares – ao modelo hegemônico, reivindicando a conquista territorial de espaços de autonomia e autogestão. Estas demandas-ações têm requerido um processo criativo que, paralelamente, segue “por dentro e por fora” (16) da institucionalidade vigente, operando nos interstícios deixados pela mesma. Tais espaços são utilizados pelo MPL instrumentalmente para incidir na política e alcançar seus objetivos de mais longo alcance, que se referem ao exercício dos direitos, antes da pura satisfação das necessidades, assumindo como próprio o enfoque do direito nas políticas públicas. Estes objetivos de mais longo alcance se baseiam em exercer autonomamente o poder a partir dos territórios.
A passagem do poder estatal para as organizações locais vai de encontro com os fundamentos estratégicos do direito à cidade – como marco para o desenho das políticas públicas com enfoque de direito – que aborda, entre outras coisas, a função social da cidade, assim como a predominância do interesse coletivo sobre o individual. Além disso, aborda a gestão democrática da cidade através, por exemplo, de espaços para a formulação e condução participativa das políticas públicas, bem como da produção democrática da cidade, incluindo a produção social do hábitat. No caso da trajetória do MPL, todos estes fundamentos são convergentes e coerentes com sua atuação a partir do território.
Exercer o poder a partir dos territórios, de baixo, implica também colocar em evidência as contradições que acontecem na cidade, especialmente numa cidade segregada como Santiago, onde a desigualdade é evidente na sua distribuição territorial. O direito à cidade aborda o usufruto equitativo desta, assunto que, no âmbito habitacional, denota – como destacam os dirigentes do MPL – o “conflito em termos de classe, como uma luta de classes, finalmente esta briga pela moradia é pelo controle da mais-valia, pelo controle da riqueza e se soluciona quando a classe obtém finalmente a maior quantidade de conquistas” (17).
A proposta do MPL sobre a passagem do poder do estado aos territórios se baseia no âmbito produtivo habitacional, com uma iniciativa de produção social do hábitat que se “acomoda” ao quadro vigente da política habitacional para então subvertê-la “gestando um embrião de poder popular que responde à necessidade de ter controle sobre uma gama completa de produção, que é a construção de habitações sociais” (18). Neste exercício de direitos, através da produção social do hábitat, existe também um pragmatismo evidente, que se relaciona com a urgência por responder às demandas dos moradores por direitos e não apenas esperar que o estado subsidiário se converta num estado de bemestar. Além disso, esta atuação toma como base o antecedente histórico de que a cidade foi construída pelos moradores.
A ação do MPL para o enfoque de direito
Embora seja certo que este movimento pode ser reconhecido na longa tradição dos movimentos de moradores chilenos que usam ferramentas tais como a ocupação de terrenos e o enfrentamento com as autoridades, o MPL desde o princípio afirma sua originalidade no cenário dos movimentos moradores, partindo do seu lema “Nosso sonho é maior que a casa”. Este slogan da organização estrutura claramente o projeto do MPL: não demandam somente por uma casa, um bem privado a ser conseguido com a ajuda do estado, uma vez que sua luta é mais ampla e global, direcionada a vontade de ser parte da cidade, de permanecer no bairro, na comuna de sua escolha, a vontade de ser parte do processo de tomada de decisão, de ter um peso nas decisões que tem importância em suas vidas. A ação do MPL se coloca então a partir “da conquista territorial de espaços de autonomia e de autogestão popular” (19). Assim se direciona para a reconquista de uma comuna construída por seus próprios moradores, porém na qual se encontram despossuídos da possibilidade de decidir seu destino. A vontade de permanecer no lugar onde possuem uma história, onde construíram sua própria identidade, o desejo de poder participar das decisões que afetam este lugar e, consequentemente, a vida de cada habitante e sua comunidade, são os elementos centrais do direito à cidade, proposta que está sendo apropriada pelos movimentos sociais.
As estratégias para alcançar seus objetivos
A partir das demandas dos moradores do MPL, cabe explicar suas estratégias para efetivar tais reivindicações e impulsionar a geração de uma política urbanohabitacional com enfoque de direito. É desse modo que é possível vislumbrar cinco grandes objetivos do MPL que se construíram ao longo dos anos (20):
1.Conquistar o direito a permanecer na comuna;
2.Transformar-se numa força produtiva autônoma;
3.Levantar estratégias auto-gestionadas de ação popular;
4.Ganhar espaços de representação dentro da institucionalidade política;
5.Incidir no planejamento urbano da comuna.
No caso da política habitacional, com a criação inovadora da primeira EGIS e da primeira construtora dos moradores, haverá o acesso à política vigente, dentro de suas estruturas e normativas, porém articulando e integrando os moradores no processo de gestão e produção habitacional, elemento que não estava contemplado no desenho da política pública. Através da ação do movimento social, no entanto, aproxima-se – quase que a força – de políticas públicas com enfoque do direito e da produção social do hábitat, abordando os princípios do direito à cidade.
O MPL celebra o resultado de suas lutas, a aprovação e o avanço autogestionado de seus projetos habitacionais e urbanos, inaugurando sua Entidade de Gestão Imobiliária Social (EGIS), e a Construtora dos moradores. Tratase assim de avançar para uma gestão dos aparatos de produção pelos próprios moradores, propondo sair das respostas ditadas pelo estado e pelo mercado. Esta organização se destaca pelo dinamismo de seus integrantes e a vitalidade de seus representantes, um deles, Lautaro Guanca, morador de Lo Hermida, conjunto habitacional popular histórico de Peñalolen, foi eleito em 6 de dezembro de 2008 como conselheiro de Peñalolen para as eleições municipais, afiliado ao Partido Comunista, mas como representante do MPL. Desta maneira, o movimento pretendia se posicionar no cenário político estabelecido, para fazer chegar as demandas dos moradores ao município, à administração local. No caso do planejamento urbano, o MPL, junto a outras organizações de Peñalolén, tem se coordenado e organizado no contexto do desenho do novo Plan Regulador Comunal – PRC (Plano Diretor Comunal), com o objetivo de construir uma proposta alternativa ao PRC. Esta nova proposta desejar recolher as aspirações e demandas dos moradores e habitantes da comuna, não apenas com propostas dos tecnocratas, que através de linguagem técnica e crítica afastam os habitantes da participação do desenho original do Plano, deixando espaços de pseudo-participação, que são meros espaços informativos.
A ação pela moradia digna em Peñalolén: do subsídio habitacional à produção social do hábitat
É verdade que as reivindicações do MPL não se baseiam – de momento – na demanda de abolição do subsídio. Os moradores são conscientes de que necessitam, no atual panorama econômico e político, dos subsídios do estado. Contudo, o MPL gerou uma crítica à política habitacional chilena, afirmando particularmente que não basta entregar subsídios para fazer respeitar o direito à moradia.
Isto nos leva a entender que as demandas do MPL são construídas na estrutura institucional determinada pelo estado subsidiário, no contexto econômico neoliberal, com o uso de canais políticos tradicionais (como a eleição de um dirigente do MPL como representante político no município), de canais de produção auto-gestionários ou cooperativos de habitação (a construtora EMEPEELE Ltda) e de gestão do processo habitacional (EGIS). O conceito de “conquista” demonstra que os moradores de classe média baixa sentem-se despojados de seu território, do lugar onde nasceram e cresceram muitos deles por várias gerações. Com efeito, a região sudeste da comuna é onde mais estão sendo construídas habitações caras, onde vivem famílias ricas, com casas e terrenos amplos, especialmente em bairros fechados. O fato repercute no aumento do valor do solo urbano na comuna de Peñalolén, isto é, houve um aumento notável do valor do solo devido, especialmente, aos processos de gentrification (21) com o surgimento dos bairros fechados. Além disso, o plano diretor 2010-2020 valida tais desigualdades urbanas, atuando como indicador da vontade do município em orientar a comun para certo tipo social de habitantes.
Protagonistas do modelo habitacional vigente no Chile
O importante é constatar que o MPL, até antes de criar suas próprias EGIS e Construtora, já vinha trabalhando junto a entidades privadas existentes, operando como muitos comitês de moradia ou afins, ou seja, constituindo somente um dos cinco principais atores do processo habitacional vigente, os quais são:
As famílias organizadas em comitê de moradia ou afins;
As EGIS, entidades privadas, encarregadas de gerenciar a demanda dos comitês, desenhar os projetos, encaminhar, junto aos comitês, o acesso aos subsídios, fazer o acompanhamento das obras e encarregar-se de todos os trâmites legais do processo, bem como da capacitação social. O estado paga a assistência técnica das EGIS com um fundo diferente daquele dos subsídios.
O estado, através do SERVIU (Servicio de Vivienda y Urbanismo) (22), supervisiona os projetos e, finalmente, entrega os financiamentos.
As construtoras, que são as que utilizam o dinheiro dos subsídios para a construção e, certamente, para obter lucro.
Os municípios, que atuam duplamente, por um lado apóiam e conduzem a gestão dos moradores através de seus departamentos de habitação (de fato alguns municípios tem suas próprias EGIS) e, além disso, concedem liberações de obras e conclusões, através de suas Direções de Obras Municipais (DOM).
Tomando como base a necessidade de superar as barreiras que contrapõem os moradores às empresas privadas, a proposta do MPL é tomar não somente o papel do comitê e sim abordar no seu seio e com seus próprios moradores, assim como o trabalho dos profissionais, outros dois dos cinco papéis – justamente os financiados pelo estado –, o da construtora e da EGIS.
Nos primeiros projetos de habitação do MPL, os atores no caso de EGIS e construtoras resultaram ser atores privados, com os quais a relação e o processo não tem sido fáceis.
A solução aos entraves das próprias políticas habitacionais de caráter neoliberal é que os moradores assumam seu próprio destino, gerenciem e construam suas habitações, já que se “nem o estado pode, nem os privados desejam, seremos nós, então, os que construiremos o novo conjunto habitacional popular” (23). A EGIS e a construtora são mecanismos para captar o poder que tradicionalmente ocupa o estado e, majoritariamente hoje em dia, o mercado.
Com a participação dos moradores na gestão e construção de seus próprios territórios, o MPL deseja consolidar o fato de que, historicamente, Chile tem sido um país de construtores e que “hoje nos compete ficar progressivamente com a direção da produção e do produto” (24). Progressivamente, já que o projeto é lento e deve resistir a vários entraves, o que faz com que atualmente a empresa construtora EMEPEELE Ltda ainda não tenha construído habitações sociais de casas e apartamentos que já possuem projeto. No corrente ano de 2010 existe um projeto de habitações em construção que foi gerenciado pelo MPL, mas que está sendo executado por uma empresa privada de construção. Além de sua luta por uma habitação digna, o MPL tem como objetivo restabelecer e promover o sentimento de identidade e pertencimento ao bairro e ao conjunto habitacional popular, o sentir-se parte da cidade, elemento fundamental do direito à cidade. Muitas ações do MPL apontam nesta direção, com a criação de hortas urbanas, de centros culturais comunitários e meios de comunicação local. Neste sentido, pode-se dizer que existe um exemplo do processo de conquista do direito à cidade, com várias ações para defendê-lo e promovê-lo. Partindo de uma reação básica de resistência frente a um estado assistencialista e subsidiário, os moradores se organizaram e foram capazes de ir mais além da simples reivindicação de seus direitos, criando respostas adaptadas a sua situação com ações originais.
A importância destas experiências de participação e de auto-gestão reside na transformação do panorama do habitante da cidade, que de indivíduo assistido que espera um subsídio para comprar uma casa, passa a ser um ator protagonista, envolvido nas decisões de sua vida e na de seus vizinhos. Isto é que o se entende por produção social do hábitat, no caminho para alcançar o direito à cidade.
poor, poverty, popular habitat, spontaneous housing, habitat policy, mobilization of the inhabitants, popular mobilization, social housing, social movement
, Chile
HIC (Habitat International Coalition) - General Secretariat / Ana Sugranyes Santiago Bueras 142, Of.22, Santiago, CHILI - Tel/fax: + 56-2-664 1393, + 56-2-664 9390 - Chile - www.hic-net.org/ - gs (@) hic-net.org