Um retrato da falta de ação governamental
Marcio VIEIRA DE SOUZA, Sergio Luis BOEIRA, William Victor Kendrick MATOS SILVA, Rodrigo Vissotto JUNKES
11 / 2008
Há um consenso generalizado, tanto no ambiente acadêmico quanto nos demais setores da sociedade, de que a crise ambiental está intimamente ligada à falência do modelo “moderno” de desenvolvimento. Tal sistema, de raiz antropocêntrica, propõe que a natureza deve assumir uma qualidade “subserviente” aos interesses do homem, centro de todo o universo e destinatário de todas as ações.
Não é difícil supor que, nesse ambiente, os custos ambientais provocados pela política desenvolvimentista não são considerados com a importância que deveriam ser. Na verdade, o modelo desenvolvimentista da era moderna privilegia o desenvolvimento frente aos déficits ambientais que ele provoca, independentemente de quaisquer outros fatores.
O industrialismo típico do desenvolvimento moderno, ligado ao consumismo generalizado que, em conjunto com outras questões, forma a tônica da sociedade atual, gera uma conseqüência ambiental muito grave, qual seja o acúmulo de lixo.
Naturalmente, a identificação desse problema traz consigo a necessidade de refletir sobre as possíveis condutas e práticas que, aplicadas, solucionarão a questão ou, quando menos, atenuarão os seus efeitos. E, nessa reflexão, pensar o papel do Estado, sobretudo a sua condição de impulsionador de políticas públicas, é obrigação de primeira ordem.
Uma das soluções mais comuns para a questão do lixo urbano é expansão dos aterros sanitários e, especialmente, o reaproveitamento do lixo.
Ricardo Rose, a partir de dados divulgados em meados de 2005, indica que o mercado ambiental gerou, no ano de 2004, a importância de US$ 1.500.000,00, embora o país gerasse, naqueles tempos, uma quantidade estimada de 110.000 toneladas de lixo, tornando-a pífia. Além disso, aponta que apenas 70% dos Municípios brasileiros possuíam serviços de coleta regular do lixo, bem como que a maioria dos 5.507 Municípios acomodava o lixo em buracos, os denominados “lixões”. Apesar de os dados não serem atuais, demonstram a realidade da situação no Brasil.
Na realidade brasileira, o reaproveitamento do lixo é visto basicamente como uma atividade privada. Como tal, a sua execução está habitualmente associada à idéia de “empresa”, com o propósito claro de gerar lucro para os seus executores.
Nessa perspectiva, o papel do Estado é o de mero coadjuvante, quando muito de parceiro. E, de fato, há vários exemplos concretos que fundamentam a conclusão de que esse é o consenso formado quanto à atuação do Estado na matéria.
Um deles é aquele apresentado por Herbart dos Santos Melo, que, em artigo publicado na edição número 48, da Revista Eco 21, afirma que o “Projeto Reciclando – seja um cidadão ecológico”, foi instituído por meio de uma parceria entre a Secretaria de Trabalho e Ação Social do Ceará, o SEBRAE e o SINDIVERDE, mas destaca que tudo começou em 1994, por iniciativa da população de um bairro carente de Fortaleza, que passou a realizar a coleta seletiva do lixo, o que, passado algum tempo, deu ensejo à formação do consórcio do lixo.
A ausência de uma postura mais ativa por parte do Estado quanto ao gerenciamento de resíduos, não raras vezes, impede a adoção de uma série de medidas que gerariam ganhos tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente de um modo geral.
João W. Alves e Oswaldo S. Lucon bem ilustram essa realidade. Em artigo publicado na edição número 61, da Revista Eco 21, os autores afirmam que considerando apenas 13 grandes aterros sanitários existentes no Brasil, seria possível, por meio da geração de Biogás, explorar um potencial elétrico da ordem de 150MW, o que é suficiente para abastecer uma cidade de cem mil habitantes pelo período de um ano.
Mas reconhecer que o Estado não possui uma posição ativa quanto ao gerenciamento de resíduos sólidos, no entanto, não significa dizer que não há políticas públicas dirigidas para essa questão. Um exemplo de política ativa do Estado na gestão de resíduos é a hipótese estabelecida pela Lei n. 11.455/2007, que permite ao poder público contratar, sem prévia licitação, a coleta de resíduos urbanos, contanto que através de associações ou cooperativas de catadores de lixo, o que certamente serve de incentivo para a coleta seletiva do lixo e, como tal, proporciona a sua reutilização. Na verdade, a base fundamental da política é a de fomentar, por meio de contratações públicas, o desenvolvimento e o fortalecimento de setores dedicados à coleta seletiva de resíduos.
Na verdade, quando se faz referência à ausência de uma postura mais ativa do Estado na gestão de resíduos, não se pretende defender uma completa transferência de toda a responsabilidade pelo gerenciamento dos resíduos sólidos ao Estado, que deveria passar a ser o único protagonista/sujeito ativo tanto na formulação quanto na implementação de políticas envolvendo essa questão.
É evidente que tal responsabilidade deve ser compartilhada entre o Estado e a sociedade, em ambos os espaços, ou seja, tanto na implementação quanto na formulação. Mas dentro desse compartilhamento, não parece possível contraditar a afirmação que reconhece a dívida do Estado, que poderia ser mais efetivo na questão, seja no exercício do seu papel de fomentar e desenvolver a atividade, seja até mesmo no aumento de políticas de conscientização e, consequentemente, da formação de redes de atuação concertada com a sociedade civil.
Assim, embora responsabilidade de todos, a falta de resultados mais concretos quanto ao uso racional do lixo também se deve à ausência de uma atuação mais efetiva do Estado, especialmente nos tempos presentes, em que tanto se defende a idéia de participação popular no desenvolvimento de políticas públicas em geral e da formação de “parcerias” entre o público e o privado, o que facilitaria inclusive o seu papel de agente ativo na formulação e implementação de políticas públicas.
urban waste, ecology, environmental policy, energy policy
, Brazil
Esta ficha foi produzida durante uma oficina que utilizou um processo participativo de construção leitura e escrita coletiva em uma disciplina de “Gestão ambiental, ambientalismo e políticas públicas” do Mestrado em Gestão de Políticas Públicas da UNIVALI - Santa Catarina, Brasil. Utilizou como fonte a Revista Eco21. Para saber mais sobre a metodologia utilizada veja a ficha de título: Uma Experiência metodológica participativa na construção de fichas DPH.
ALVES, João W.; LUCON, Oswaldo S. Um novo fim para o lixo. Revista Eco 21. Ed. 61. www.eco21.com.br. Acesso em 27/11/2008.
MELO, Herbart dos Santos. Consórcio do lixo – a reciclagem a serviço da qualidade de vida. Revista Eco 21. Ed. 46. www.eco21.com.br. Acesso em 27/11/2008.
ROSE, Ricardo. O mercado ambiental do Brasil. Revista Eco 21. Ed. www.eco21.com.br. Acesso em 27/11/2008.
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