Enquanto o intenso desmatamento (com suas queimadas) faz parte do passado do Paraná (isto porque, na década de 70, já havia sido cortado praticamente tudo que estava no caminho), esta prática está mais ativa do que nunca na região amazônica. Já há três anos consecutivos que são desmatados cerca de 23 mil km2 desta floresta, contra os 18 mil km2 ‘usuais’ dos anos anteriores. ‘Deter’ (Detecção do Desmatamento em Tempo Real) estima que, em 2004, já foram desmatados entre 23,1 mil e 24,4 km2. (1)
GPS e satélites: úteis para o desmatamento
Um estudo feito por Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) mostra que, nos últimos 30 anos, a região de 5 milhões de km2 (dos quais 60% em território brasileiro) reduziu em 14%; 0,5% ao ano. O corte ilegal de madeira representa 55% de todo o desmatamento. Nem toda a madeira cortada é retirada e comercializada. Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), 28 milhões de metros cúbicos de madeira são simplesmente abandonados. Se estes fossem transportados em caminhões de 17 m3, isto exigiria 4.500 carretos por dia ao longo de todos os dias do ano. Mesmo assim há 350 mil pessoas empregadas no setor madeireiro, que conta com cerca de 2.600 empresas. As serrarias são as mais rentáveis na região, com um retorno de 60% mais ou menos quatro vezes mais do que a pecuária. Como no passado, não importa muito se é por meio de extração de madeira ou se é colocando gado para pastar em terras ilegais; o que importa é ocupar, num mínimo de tempo, a maior quantidade de terra possível. Depois, usando a tática do fato consumado, inicia-se a negociação com o governo (fraco e ausente) para a legalização das terras e a exploração econômica das mesmas. Graças a tecnologias de ponta com imagens de satélite e sistema GPS, os grileiros (aqueles que ocupam ilegalmente as terras) conseguem tomar posse de extensas áreas no meio do nada. Por exemplo, no relatório de Deter fala-se de uma área de 6.200 hectares que foi destruída em poucas semanas, ao sul do rio Iriri. Como seus equipamentos eletrônicos são mais sofisticados do que os do governo e como eles utilizam novas táticas (por exemplo, realizar o desmatamento no período de chuvas ao invés da seca, para dificultar a fiscalização), o ritmo se acelerou nos últimos três anos.
O assassinato da irmã Dorothy Stang colocou o fenômeno ‘grilagem’, de maneira dolorosa, de volta na agenda política. Segundo o governo federal, 12% do território nacional teria sido ocupado ilegalmente. Isto representa cerca de 100 milhões de hectares, comparável com toda a América Central e México juntos. Dos 850 milhões de hectares que o Brasil possui, somente 418 milhões de hectares estão titulados. Se você descontar as áreas urbanas, estradas, rios e lagos, chega-se a 200 milhões de hectares cujo título de propriedade está ‘sob suspeita’.
O modo ideal de eliminar a madeira excedente ou ilegal é, simplesmente, botar fogo em tudo. Cerca de 74% de todo o CO2 emitido pelo Brasil é oriundo de incêndios florestais, queima de pastos e da cana-de-açúcar. Os meses de agosto a outubro parecem ser os ideais para que ocorram ‘incêndios espontâneos’, até mesmo em parques nacionais. É um período de estiagem e o momento é oportuno do ponto de vista econômico, porque a época de plantio está próxima. A falta da fiscalização neste país imenso faz com que os incêndios cheguem a proporções alarmantes. Nos primeiros 20 dias de agosto de 2004, foram detectados no Pará 9.813 incêndios, contra 6.083 em todo o mês de agosto de 2003.
Plantadores de soja: “Nós não temos nada com os desmatamentos!”
Uma das discussões mais acaloradas por aqui é saber quem são os responsáveis pelos desmatamentos. Na ‘Mesa Redonda sobre Soja Responsável’, nos dias 17 e 18 de março de 2005 (durante o congresso o nome foi mudado de ‘sustentável’ para ‘responsável’), não foi diferente. O ‘Grupo Amaggi’ e os grandes fazendeiros com monocultura apontam acusadoramente o dedo na direção das serrarias e dos pecuaristas. Ocimar de Camargo Villela, do Grupo Amaggi, proclama orgulhosamente: “O Grupo Amaggi plantou 130 mil hectares de soja e possui, além destes, mais 110 mil hectares de ‘mata legal’”. Ou seja, florestas ou área de cerrado que eles são obrigados a preservar. Ele esqueceu de dizer, porém, que – antes – estes 130 mil hectares tiveram que ser desmatados. O ISA (Instituto Socio-Ambiental), junto com ‘Amigos da Terra’, é categórico – a soja acelera o desmatamento. Eles mostram os dados oficiais: nos últimos três anos, a área plantada com soja aumentou em 39,8% nas regiões Sul e Sudeste do país e em 66,1% no Centro-Oeste. O estado do Mato Grosso está situado nesta região. Entre 2001 e 2004, o desmatamento neste estado aumentou em 51,9%. A aceleração iniciou em 1999, quando a cotação do real frente ao dólar norte-americano aumentou ainda mais o interesse pela exportação. Desde então, a exportação do Ouro Verde passou a ser muito vantajosa. Quando o preço da soja, alguns anos depois, alcançou picos históricos no mercado mundial, não houve mais como segurar. Isto ajuda a esclarecer as taxas de desmatamento extremamente elevadas a partir de 2001. No ano agrícola de 1990-1991, o Brasil possuía 9,74 milhões de hectares plantados com soja; em 2000-2001: 13,97 milhões de hectares. O ‘Grande Avanço’ ocorreu, de fato, após 2001, com 21,24 milhões de hectares plantados no ano agrícola de 2003-2004. E como isto tudo é possível com uma legislação ambiental tão rigorosa? Moacir Pires, assessor para Meio Ambiente no Mato Grosso: “Plantar soja é como garimpar ouro. Quando o preço do ouro sobe, as pessoas são atraídas para o garimpo. O mesmo fenômeno ocorre com a soja.”
O governador de Mato Grosso é Blairo Maggi, dono do ‘Grupo Amaggi’. No DVD da Articulação Soja dos Países Baixos, ele conta com a cara mais lavada do mundo que no Mato Grosso tudo é feito ‘legalmente’. Em seguida, ele se reclina com um imperador. Ao seu lado, um grande crucifixo decora seu escritório. As bandeiras reforçam sua autoridade.
O termo ‘legal’ também é a palavra de ordem de outros grandes fazendeiros – entre estes, os discípulos do ‘plantio direto’ (os fazendeiros não aram o solo, para evitar a erosão; um método que Monsanto também aprova pois, embora o solo não seja arado, são usados cada vez mais herbicidas para dessecar a cultura anterior como, por exemplo, o adubo verde. No total, as lavouras brasileiras recebem, anualmente, 182 mil toneladas de agrotóxicos).
Do Pará para o Paraná
O Paraná está coberto de soja e milho. Mesmo assim, alguns espertalhões ainda conseguem – na calada da noite – derrubar os últimos remanescentes florestais. Por exemplo, em fevereiro de 2005, um engenheiro agrônomo (!) foi flagrado no desmatamento de 29,34 hectares de mata nativa de pinheiro e imbuias centenárias. Em menos de duas semanas ele coordenou o desmatamento, 24 horas por dia, pois queria transformar a área de proteção ambiental em lavoura de soja. Jairo, meu vizinho que trabalha no IAP (Instituto Ambiental do Paraná) suspira: “É o preço da terra para plantio de soja que faz com que estas tragédias ainda aconteçam. Desde 1999 que o preço da terra não pára de crescer. Até aquele ano, os campos (campos nativos no Paraná e Santa Catarina) não valiam quase nada. Agora não resta nem 1% dos campos, pois o preço da terra para soja chega a R$ 60 mil/alqueire (1 alqueire = 2,42 ha). Até o final da década de 90, colocavam uma cabeça de gado em cada 6 alqueires; atualmente eles tiram 400 a 500 sacas de milho ou 150 sacas de soja ao ano. Nas áreas de transição, a terra com mata nativa valia R$ 3 mil/alqueire; atualmente, vale de R$ 10 mil a R$ 12 mil. Se você derrubar – ilegalmente – a mata nativa e plantar soja, o preço pula para os mesmos R$ 60 mil/alqueire. É fácil fazer as contas e eles correm o risco. Nós vamos ser bastante rigorosos neste caso, para que sirva de exemplo para todo o Paraná.”
O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) aplicou uma multa de R$ 1,5 milhão pela infração. A multa do IAP foi por derrubar 2.031 pinheiros, 318 imbuias, além de 40 espécies de árvores, vegetação de Área de Preservação Permanente (APP), e vegetação nativa em estágio avançado de regeneração. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) aplicou uma nova multa, no valor de R$ 473 mil. No caso do Ibama, a multa foi por danos à fauna silvestre causados pelo desmatamento.
Será que o exemplo vai surtir feito? Ou a loucura continuará?
Kyoto e ‘perfumarias’ para limpar o ar
“E como é que ficam as florestas nas regiões de relevo acidentado e nas serras?”
Jairo: “As áreas de mata valiam, antigamente, de R$ 500 até R$ 3 mil/alqueire. Agora também passaram a valer de R$ 10 mil até R$ 12 mil/alqueire. Isto está relacionado com a ‘reserva legal’ e com o fato dos grileiros quererem legalizar sua prática ilegal. Legalmente eles têm que manter 20% da área com florestas. Portanto, atualmente eles estão comprando estas florestas para continuar plantando soja nos vales. Além disso, em virtude do protocolo de Kyoto, agora eles podem receber dinheiro vendendo o ar puro de suas florestas!”
Agora entendo por que Agnes Vercauteren tem recebido a visita de tantos fazendeiros. De repente, eles estão muito interessados em comprar sua propriedade agroflorestal!
O caso mais extremo é o dos alemães que, graças à simpatia por Hitler, foram assentados aqui pela Cruz Vermelha Internacional na década de 50. São 180 famílias que, originariamente, ocupavam uma pequena área com cinco vilas. Atualmente, eles compraram, num raio de 150 quilômetros, 600 mil hectares e os cobriram de soja e milho. Eles expulsaram, entre outros, uma comunidade quilombola que, há mais de 150 anos, cultivava aquelas terras. Agora eles querem regularizar o negócio e estão procurando, desesperadamente, terras com florestas para completar seus 20%. (2)
Acho que vou encerrar com uma nota alentadora.
Em 1997 o governo lançou o ‘selo verde’ para madeira certificada, sem destruição ambiental. Naquela ocasião havia 80 mil hectares com madeira certificada; atualmente há 1,8 milhões de hectares. Ainda é uma gota no oceano quando comparado com o tamanho da floresta, mas o interesse está crescendo.
Vamos manter as esperanças, contra o desespero e a falta de tempo.
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, Brazil, Amazonia
Navios que se cruzam na calada da noite: soja sobre o oceano
Esse texto foi tirado do livro « Navios que se cruzam na calada da noite : soja sobre o oceano » de Luc Vankrunkelsven. Editado pela editora Grafica Popular - CEFURIA en 2006.
Book
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