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Zona Especial de Interesse Social (ZEIS)

Reconhecer a diversidade de ocupações existente na cidade permite integrar áreas tradicionalmente marginalizadas e melhorar a qualidade de vida da população.

07 / 2004

Reconhecer a diversidade de ocupações existente na cidade permite integrar áreas tradicionalmente marginalizadas e melhorar a qualidade de vida da população. Tradicionalmente, a legislação urbanística - e principalmente as chamadas Leis de Uso e Ocupação do Solo ou Leis de Zoneamento - têm se concentrado no estabelecimento de padrões desejáveis para a ocupação de determinadas áreas da cidade. Definem-se assim parâmetros mínimos de ocupação de lotes, recuos, coeficientes de aproveitamento e usos permitidos.

Entretanto, na maioria das cidades - diante dos enormes níveis de desigualdade social, concentração de renda e pobreza urbana - os próprios padrões mínimos de ocupação levam a terra urbana infraestruturada a atingir preços altos demais para o poder de compra de grande parte da população. As camadas mais pobres se vêem obrigadas a ocupar terras à margem da legislação, originando loteamentos clandestinos, ocupações e favelas. Esses assentamentos localizam-se, muitas vezes, em regiões ambientalmente frágeis e de difícil urbanização : encostas de morros, várzeas inundáveis ou mangues. embora estas áreas sejam « protegidas » por legislação de preservação ambiental, sua urbanização muitas vezes é mais densa e devastadora justamente pela ausência de regulamentação.

Até os anos 70, este tema foi simplesmente ignorado pela legislação urbanística que, no mais das vezes, sequer considerava estes assentamentos como parte integrante da cidade. Assim, ocupações consolidadas e com mais de 30 anos de existência eram consideradas « provisórias ». À medida que as comunidades se organizam, vão exercendo pressões e reivindicações junto ao poder público pela instalação de infra-estrutura nesses locais. Investimentos públicos chegam muitas vezes aos assentamentos, mas quase sempre a conta-gotas e em caráter « emergencial ». Assim, as formas de inserção irregular são simultaneamente rejeitadas e legitimadas, tornando seus habitantes extremamente vulneráveis a práticas clientelistas e eleitoreiras.

Os efeitos desta política são, portanto, nefastos do ponto de vista social, urbanístico e político. A partir dos anos 80, e como produto sobretudo da luta dos assentamentos irregulares pela não remoção, pela melhoria das condições urbanísticas e regularização fundiária, um novo instrumento urbanístico começou a ser desenhado em várias prefeituras do país : as Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS), ou Áreas de Especial Interesse Social (AEIS). A concepção básica do instrumento das ZEIS é incluir no zoneamento da cidade uma categoria que permita, mediante um plano específico de urbanização, estabelecer padrões urbanísticos próprios para determinados assentamentos.

A possibilidade legal de se estabelecer um plano próprio, adequado às especificidades locais, reforça a idéia de que as ZEIS compõem um universo diversificado de assentamentos urbanos, passíveis de tratamentos diferenciados. Tal interpretação agrega uma referência de qualidade ambiental para a requalificação do espaço habitado das favelas, argumento distinto da antiga postura de homogeneização, baseada rigidamente em índices reguladores. O estabelecimento de ZEIS significa reconhecer a diversidade de ocupações existente nas cidades, além da possibilidade de construir uma legalidade que corresponde a esses assentamentos e, portanto, de extensão do direito de cidadania a seus moradores.

OBJETIVOS

Os objetivos do estabelecimento de ZEIS são :

a) permitir a inclusão de parcelas da população que foram marginalizadas da cidade, por não terem tido possibilidades de ocupação do solo urbano dentro das regras legais ;

b) permitir a introdução de serviços e infra-estrutura urbana nos locais onde eles antes não chegavam, melhorando as condições de vida da população ;

c) regular o conjunto do mercado de terras urbanas, pois reduzindo-se as diferenças de qualidade entre os diferentes padrões de ocupação, reduz-se também as diferenças de preços entre elas ;

d) introduzir mecanismos de participação direta dos moradores no processo de definição dos investimentos públicos em urbanização para consolidar os assentamentos ;

e) aumentar a arrecadação do município, pois as áreas regularizadas passam a poder pagar impostos e taxas - vistas nesse caso muitas vezes com bons olhos pela população, pois os serviços e infra-estrutura deixam de ser encarados como favores, e passam a ser obrigações do poder público ;

f) aumentar a oferta de terras para os mercados urbanos de baixa renda.

RECIFE

A primeira experiência de estabelecimento de ZEIS ocorreu no município do Recife-PE (1.300 mil hab.), e teve início na década de 80. Em 1983, uma nova Lei de Uso e Ocupação do Solo da cidade reconheceu as ZEIS como parte integrante da cidade sem, no entanto, dispor de instrumentos de inibição da ação especulativa do mercado imobiliário : a lei reconhecia características particulares daqueles assentamentos e propunha a promoção de sua regularização jurídica, bem como a sua integração à estrutura da cidade, mas, uma vez integradas as ZEIS, as leis do mercado tratariam de estabelecer sua dinâmica normal de estruturação urbana. Além disso, a lei reconhecia apenas 27 áreas como ZEIS - dentro de um universo estimado de 200 favelas - deixando uma massa de assentamentos de origem espontânea sem instrumentos legais de acesso a solo e benefícios urbanos.

A regulamentação das ZEIS somente ocorreu em 1987, após longo processo de articulações, pressões e negociações das organizações de bairro : apoiadas pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, apresentaram projeto de lei regulamentando as ZEIS e prevendo mecanismos de gestão participativa na condução de projetos de recuperação urbana e regularização jurídica, e formas de solicitação de transformação em ZEIS de localidades ainda não caracterizadas como tal. Com esta lei do PREZEIS - Plano de Regularização das ZEIS - abriu-se o leque para que novas áreas pudessem ser incorporadas como ZEIS, sendo introduzidos mecanismos de proteção contra as ações especulativas do mercado.

Dentre os instrumentos de inibição, destacam-se os que estabelecem os lotes mínimos e os que proíbem os remembramentos, reforçando a conservação das características das ocupações locais, bem como do perfil social dos ocupantes. A lei do PREZEIS tratou sobretudo de institucionalizar os canais de gestão urbana, colocando a população próxima à arena decisória. Foram criadas, em lei, as Comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra (COMUL) - institucionalizando as práticas das antigas comissões de bairro - com o objetivo de tratar dos problemas específicos de cada uma das ZEIS. Foi também criada a figura , ainda consultiva, do Fórum do PREZEIS, destinado a ocupar-se das questões pertinentes ao conjunto das ZEIS.

Para apoiar a coordenação do Fórum no planejamento e acompanhamento das ações do PREZEIS foram compostas três câmaras : as Câmaras de Urbanização, de Legalização e de Finanças, compostas por agentes das comunidades, das ONGs e da municipalidade.

Em 1993, foi aprovada na Câmara de Vereadores a lei regulamentando o Fundo do PREZEIS e, a partir daí, pactuou-se o comprometimento de 1,2% da arrecadação tributária para o funcionamento do programa. Um balanço nos números relativos ao PREZEIS apontou, em 1997, a existência de 66 áreas ZEIS e, destas, 35 já constituíram comissões de Urbanização e Legalização da Posse da Terra em atividade. A prefeitura tem obras em 18 destas áreas e planos específicos elaborados para nove delas. As COMULs acompanham as pautas de regularização fundiária e intervenções de urbanização, supervisionando a aplicação de recursos do Fundo do PREZEIS, com valores da ordem de R$ 4 milhões (1996). DIADEMA Diadema-SP (323 mil hab.), na Região Metropolitana de São Paulo, foi, até os anos 80, um dos municípios em pior situação de exclusão territorial do Estado de São Paulo.

As melhores porções de terra urbanizada haviam sido historicamente destinadas ao uso industrial, colocando a população residente em um segundo plano, muitas vezes em situações ilegais e precárias. Um terço da população vivia em 3,5% da superfície do município - quase exclusivamente em favelas sem qualquer infra-estrutura. Após um processo de negociação entre técnicos, vereadores e movimentos populares, a administração municipal estabeleceu dois tipos de AEIS - Áreas de Especial Interesse Social : as AEIS 1, áreas vazias destinadas à produção de novos núcleos habitacionais populares, e as AEIS 2, áreas ocupadas por favelas a serem reurbanizadas.

Nas AEIS, só poderiam ser implantadas habitações para a população de baixa renda (famílias com renda até 10 salários mínimos), ampliando assim a oferta de terras para essa faixa e, consequentemente, reduzindo seu preço. Com este instrumento foi possível dobrar a quantidade de terras em oferta para a população de baixa renda (de 3,5% para 7% das terras do município), e possibilitou assentar grandes parcelas da população da cidade e regularizar uma boa parte das ocupações. Ao mesmo tempo, derrubou o preços da terra para habitação popular, permitindo que esta fosse comprada por cooperativas habitacionais organizadas para a produção de moradia em regime de mutirão. Esses resultados foram possíveis porque houve moradores de bairros e casas precários que se organizaram e se tornaram interlocutores permanentes da política urbana do município, participando ativamente das negociações em torno da estratégia de regulação e das decisões sobre os investimentos. Além do acesso à moradia para as populações envolvidas, isso representou um ganho de qualidade para a administração municipal, que se aproximou da população e cumpriu seu papel de mediadora das disputas pela terra urbana.

RESULTADOS

A implantação de ZEIS pode trazer resultados benéficos para toda a cidade, sob vários aspectos :

a) urbanísticos : • integrando áreas tradicionalmente marginalizadas da cidade ; • diminuindo os riscos das ocupações, estabilizadas pela urbanização ; • possibilitando a implantação de infra-estrutura nos assentamentos (pavimentação, iluminação, saneamento, transporte, coleta de lixo) ; • possibilitando projetar espaços e equipamentos públicos para as ocupações.

b) ambientais : • melhorando o ambiente construído para o moradores ; • diminuindo a ocorrência de danos decorrentes de ocupação em áreas de risco (como deslizamentos ou enchentes).

c) jurídicos : • facilitando a regularização fundiária dos assentamentos ; • possibilitando a aplicação de instrumentos como o usucapião e a concessão do direito real de uso.

d) políticos : • rompendo com políticas clientelistas e eleitoreiras que envolvem investimentos públicos e implantação de infra-estrutura ; • reconhecendo os direitos de cidadania das populações envolvidas.

e) sociais : • enfraquecendo o estigma que existe em relação aos assentamentos de baixa renda e fortalecendo a auto-estima da população que ali vive ; • reconhecendo a diversidade de usos e ocupações que compõem a cidade.

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